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Cartas-->Um discurso sobre o amor -- 13/08/2007 - 00:47 (João Ferreira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
UMA VIDA PRECISA DE SER SONHADA
João Ferreira
12 de agosto de 2007
***********

Uma vida não basta ser vivida. Ela precisa ser sonhada.
(Mário Quintana)
O amor só começa a desenvolver-se quando amamos aqueles de quem não necessitamos para os nossos fins pessoais. (E. Fromm)
Quando fala o amor, a voz de todos os deuses deixa o céu embriagado de harmonia.
(William Shakespeare.
****************)

Neste domingo, dia dos pais, um grupo familiar e uma porção de amigos estão reunidos na chácara da Contagem numa sessão de boa conversa.
No grupo há uma variedade na idade e na formação, que vai desde os jovens até à terceira idade.
Entre tantos papos interessantes que sempre se desenrolam junto ao caramanchão do jardim, coincidiu desta vez, o interesse pelo artigo “Amor só não basta” de Artur da Távola, aparecido, tempos atrás, na Internet.
A matéria tornou-se importante a partir do momento em que passou a interessar a um número maior de pessoas. Aparentemente verdadeira, ela carimbava falácias extremamente perigosas. Decidimos por isso revê-la e analisá-la. Estava em causa, essencialmente, a verdade de uma premissa maior e fundamental: o amor. Sem dizer o que era para ele o amor, Artur da Távola fixava-se mais nesse artigo sobre as preocupações importantes do dia a dia entre casais, mas fugia da essencialidade e não definia qual o combustível que os amantes deveriam ter para alimentar e realimentar sua chama de doação, o seu amor.
Formando um grupo de discussão, decidimos aproveitar a metodologia que normalmente se usa na dinâmica de grupo. De minha parte achava que convinha aplicar o método para avaliarmos o artigo de Artur da Távola sem muitos subjetivismos. Dizia meu mestre Bernardo Baudoux que a primeira coisa a cuidar num debate é saber qual é o estado da questão. Artur da Távola falou de amor e não nos disse nada sobre o que é na verdade o amor. Definir sua tese sobre o amor, seria o estado da questão. A partir daí teria tudo para explanar uma opinião sobre o amor. Mas não fez isso. Disse que “não adianta apenas amar”. Mas não tendo dito, em nenhum momento, o que entendia por amor, deixou-nos perplexos ao afirmar que "não adianta apenas amar"!
Eu achava por isso que devíamos encontrar um caminho para avaliarmos este artigo.
A primeira providência seria encontrar o texto disponível.Foi fácil. A Giselle foi na Internet, imprimiu, distribuiu uma cópia para cada um e deixou-nos aptos a constituirmos um círculo de leitura verdadeiro. Um círculo de análise e de interpretação. Em dez minutos tínhamos a leitura plena do texto.
Foi então a vez de Giselle, a pedido do Júlio, fazer para o círculo um resumo do texto de Artur da Távola. Ela começou por chamar a atenção do título seco e contundente: “Amor só não basta”.
Estávamos no caramanchão do jardim, na beleza tranqüila das cinco horas da tarde. Mas havia espanto na frase: “Amor só não basta”!!!
- O texto tem alguns pontos básicos que importa considerar, disse Giselle. Uns polêmicos, outros objetivos.
Entre os polêmicos, o primeiro deles e mais escandaloso é quando Artur peremptoriamente diz que não existem vários tipos de amor. Ou que “o amor é único como qualquer sentimento”.
Entre os pontos objetivos – completou Giselle - está o de que a sedução entre amantes deve ser ininterrupta. Que no casamento não bastam declarações românticas como essa de “Te amo para cá, te amo para lá”. Que é necessário respeito, alguma paciência, que há que ter jogo de cintura, saber levar as coisas, disposição. etc. O que espanta neste texto, diz Giselle, é que Artur da Távola, ao traçar as necessárias normas de convivência de um casal remata dogmaticamente: “que amor só não basta”. Mais adiante diz que “amar só é pouco”. E continua a falar as normas de convivência ainda: tem que haver inteligência no casal. Tem que haver cérebro programado para enfrentar tensões pré-menstruais e rejeições, entre outras coisas, e momentos tensos, por exemplo, quando há contas para pagar. Tem que haver disciplina para educar os filhos. Tem que se dar exemplo. Não gritar. Etc.
- Depois de apresentar esse manual de normas, Artur da Távola volta ao seu refrão: “Não adianta apenas amar”. Prosseguindo, diz que no casal, em certos momentos, tem que haver um pouco de silêncio. Que é necessário que cada um tenha vida própria. Tem, que haver confiança. Certa camaradagem. Às vezes um tem que fingir que não viu ou que não ouviu o outro. Por isso, diz ainda Artur da Távola, “amar solamente não basta”!
Giselle continua mostrando os pontos principais do texto lido. Cita a passagem em que Artur avisa os que acham que “ amor é só poesia” que tem que haver pé no chão. Discernimento. Racionabilidade. Que o amor idealmente seria bom se durasse eternamente. Mas “sozinho não dá conta do recado”! Amor tem que ser uma receita que faça bem. “Se não fizer bem, não é amor!”
