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Contos-->O simples sentido de amar -- 05/10/2001 - 16:36 (Amanda Duarte) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Numa fazenda distante alguns kilômetros de qualquer tipo de industrialização e fumaça de automóveis, morava uma família de agricultores primitivos - desses que ainda fazem orações para que a chuva dê as caras e que fazem a coleta das verduras plantadas com as próprias mãos.
A família era razoavelmente humilde. Morava numa casa de tijolos rudes, que fora construída pelo patriarca quando ainda era moço. Na época em que ainda tinha sonhos de se tornar um grande fazendeiro. Sonhos esses que foram partindo, aos poucos, à proporção em que sua robustez e beleza iam sumindo com o surgimento de catastróficas rugas em seu rosto. Mas, apesar disso, a família dispunha de alguns "luxos", como o radinho de pilha velho e uma privada. Num fim de mundo daquele, ter uma privada para fazer suas necessidades fisiológicas era um motivo de "satisfação" para qualquer pessoa.
Outro luxo que a família tinha era o acesso ao "Pacotão". Pacotão era o nome dado a uma caixa de papelão, encomendada de Cipriotó - a cidade mais próxima daquela fazenda (uns 50Km de distância) - que continha alguns produtos de essencial importância para aquela família: pilhas pro radinho velho, algodão, band-aid, papel higiênico (claro!), os jornais da semana toda e até algumas revistas de "nu feminino". Esse último ítem, o único indispensável para os dois filhos "aborrecentes" da família: Zé Antônio e Luciano.
Deixemos o Pacotão de lado e vamos descrever a família...
Era uma família bem convencional: pai, mãe, filhos, sogra, cachorro e galinhas.
O chefe, Seu Inácio, era um homem bastante imprevisível. Não se podia prever sua reação à qualquer que fosse a situação. Era um cara "de lua" (como costuma dizer um velho amigo meu). Certa vez, espancou o rapaz que fazia a entrega do Pacotão pelo simples motivo de ele ter aparecido em sua casa com um brinco na orelha.
-Isso não é coisa de maxo! Seu moleque viado! - resmungava Seu Inácio, enchendo o pobre garoto de supapos e pontapés.
A sua esposa, Dona Ivone, era uma mulher de fibra. Funcionava como o ponto de equilíbrio entre as brigas de Seu Inácio com os filhos. Gostava muito de cozinhar e de ouvir músicas românticas naquele radinho velho. Uma pessoa muito carinhosa e cheia de sonhos, mas que fora traída pelas consequências da vida. Teve de se casar muito cedo, após gravidez não planejada, e, por isso, não teve tempo de concluir seus estudos. Sonhava em se mudar para a França e fazer uma carreira por lá, qualquer que fosse.
Dona Ivete era uma sogra que fugia aos padrões de sogra das histórias infantis. Era um velhinha muito bondosa. Tocava acordeon e gostava de cantar para os seus netos. Viúva desde nova, teve que aprender a cuidar de Ivone (sua única filha) sozinha e sempre trabalhou na lavoura. Atuava também como uma espécie de mãe pra Seu Inácio e tinha muito afeto pelo seu genro.
O cachorro se chamava "Boy", uma gíria que os garotos aprenderam ouvindo um programa de Rock no radinho de pilha. Não vou perder muito tempo descrevendo o cachorro, pois todo cachorro faz "au au" e morde. Também não sei a raça. Provavelmente, devia ser um vira-lata qualquer.
Agora vem a parte mais importante...os filhos.
O mais velho, Zé Antônio, era um garoto bem "conservador". Era certinho, tomava banho 3 vezes por dia, obedecia ao pai direitinho, penteava o cabelo e ajudava a mãe com os deveres do lar. Era o filho que toda mãe queria ter. Era bonito - o que não adiantava muito, pois não havia nenhuma garota da sua idade num raio de 40Km.
O mais novo, Luciano, era o oposto. Rebelde, mal-criado, desengonçado, feio, preguiçoso. Sua maior diversão era passar horas observando aquelas mulheres das revistas de "nu feminino". Sonhava em ter todas aos seus pés um dia. Mas, apesar dos inúmeros defeitos, era um garoto excepcionalmente inteligente. Aprendera a ler e a falar muito bem apenas folheando os jornais que eram entregues em sua casa. Tinha noções de matemática, política, economia e até sociologia. Entendia tudo o que estava acontecendo no mundo. E, naquele mundo fechado em que a família vivia, isso era um defeito...
