Usina de Letras
Usina de Letras
283 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62174 )

Cartas ( 21334)

Contos (13260)

Cordel (10449)

Cronicas (22531)

Discursos (3238)

Ensaios - (10349)

Erótico (13567)

Frases (50578)

Humor (20028)

Infantil (5424)

Infanto Juvenil (4756)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140791)

Redação (3302)

Roteiro de Filme ou Novela (1062)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1959)

Textos Religiosos/Sermões (6183)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Roteiro_de_Filme_ou_Novela-->6. JOÃO -- 29/05/2002 - 06:09 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Fernando adentrou a loja de confecções masculinas de Jeremias. O movimento era grande e os balconistas estavam atarefados. O próprio Jeremias atendia no balcão. Vendo o amigo, indicou-lhe o escritório.

— Suba que João o espera.

O escritório ficava numa espécie de mezanino envidraçado, de onde se podia divisar todo o recinto da loja e até as portas de entrada. De resto, o modelo fora copiado do estabelecimento de Fernando. Não era uma grande casa de comércio, mas possuía a vantagem de ser apoiada em indústria própria. Tanto Jeremias quanto Fernando eram bastante abonados.

Estando a porta aberta, Fernando foi entrando, acostumado a ir visitar o amigo. Deu de cara com um sujeitinho atarracado, tez escura, óculos grossos, que davam aos olhos dimensões desproporcionadas.

— Boa tarde! Sou o Fernando...

— Ah! Sim. João, ao seu dispor.

O sorriso do contador parecia refletir o dom do profissional que deseja cativar o patrão. Não era empregado da firma. Prestava serviços independentes. Se Fernando precisasse, estava às ordens.

— Vamos liqüidar a desagradável fatura das apresentações formais, disse piscando os olhos, no intuito de demonstrar intimidade.

Fernando o achou sumamente desagradável. Prevenia-se quanto ao arremesso do oferecimento profissional. Era quem tratava dos papéis da firma e não abria mão desse controle. Não sabia como é que Jeremias não dava conta sozinho do livro-caixa. Quando muito, às vezes, pedia para o gerente elaborar os balancetes mensais. Apoiava-se na clareza das anotações do almoxarife e, mais do que tudo, consultava os fiscais previamente, antes de fechar as contas. Passava-lhes algum, mas era como que oficial.

A última informação deixou a medo, pois parecia-lhe que João não era dos que se dobravam pelas dificuldades das entradas e saídas, do haver e do dever. De fato, sugeriu que talvez fosse mais barato se contratasse os serviços de contabilista experiente.

A conversa ia por aí, quando Jeremias assomou à porta.

— Então, já se conheceram?

— Trocávamos idéias sobre contabilidade, apressou-se a dizer Fernando.

— Pois contrate o amigo João, aqui. Eu não tenho nenhuma dor de cabeça com a papelada, com as taxas e impostos. Muito menos com a fiscalização. Há muito tempo não pago multa alguma, desde que João apareceu. E olhe que não é careiro. Além de entender do métier, dá excelentes conselhos a respeito dos negócios, pois conhece o comércio e a indústria como ninguém.

Fernando havia menosprezado o homem pela aparência desagradável. Pareceu-lhe também metido. Quis saber se trabalhava sozinho ou se mantinha escritório de contabilidade e de representações.

— Modestamente, o meu escritório tem condições de oferecer quaisquer serviços no ramo.

Jeremias interveio e pôs fim aos circunlóquios:

— Muito “modestamente”. João chefia mais de uma dezena de escriturários, com todos os recursos modernos da computação. Peça-lhe uma auditoria e ele faz. Vamos ao que interessa. Que acha, Fernando, de contar o que se passa? Hoje, com o Roque, você me deixou preocupado...

Fernando já não sabia se deveria contar tudo. Não adquirira confiança na modéstia do baixinho. Se tinha tanto poder, por que não disse logo? Humildade ou hipocrisia?

Tais sensações passaram-lhe pela mente em átimos de segundo, enquanto Jeremias puxava uma cadeira para participar do colóquio.

— Bem. Estou tendo a impressão de ver pessoas mortas. E também sou capaz de cumprimentar pelo nomes pessoas que nunca vi. Estou com medo de que sejam avisos de que a morte esteja próxima. Padre Timóteo, pelo sim, pelo não, me mandou fazer o testamento...

Maldição! Por que falara no padre? Agora iriam pensar que desejava contrariar a Igreja.