Giselle resumiu com muita clareza os pontos de vista de Artur da Távola.
E pronto. Esta era a base para um papo objetivo. E antes de alguém tomar a palavra, todos guardaram um silêncio significativo. Um silêncio que significava pelo menos isto: estávamos diante de um problema misterioso, de um problema de alma, que era ao mesmo tempo um problema profundo - tão profundo como o ser humano – problema que não conhecemos ainda verdadeiramente. Mas do qual sabemos algo. Pelas nossas aspirações, pelos nossos sentimentos, pelos nossos ideais e pela nossa experiência.
A grande questão que nos preocupava ali e nos trazia ao texto de Artur da Távola não era propriamente o normativismo, não.Aliás, toda a sociedade sabe que tem de haver normas, estatutos, limites para os comportamentos. A convivência amorosa entre as pessoas deverá ter normas também e limites. Nesse ponto, Artur tinha dito o essencial. Todos ali éramos adultos e portadores de experiências de amor. O que procurávamos e o que achávamos que faltava nas palavras de Artur da Távola era algo mais profundo. Uma palavra ou um discurso que definisse ou que orientasse no sentido de o leitor atingir a profundidade do amor. Não íamos admitir o primaríssimo conceito de que amor era apenas biologia, sexo, transa. Em nosso íntimo exigíamos mais. Sabíamos que o comportamento de convivência entre amantes, entre casais, entre candidatos ao casamento era uma questão importante para segurar a prova quotidiana da vida a dois. Por isso, o grupo era mais exigente. Ele se interrogava e queria saber o que era na verdade o amor? Que era isso de “amor só não basta”???
No círculo de leitores, havia analistas e intérpretes de texto na deliciosa tarde da reunião junto ao caramanchão .
-Teremos de aprofundar o debate questionando o ponto principal ainda obscuro que Artur da Távola nos deixou.
O ponto principal a ser desvendado seria essencialmente este: “Amor só não basta”! Por que diz isso Artur da Távola?
À primeira vista seria difícil pensar que um poeta e homem experimentado como Artur da Távola quisesse falar de amor apenas como“sexo” ou de “transa” ao declarar que “amor só não basta”. Mas as frases que o texto iam trazendo, levava a isso.
Por outro lado, os abismos do amor se abriam e pediam que prosseguíssemos na pesquisa. Inconscientemente começamos por nos reportar ao Eros clássico da cosmogonia grega e depois ao Eros platônico onde Eros é apresentado como proveniente da cópula entre poros que é a abundância e pênia que é a carência. Passamos pela Ilha dos amores dos Lusíadas onde Vênus encarrega seu filho Eros ou Cupido de criar e organizar o plano de sedução das ninfas para os nautas que chegavam da Índia vitoriosos. Desde a antiguidade clássica, o amor aparece como força propulsora do mundo. Essa propulsão mobiliza todas as forças íntimas, corporais, psicológicas e espirituais existentes no ser humano. É de observar porém que antes mesmo de Vênus organizar e dotar as ninfas de poder de sedução, os nautas já traziam com eles as forças especiais da travessia, da heroicidade, do espírito audaz e aventureiro. E quando se dá o convívio entre ninfas e nautas, a alma está já em nível de entrar na atmosfera do amor. É por isso que na metafísica do amor torna-se ininteligível esse preceito de que “só amor não basta”. A realidade profunda da psicologia humana caminha pela margem essencial de que o “amor é tudo”, de que o Amor é o princípio de tudo. Amor pode ajudar a resolver todos os problemas. Neste sentido, o amor torna-se a chave do tesouro no convívio de um casal.
Afirmando isto, voltamos à questão inicial que desejaríamos ver resolvida no texto de Artur da Távola. O que é deveras o amor? Se o sexo não representa todo o amor, em que bases portanto vamos colocar a transcendência do amor? Este é o ponto de partida. E neste ponto de partida queremos ser acompanhados pela impressionante grandeza deste pensamento de Shakespeare: “Quando fala o amor, a voz de todos os deuses deixa o céu embriagado de harmonia."
