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Contos-->Onze minutos com a cigana Reika Sara Madalena -- 26/04/2018 - 11:45 (Adalberto Antonio de Lima) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos








Os bois passam pela cancela de acesso às mangas. Levantam poeira. O cheiro do suor de gado  viajado resplandece e enche de alegria o coração do feliz fazendeiro.




— Tarde patrão!...

— Como foi a  marcha até aqui? — disse Generoso olhando o gado se dispersando na manga.

— Perdemos um boi!

— Qual?

— Corisco. Saiu tirando fogo de pedra com os cascos. Ligeiro que nem um raio. Xandão foi capaz. Quase. Lampião tá machucado.

— Amanhã pesaremos a boiada na cidade. Corisco depois vem no cabresto, salgar brasa de angico.

— E Lampião?

— Vou chamar o açougueiro.

— Né por nada não, patrão. Tem cigano arranchado aqui perto.

— Em minhas terras?

— Quase que quase. Parte dentro, parte fora. Bem na divisa.

— Pois mande  Turíbio Soberbo, Pururuca,  e João Velho com meu recado à ciganada. Se quiser ir, também pode. Senão, descanse.

— É de meu gosto. Vou.

— Pois dê meia hora pra cigano arribar. Prometa fogo. E faça. Faça fogo cinco minutos depois do prazo. Só não atinja mulher e menino. A pesagem do gado fica pra depois.



José Lino foi. Não era obrigado, mas foi. Talvez para garantir o pai, já chegado à idade. Melhor não ter ido. Talvez sim, talvez não.



Vaqueiros confabulam:



— Tem cigana bonita que lê mão.

— E você acredita nisso, cabeça de vento?  Cigano é treiteiro. Vai querer negociar pasto pra ganhar tempo e sair de arribada, sem pagar, concluiu Onofre. 

— Quero ir também, disse Pururuca, sentindo do amor, sobre seu coração, o sopro.

— Pois pegue uma arma e venha. Quem não sabe cozinhar, serve pelo menos para  atiçar o fogo.



Foram.

Minutos depois, cinco pares de vaqueiros bem armados abordam o acampamento cigano.  




— Vieram trocar cavalos, cajão? Indagou o cigano Felisberto, guardando o violino num saco de tecido listrado.

— Não quero baldroca. Quero que saiam das terras do patrão. Dou meia hora de prazo.



José Lino se antecipa:



— Quero ler a mão.

— Entre na tenda — disse a cigana — apontando para uma porta  formada por  duas tiras de lona.



E, à meia luz. Reicka faz movimentos como se ensaiasse a dança do ventre. Passa a mão de cima abaixo no freguês. Nem pula as partes vergonhosas. Faz por gosto... E recomenda no final da sessão: ‘Volte amanhã. Traga sete velas coloridas: verde, azul, lilás, branca, rosa, vermelha, e amarela. É preciso nova consulta e mais reza forte. Hoje não cabe mais. Traga também uma maçã vermelha; pau de canela; taça de vidro transparente; 21 cravinhos da índia;7 colheres de mel;7 moedas; um pedacinho de papel com seu nome escrito sete vezes, que é pra Santa Sara abençoar com a graça da prosperidade  o gajão e sua família.”



 O cliente quis saber.



— Tem  que pagar de novo?

— Só mais um agrado, gajão!

— E as sete moedas.

— As moedas são para a Santa Sara favorecer o cajão.



Parece tentação do capiroto. A cigana Sara Reicka Madalena era bonita, mais da conta. Tinha olhos amendoados, negros cabelos, nariz afilado e uma pele  morena coberta por longo vestido.  Na cabeça, um lenço fino; e pulseiras coloridas nos braços produziam nela a silhueta  de uma deusa indiana.



Insinuantes seios tocavam as vestes, quase furando o azul-acetinado da seda. E na dança, a cintura fina  se movia sobre largo quadril, como se seguisse o ritmo de alguma música cigana.  Pausava a dança. E as mãos compridas de Reicka  deslizavam com suavidade por quase todo o corpo do cliente.



