Minha vó fez pra mim!
maria da graça almeida
Naquele tempo, no interior, era comum no aniversário ganharmos cortes de vestido -como assim diziam-. Se para as crianças as roupas prontas já eram grande decepção, imaginem ganhar apenas o tecido e ainda ter de esperar uma oportunidade para fazê-las...
Sempre eu tinha vários deles. E a gaveta ficava bonita. Cheirava bem! Os sabonetes, que minha mãe escondia entre os cortes ali dobrados, perfumavam todos eles. De vez em quando, espiava-os e já me imaginava dentro dos vestidos novos.
Dos que ganhei, dois ficaram-me na memória.Um deles era azul-celeste, com minúsculas flores brancas; o outro era manteiga, salpicado por pequeninos lonsagos caramelos.
Depois do primeiro impacto, eu acabava por gostar daqueles panos engomados e novinhos. Quanto ao tempo de transformá-los, isso já era outra coisa...dependeria das sobras do salário do meu pai, ou de alguma festa que já se anunciasse.
Sempre fui cuidadosa com a aparência. Desde menina, gostava de arrumar e enfeitar-me direitinho.
A avó, mãe do meu pai -portuguesa, senhora elegante, austera e séria -era modista. Tinha um ateliê com doze funcionárias que trabalham sob sua criteriosa e severa orientação. Seus olhos e mãos eram mágicos. De lá- disseram-me- saíam belíssimos trajes.
Com o passar dos anos, a idade já avançada, fechou a oficina e foi morar com a filha caçula e os netos em Campinas.
Certa época, veio para casa, passar uma temporada.
Eu sabia que as ocasiões em que ainda vovó chegava à máquina eram para costurar as lindas roupas da Tylene a neta de sua preferência. E disso, confesso, sempre tive um pouco de inveja. Não, não dos produtos que lhe saíam das mãos, mas da atenção e do carinho que ela dispensava aos de lá. Hoje, compreendo, perfeitamente, que os laços fortaleceram-se pela proximidade. Mas, na época eu não me conformava com a diferença.
E bem nessa sua vinda, resolvi que queria um vestido também. Um apenas não, dois! E desejava meus tecidos preferidos transformados pelas mãos dela.
Minha mãe, pouco à vontade, dizia-me:
-Deixe sua avó em paz. Ela veio para descansar.
Eu fingia não a ouvir e, quando longe de sua vista, ia ter com a avó. Levando os tecidos nas pequenas mãos, pedia-lhe baixinho:
-Vó, olhe...
Ela dizia:
-Bonitos!
E devolvia-me.
Até que não mais agüentei e pedi com todas as letras.
-Vó, costura pra mim?
Ela olhou-me, demoradamente, com seus olhos fundos.Eu aguardei com o coração aos pulos.
Pegou os tecidos e com as mãos experientes amarfanhou-os um pouco. Soltou-os. Ficaram enrugados. Balançou de leve a cabeça.
Eu senti que ela, habituada que estava aos mais belos fios, não aprovava a qualidade dos meus. Cruzei as mãos sobre o peito e, com os olhos pidões, esperei.
-Vamos lá...- resolveu, enfim.
Habilidade ainda lhe sobrava. Pegou a fita, conferiu minhas medidas, como se de uma grande dama. Colocou os tecidos sobre a mesa, alisou, alisou, riscou, cortou-os. Seguiram para a máquina.
De longe, ai, ai, ai...minha mãe fazia-me gestos e cara de reprovação.
Eu desviava o olhar e com prazer, sentada ao lado da avó, observava sua destreza e a competência para o trabalho.
No dia seguinte, estavam prontos os dois vestidos... À tardezinha, de banho tomado, feito uma pequena boneca, exibida, fui passear pela calçada.
- Ó, minha vó fez pra mim!...
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