— Faz tempo?

— Uns três meses.

Jeremias observou:

— Logo depois que abandonamos o projeto da Umbanda.

Pronto, até esses negócios foram passados ao contador. Será que está sabendo do contrato com o Governo?

— Parece-me, disse João, que o desejo de consultar o plano espiritual foi atendido. Não naquilo que interessava. Mas no sentido de favorecer o relacionamento. Se fizermos direito as contas, vamos verificar que alguém está planificando os contactos com muita argúcia. Esses fenômenos não são fáceis de encontrar. Ver os espíritos dos mortos, alguns conseguem, com muito treino e exercícios de concentração psíquica. Mas saber os nomes das pessoas, só médiuns desenvolvidos. Vejo aí a necessidade de aperfeiçoar o dom, através de trabalho metódico, com a ajuda de pessoal qualificado. Eu mesmo não seria capaz de tomar todas as iniciativas. Mas a turma do Centro gostaria de ter alguém que se habilitasse em tais áreas de conhecimento mediúnico. É algo que não se pode perder.

Fernando estava ficando deslumbrado. Como é que alguém lhe dera crédito imediato? Nenhuma pergunta capciosa. Nenhum comentário de dúvida. Credibilidade total. Segurança absoluta. Lembrava-se do negro do terreiro. Ele também respondera sem titubeios. Em que força é que se apóiam? Será que é possível a alguém saber os sentimentos e os pensamentos dos outros?

— Meu amigo, insistiu João, se você estiver disposto, poderemos ir hoje mesmo ao centro espírita do Aeroporto, lá onde moro. Com certeza, se algum espírito se manifestar a você, teremos condições de consultar o guia da casa. Há os médiuns de incorporação que poderão oferecer-se para as comunicações. Assim Jeremias poderá começar a freqüentar as reuniões secretas.

Eis que meu plano deu certo, considerava o fabricante de roupas.

Eis que o malandro escondia o jogo, pensava o vendedor de pias. Mas hesitava. Como gostaria de ver o Roque por ali, para mostrar à clarividência do contador. Furtivamente olhou pela ampla vidraça, como quem estivesse pondo os pensamentos longe. Queria enxergar do outro lado da vitrina. Nada viu.

Diante da necessidade da resposta, quis desconversar:

— Será que estarei preparado para esse tipo de reunião? Não é preciso ficar em jejum?

— Ninguém irá pedir-lhe nada. Caso queira, poderá deixar para jantar depois. Será suficiente para a imantação, se os orientadores espirituais determinarem que poderá participar dos trabalhos. Não tenha receio algum. Não há nada de misterioso. É tudo muito natural. Apenas haverá a necessidade de respeitar o ambiente, elevando os pensamentos ao Senhor. Como sei que o amigo é religioso, basta repetir as orações de costume. O dia hoje é destinado para as sessões de doutrinação e os benfeitores vão conduzir os que se iniciam. Você poderá sentir as suaves vibrações, já que tem tanta potencialidade mediúnica. Prometo que não se arrependerá.

— A que horas?

— Vá com o Jeremias. A sessão começa às oito e termina antes das dez. Vamos resolver logo esse seu problema. Não há nada mais desagradável do que ficar sem saber os desígnios do plano espiritual. Se me dão licença, ainda tenho dois encontros contábeis.

João saiu tão solerte que Fernando teve a impressão de que não quisera lhe dar oportunidade para fermentar razões para não ir. Aliás, a fluência verbal do baixinho era espantosa. Não é à toa que consegue tanto serviço. Tem uma lábia...

— E aí. Que achou do nosso João?

— Muito firme. Parece que conhece a matéria...

— Conhece a espiritualidade, isso sim.

Jeremias gostava das facécias oportunas. Costumava não perder vazas.

— Passo pela sua loja às seis e meia e vamos juntos para sua casa. Vou deixar o carro na garagem da fábrica e seguimos no seu. Assim poderemos conversar mais um pouco. Se o trânsito estiver bom, chegaremos às sete e meia no Centro.

Fernando achou que estavam definindo demais os seus projetos. Será que deveria submeter-se tão prontamente? Mas, não tendo o que objetar, concordou.

Dolores, à vista do amigo, não iria colocar obstáculo. Era segunda-feira. Iriam ao hipódromo. Estava combinado.

No caminho de volta à loja, Fernando não teve mais nenhuma visão estranha. Sentiu o perfume de um havana que passava. Mas não era ninguém do outro mundo.


Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui