REMINISCÊNCIAS 29: A FUGA
A notícia se espalhou pela rua como rastilho de pólvora: o Alemão e o Gordo haviam fugido de casa.
O Alemão, magro, alto, orelhas de abano, cabelo ralo, era o mais velho, beirava os 14 anos.
O Gordo, como o próprio apelido indica, era gordinho, cabelos castanhos encaracolados, falava com a boca apertada devido a um aparelho corretivo nos dentes, era o valentão da rua, batia em todo mundo, tinha uns 12 anos de idade.
O Alemão era um cara esquisito, brincava com a gente jogando bola na calçada, mas não se entrosava.
O Gordo, por sua vez, participava de todos os jogos, dava canelada para todo lado, e queria ganhar sempre. Quando perdia, chamava para a briga e ganhava no pau.
Quando o jornal Zero Hora recrutou meninos para vender exemplares pelas ruas, o Alemão se candidatou e ganhou a vaga. No começo, foi pura novidade.
Encartado no jornal, vinha diariamente um pôster do “Topo Giggio”, um ratinho italiano, marionete, que fazia muito sucesso na televisão pela sua simpatia.
O Alemão sempre nos dava notícias de como era o pôster e, dependendo do modelo, tirávamos dinheiro da mesada para comprar o jornal.
Devido às suas orelhas de abano, o Alemão acabou ganhando outro apelido, o de “Topo Giggio”.
Quando veio a notícia da fuga, os pais ficaram em polvorosa temendo que o mesmo acontecesse com os seus filhos.
A polícia foi chamada e começou a fazer buscas por todo o município.
Todos queriam saber as razões da fuga do Alemão e do Gordo. Teriam decidido ser ‘hippies’? Estariam revoltados com os pais?
Ambos foram encontrados nas imediações do Prado, com fome e com frio, e levados para a delegacia.
Os pais foram chamados, tiveram uma conversa séria com eles e a verdade veio à tona: os dois mantinham um caso amoroso e haviam fugido para viver juntos.
A motivação romântica deixou a vizinhança preocupada e a vigilância sobre os filhos redobrou.
A família do Alemão envergonhada,mudou-se para outro bairro.
O Gordo valentão ficou mal-visto e mal-falado por muito tempo.
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