Vinho, vinho, vinho,
vinho
vivo,
que me prometes,
que me tomas,
que me apertas,
como sou feliz,
intemporalmente,
inespacialmente,
inergeticamente.
Este mundo de ação que me consome,
sem cessar — imaculadamente —,
— insensivelmente —,
que freme,
que treme, traz em si uma grande e terrível filosofia:
o homem é ação desde que foi concebido,
e, se não quer ação ser,
é ação pelo ato de não querer.
E como terminar com tudo isso?
Suicidando-se.
Vivo sessenta e cinco anos
— as estatísticas não falham, principalmente as oficiais —,
E, ao cabo desses trinta anos,
que fiz de bom?
Procriei.
Dei origem a outros trinta anos
de dor,
de sofrimento.
E, assim — intermitentemente —.
É terrível o mundo,
a miséria,
o desperdício.
É tudo vão.
Se tenho mil amantes,
sinceras como tais,
bonitas, formosas, gentis,
que não me traem
com mais de um, com seu marido,
que é a vida?
Miséria, sofreguidão, desespero.
Nada paga a pena de viver, senão a própria consciência do sofrer.
Assim, o prazer é longamente dor
e quanto mais dor procuro,
mais encontro prazer.
Matei-me outrora em desespero
e agora mato-me outra vez.
Era Deus — e não me satisfiz.
Tornei-me verme,
desprezível.
E sou apenas verme,
desprezível,
asqueroso.
Se transponho para as páginas
o pensamento
mórbido
que me invadiu
— nada poético — nada bonito —
— nada sugestivo —
em si,
É porque tenho sono de ser eu
e queira acordar outro
— vibrante — dominador — homem —,
não o verme que sou,
— corajoso — inteligente — devastador —,
não verme que sou.
E esse tal que gostaria de ser
que é?
Outro verme,
que não sabe disso
e é feliz,
porque a verdade é o desprezo
às coisas,
ao mundo,
às pessoas,
ao deus que não tem em si.
22.10.57.
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