José Lino não se conteve. Elogiou. Fez galanteio e roçou a mão em  Reicka. O marido dela, escondido atrás do acortinado, via tudo. Viu José Lino palpitante. Assanhado. E com um salto felino, o gajo apresentou-se, pronto pra fazer uma desgraça.  Enfiou a mão canhota na cintura e ergueu um punhal. José Lino sacou a arma. Falou alto. Alterado. Desafiou.

Com um revólver em punho,  João Velho meteu o pé. Derrubou a  tenda.




— Calma,  João, ainda nem dei meu recado direito! 



Onofre apontou arma para um velho sisudo que tinha cara de  sultão.



— Dou meia-hora e não quero ver  nem cisco de cigano aqui! A ‘orde’ era do patrão. Agora é minha. E dele. Mais dele que minha, e desses que estão comigo. Meia hora. Dou meia hora. Se passar disso, num sobra nem menino,  pra contar a história...



Pururuca quase ensaiou uma arte. Puxou o revólver e atirou pra cima.



— Dê cá sua arma, Pururuca! Ainda não tá na hora de fazer fogo. Disse Onofre, peitando um cigano de uns vintes anos. Forte que nem Sansão.

— Dou não!

— Pois dê pra João Velho!

— Pra João Velho eu dou.

— Agora, monte e avise ao patrão que vai ter fogo. Carece mandar mais ninguém não. Eu sozinho dou conta. Vamos precisar só de pá e enxada.

— Sangue pra mim não é novidade — disse o  vaqueiro que atende pelo nome de Soberbo. 

— Você não está sozinho, Onofre!



João Velho não se sentiu ofendido. Quis dizer que também garantia sua parte.



— E eu vim sozinho? Só quero que esperem o sinal. O primeiro eu derrubo. Depois, todo mundo solta os marimbondos.



Não era de duvidar que os vaqueiros estivessem preparados para o confronto. E, ao sinal do velho Reich, sai a primeira leva de ciganos, conduzindo as mulheres e crianças. Outra caravana também pôs os pés na estrada. Só homem novo e robusto. Mais de vinte.

Ficou um gordo de meia-idade, pastoreando dois grisalhos. Dentre eles, um velho manco. O manco saiu por último, olhou com desdém para  Onofre. Retirou o lenço do pescoço, deu três nós e cuspiu para trás. Nem viu o punhal, penetrar-lhe o peito. Ficou teso. Ensanguentado. Esticado no chão.




— Pra quê fez isso, homem? Não precisava!

— Esse miserável tava com as horas contadas pra morrer. Não aguentava mais um chouto. Só aliviei o sofrimento dele.

— Eles vão voltar.

— Nem não. Voltavam se não tivesse acontecido nada. O velho manco  era a isca...

— Estratagema de cigano para medir nossa paciência — disse, sabiamente,  João Velho.

— Era essa gema mesmo. Voltavam  depois com  a desculpa de vir buscar o velho. E aí, arranchavam de novo, adiando a peleja para cansar o patrão — conclui Onofre.



Nervoso, o tempo vinga presságios nos ponteiros do relógio. Ninguém se lembrou de consultar as horas. Só Onofre quando furou o ancião, cinco minutos passados da hora aprazada.



— Que fazer com o corpo?

— O patrão tá mandando reforço. Deve vir homem trazendo ferramenta para enterrar o defunto. Foi o combinado: se chegar um vaqueiro sozinho, a pé ou montado... Mesmo que não diga nada... Nem que num fale. A presença dele é o recado. 



Lá adiante, os ciganos  olharam para Reich estendido no chão. E seguiram. Dois velhos que antes estiveram reunidos com Reich, lentamente, se retiraram. Arribaram, sem prantear o velho gajo, descartado como uma folha seca caída ao chão.



— Missão cumprida, amanhã a boiada vai pra balança — disse Onofre.  



Má sorte de cigano. Sua identidade é apenas o rosto. Desgosto profundo ele tem. Aonde chega e  se apresenta, desperta cuidado. Mas cigano tem bom coração: “Gajão, deixe eu ler seu abanadiço.” E não passa disso e uma e outra baldroca. O que mais cigano gosta é de troca. Trocar cavalos, contanto que receba dinheiro de volta. Tem que ter troco, em favor do cigano.

***

Adalberto Lima, fragmento de "Estrela que o vento soprou."

Imagem: Google


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Adalberto Lima




Enviado por Adalberto Lima em 26/04/2018


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