O princípio que queremos defender é que o amor tem uma voz própria. Tem uma essência. Não apenas biológica. Mas uma força psíquica e espiritual. Uma força que mobiliza o corpo para se tornar numa força global e profunda. Para ser ele próprio, porém, o amor deve transformar-se numa fé. Numa fé que remova montanhas. Isto é, numa fé que seja tão forte que possa enfrentar todos os obstáculos. Uma fé amorosa que ligada à outra fé do outro amante poderá tornar-se numa força invencível. Por isso dizemos que todo o casal, antes der ser casal, antes de se unir em coabitação, antes mesmo de se achar metade do outro, tem de buscar a chave do mistério e do tesouro que é a arca do amor.Para entendermos isso, partiremos de um raciocínio. O amor não é uma simples biologia animal. Não é uma simples cópula. Nem a busca de uma cópula pelo desejo. O amor é mais amplo, mais abrangente. É coisa íntima, força do espírito. É uma busca global do outro para uma ontificação total de doação e entrega. Isto quer dizer que ao mesmo tempo que o corpo busca seu par por atração e desejo, o espírito busca sua alma gêmea para se completar e para se harmonizar. Há na vida biológica um DNA que identifica o indivíduo e o caracteriza como diferente de todos os demais. Sabemos isso hoje. Paralelamente, o amor tem um DNA também. Esse DNA mostra que é mais do que um DNA biológico. Haveria por isso que dar-se uma prioridade de conhecimento nas pessoas: a de conhecer seu DNA do amor. Bem ao contrário do que pensa Artur da Távola, amor não pode ser único. Amor é um sentimento diferenciado. Como o DNA. Tem a cor, a individualidade e o jeito de cada pessoa. Por isso é tão encantador. Por isso o ser humano não se acopla maquinalmente com qualquer um. A sedução trabalha com elementos psíquicos que tocam a essência espiritual de cada um. Há na sedução ou na não-sedução sinais de identificação ou de rejeição. O amor tem seu sentimento diferenciado. Se há elementos comuns de identificação de um sentimento como o do amor, há porém elementos diferenciados que fazem a diferença que instauram a individualidade do amor. Combinados os dois DNAS faz-se a adivinhação, o entendimento profundo da necessidades do outro. Em Romeu e Julieta achamos o arquétipo do verdadeiro amor. O absoluto querer, a absoluta paixão e a absoluta correspondência. Um é o outro. Cada um é o outro.Na senda de Romeu e Julieta, o amor romântico pode continuar ainda como arquétipo em nossos tempos. Eles poderão servir de modelo. Mas para isso é necessário que as pessoas apostem nele. O que fica numa relação é a verdade dessa relação. A verdade do amor verdadeiro num casal resiste se for a verdade absoluta de cada um para o outro. Sem vazios. Por isso é que Mário Quintana dizia inspiradamente em “Canção do dia de sempre” que “uma vida não basta ser vivida. Ela precisa ser sonhada”: “Tão bom viver dia a dia.../A vida assim, jamais cansa.../Viver tão só de momentos/Como estas nuvens no céu.../ É só ganhar, toda a vida,/Inexperiência... esperança.../E a rosa louca dos ventos/Presa à copa do chapéu./
Nunca dês um nome a um rio:/Sempre é outro rio a passar./ Nada jamais continua,/ Tudo vai recomeçar!/ E sem nenhuma lembrança/ Das outras vezes perdidas,/Atiro a rosa do sonho/Nas tuas mãos distraídas..."
Quintana é um poeta visionário. E ao memo tempo, um homem de grande sensibilidade, de grande vivência. Ele tem a persuasão plena de que o ser humano quando enredado no amor não deixa de expor sua fragilidade. Ele vê o amor como surgência da alma e do corpo destinada a combinar com o outro sua própria química,buscando uma afinidade mental e física e apostando no sonho de uma pressentida adivinhação do outro. Ele sabe que esta afinidade e esta aventura é feita por pessoas humanas frágeis e limitadas, no tempo e no espaço. Sabe que os amantes estão sujeitos a grandes obstáculos, a contrariedades e a mudanças. Mas Quintana sempre nos dirá que o sonho é a base de tudo. A vida corre, passa. “Nada jamais continua”. Mas mostra o segredo: a renovação, o dia a dia trazendo novas forças: “Tudo vai recomeçar”. É, de um lado, um alerta para a transitoriedade da vida e de outro, uma confiança na consciência de um recomeço renovador. Vulneráveis somos, mas não precisamos de ser covardes. A fragilidade tem de se acobertar com o sonho para que o amor tenha continuidade.
Parece por isso que a vida do amor tem que ser transformada em sonho e logo em realidade de sonho. Do sonho há que fazer um programa e, depois, é só partir para a aventura da vida. Com coragem. Será uma viagem para as Índias sabendo que pode surgir no trajeto um cabo das tormentas. Aí, "Amar será viver para o outro, doar-se, a nível de egoísmo zero, correr os riscos, com toda a capacidade que os dois tiverem de enfrentar o que a vida oferece, em termos de sucesso ou de contrariedade! Nunca perdendo de vista que essas duas criaturas em aventura amorosa sincera são frágeis, são humanas e sujeitas a todas as contingências que a vida reserva no correr dos tempos! Neste sentido, contrariamente ao que disse Artur da Távola, jamais pensaremos que "amar só, é pouco"!...Pensaremos que "amar é tudo"... e "que o que adianta mesmo é apenas amar".. e que "o amor é a mais autêntica poesia".
Se o amor for a " aventura consciente e animada entre duas pessoas que se descobriram e que acreditam absolutamente uma na outra...Se o amor para os dois for a verdade do mundo, certamente que ele se transformará na " mais autêntica poesia do próprio mundo!".

João Ferreira
12 de agosto de 2007


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