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Contos-->Toma, lê -- 07/04/2018 - 19:12 (Adalberto Antonio de Lima) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
 A turbulência se prolonga por tempo superior ao previsto pela tripulação e visíveis danos na  fuselagem são percebidos pelos passageiros. Casados que há tempos não conversavam, mantinham agora as cabeças coladas uma à outra e balbuciavam alguma coisa ininteligível. Irmã Paola tentou debulhar um terço, em voz alta, e não conseguiu. No meio do corredor, um homem ergueu a voz: Sou padre Davi! Pelo poder que me concede a Santa Madre Igreja, eu perdoo todos os vossos pecados, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Alguns responderam: Amém! Muitos  balbuciaram palavras quase inaudíveis, outros, apenas moviam os lábios.  Fernão entrou na cena de seu batismo, viu os pais e padrinhos na Igreja da Consolação. Viu também a pia batismal com água. Pessoas da comunidade acendiam velas no Círio Pascal. Com um crucifixo na mão,   o sacerdote ungia a testa e o peito  das crianças com o óleo dos catecúmenos. Viu ainda um animal asqueroso levantar-se do mar.

A Fera tinha dez chifres, sete cabeças e muito poder sobre a Terra. A fera  soprava na mente dos cristãos bombas de pensamentos infladas de ganância, vaidade e orgulho. Houve um clarão, seguido do ribombar de mil  trovões. Abriram-se livros, e ainda outro livro, que é o livro da vida. Miríades de anjos entoaram um coro diante do trono do Cordeiro. Mostrou-lhe então o anjo um rio de água viva que brotava da pia batismal. A mãe traçou uma cruz na testa do filho. Houve uma explosão que só o menino ouviu. E chorou. O animal desapareceu numa nuvem de fumaça negra. Fernão viu ainda  Moisés no monte Nebo jogar seu manto para Josué: “O que está oculto pertence ao Senhor, nosso Deus; o que foi revelado é para nós e para nossos filhos. Nada temas.”

 Passou em seguida o manto para Josué e Josué passou o manto sobre a cabeça do menino. Veio uma nuvem luminosa e o envolveu. Extático, Fernão desprendeu-se do sobrenatural e lentamente, retornava ao mundo dos mortais viventes. E agora se via em voo rasante sobre o mar.  Não muito bem desenhadas, traçou uma cruz na testa, uma na boca e outra no peito.  Objetos, poltronas e bagagens voavam em todas as direções e se chocavam, ora contra a fuselagem, ora contra os passageiros e tripulantes. Gravemente ferido, o corpo do padre estava estendido, a fio comprido, no corredor da aeronave.
—Tem algum médico a bordo? — perguntou um comissário.

 André conseguiu, com dificuldade, pegar sua maleta. Imediatamente, doutora,  Tânia Jiló também apanhou a dela. Algum metal pesado os atingiu e suas maletas foram sugadas pela janela quebrada. Também foram sugados muitos passageiros e lançados para fora da nave. Nathalie  evitou o choque com um notebook que passava voando.

Abaixou-se e sentou numa poltrona ao lado de uma velhinha morta. Arrependeu-se de ter avisado a Hemor que Fernão estava a bordo. E... se ao invés de desviar dos nimbos, o piloto resolvesse entrar em rota de colisão com eles? Fernão é ‘esquizo’, Hemor também. E se Fernão invadir a cabine de comando? E se os dois entrarem em luta corporal em pleno voo?... Nathalie  fechou os olhos e se viu dialogando com Dom Pierre Chardin. “Será que desde o primeiro momento de vida, até a morte, somos seres espirituais passando por experiências humanas, ou seres humanos passando por experiências espirituais?” Levantou-se segurando em uma poltrona sobre a qual um  corpo curvado deixava livre o encosto. Desmaiado, ou morto. Talvez. Teria Deus escolhido aquela hora para morrerem tantas pessoas ao mesmo tempo? Sobreviveria alguém ao acidente?  Talvez fosse a hora do piloto.

Os outros eram passageiros que estavam no voo errado, na hora errada.  “Brevê vencido’, argumentou a voz do eu paralelo.  “Acaso brevê vencido é causa mortis?” — Contrapôs o anjo que assiste o homem nos momentos de aflição — Ninguém confere se o brevê está vencido, e embarca numa viagem para a vida ou para a morte. Os humanos têm muita confiança no homem e pouca em  Deus — concluiu o anjo — As pessoas vivem em uma sociedade que dita regras coletivas para seres individuais, como se os humanos  fossem bens de consumo, a escorrer na esteira de produção das grandes fábricas. Ou como se a vida fosse uma ficção que se escreve em livros. “ Tens visto muita novela, Ravenala. Vire a página. Temos um avião prestes a cair.” 


Ainda sentado, Fernão acredita  que a qualquer momento a aeronave se espatifaria nos ares. Cairia contra o solo, ou em violento choque com o paredão das águas. Nathalie  assentou-se juntinho dele e estendeu-lhe a mão. Agora ou nunca — Pensou Fernão e, entregou a ela o bilhete guardado há anos, com anotação  recente. “Leia o verso.”
Leu em silêncio e ouviu os gritos do coração.
— Vai dar certo, disse Nathalie. 
Colocou o bilhete no bolso do uniforme e voltou à cabine do avião, reconstruindo  na mente as lembranças de sua história, quando trabalhava na casa de Raquel, mãe de Fernão.
***
Adalberto Lima, fragmento de "Estrela que o vento soprou."
Adalberto Lima
Enviado por Adalberto Lima em 07/04/2018
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