Devia ter uns 5 anos e já sabia ler e escrever. Filha de professores, morando no interior, no fim do mundo, os livros eram uma de minhas diversões prediletas. Brincava na rua, como qualquer moleque, estudava e via estrelas. Nada que superasse o prazer de ser acordada de madrugada e ir ver o céu. Frio, calor, quem se importava.
Os passos no corredor indicavam que ele estava chegando. Mansamente, para não acordar a minha mãe, saía de seu quarto e vinha até o nosso, pé por pé. Balançava as cobertas e baixinho, como quem conta um segredo ou canta uma música de ninar, chamava os nomes, sussurrava que estava na hora.
Não sei quando foi a primeira vez que ele fez isto. Mas o ritual começou a se tornar, rotineiro. Abraçados, no colo, ele nos levava para fora de casa, se a noite estivesse quente e apontando os dedos para o céu nos mergulhou na imensidão da Galáxia. Quando era inverno, enrolados em um cobertor, chegávamos à janela e tremendo de frio, não nos afastávamos um milímetro de seu corpo quente e sentíamos no rosto o calor saído de suas entranhas...era um cheiro gostoso. Como se de sua boca só saíssem flores.
A princípio, o que víamos era um negrume abobadado todo salpicado de luzinhas...com o passar do tempo os nossos dedinhos já apontavam seguros pela mão firme e dizíamos...Olha as Três Marias ... foram surgindo o Cruzeiro do sul, a letra de um pedaço do meu nome, uma estrela muito brlhante que ele dizia não ser estrela..."Maria Aparecida aquilo é um planeta é Vênus". E explicava a sua versão bíblica da formação daquele mundo encantado. Passados dias, meses, anos conheciámos e seguíamos trajetos de cometas, de satélites, o Sputnik dos russos e outras maravilhas que só se pode ver em uma noite negra como se tem no fim do mundo; onde só se tem o brilho do céu sobre a cabeça e o olhar amoroso de um pai ensinando o trajeto mais correto que o filho podia seguir.
Ele nos deu e teve as suas Três Marias.
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