Devido a todas essas diferenças, os irmãos não se davam muito bem. Um invejava as qualidades do outro. Já era rotina da família as brigas e richas entre eles. Tudo e nada eram motivos para os garotos saírem rolando pela casa aos socos e tapas. Qualquer esforço de Dona Ivone em tornar os irmãos amigos era completamente desnecessário. Até que ela passou a não ligar mais, pois achou que só o tempo e a maturidade iriam mudar aquela situação.
Certa vez, num dia normal e cotidiano como todos os outros, os garotos saíram para a colheita. Foram caminhando até a lavoura os irmãos, Seu Inácio e Dona Ivone, fato que sempre se repetia há anos. Já estava escurecendo e todos estavam cansados. Foi aí que Luciano teve uma iniciativa inusitada: tentar acabar de um vez com aquela "guerra" entre ele e seu irmão.
Luciano aproximou-se do seu irmão, sentado em um toco de ávore. Dentro de sua mente acontecia uma mistura de medo, rancor e carinho. Lembrava de quando eles eram pequenos e brincavam pela casa e de alguns momentos felizes pelos quais eles passaram juntos. Passaram uma hora conversando (para eles pareceu ser muito mais do que isso). Estavam realmente se entendendo. Abraçaram-se e caiu até uma lágrima dos olhos de Luciano.
Zé Antônio estava muito feliz com a atitude do seu irmão. Os dois, por alguns momentos, passaram a ser os melhores amigos do mundo. Foi aí que, quando estavam retornando pra casa, foram abordados por um pessoal que estava vindo em uma charrete.
Eram dois rapazes, com idade semelhante a deles (entre 16 e 18) e uma moça, linda, que parecia ter uns 17. Um dos rapazes pediu alguma informação (acho que perguntaram um caminho para chegar numa cidade aí), mas Zé Antônio e Luciano nem deram bola, não conseguiam tirar os olhos daquela garota.
Luciano sempre esperou por aquele momento. Apesar de não ter mais aquele ódio de Zé Antônio, era a maneira de ele provar que sempre fora melhor que o irmão: conquistando a garota. Perguntou o nome dela, Marcela, e convidou-a para um lanche em sua casa. Sempre soltando elogios que tiravam sorrisos de seus olhos. Ela ficou muito encantada com seu jeito educado e atencioso, mas, no fundo, não tinha nenhuma atração por aquela figura feia e bizarra.
Pra falar a verdade, não sei se Zé Antônio tinha se interessado muito pela garota, apenas achou que ela era "graciosa". Mas não queria ficar por baixo da situação e logo se aproveitou de seus dotes físicos para tentar atrair a atenção da moça.
E os dois rapazes que estavam com ela?!? Ahhhh...esses eram primos dela e não tavam ligando muito pra disputa entre aqueles desconhecidos.
Acabara de surgir uma nova richa entre aqueles dois irmãos problemáticos...
Os visitantes foram muito bem recebidos naquela humilde casa. Há anos que eles não recebiam visitas de ninguém. Todos estavam eufóricos, principalmente o cachorro. Logo escureceu e os anfitriões convidaram os visitantes para passarem a noite por lá, prosseguindo a viagem pela manhã. E foi assim...todos foram dormir. Apenas os irmãos e a garota ficaram acordados até tarde, conversando e ouvindo músicas no radinho. Ela estava muito encantada pelos irmãos, mas só sentia atração física por Zé Antônio.
Então...foram todos dormir. Zé Antônio e Luciano disfarçavam a raiva que estavam sentindo um do outro. Zé (vou chamar ele assim agora) logo caiu no sono e Luciano ficou algumas horas olhando pro teto, pensando. Talvez estivesse imaginando maneiras de dizer para aquela garota desonhecida que ele a amava. Estava tentando descobrir um jeito de conquistá-la, antes que ela partisse. Pedia para que o tempo parasse e ele tivesse a chance de estar perto dela. Estava apaixonado.
Mas caiu no sono...
Antes de amanhecer, teve a sorte(?) de ser despertado com o latido do seu cachorro Boy. Levantou assustado, foi na pia, lavou a cara e decidiu que era naquela hora ou nunca. Iria no quarto onde a garota estava dormindo com os primos e iria se declarar pra ela...
Ao chegar no quarto, viu que ela não estava sozinha na cama...Tinha uma pessoa ao seu lado, que ele achou, primeiramente, que fosse um de seus primos. Mas, logo olhou o quarto todo (estava meio escuro) e viu que não poderia ser nenhum de seus primos, pois ambos estavam dormindo em outras camas.
Luciano aproximou-se lentamente da cama e puxou o lençol...Marcela estava nua...e...era Zé Antônio quem estava dormindo com ela. Naquele instante, passaram-se coisas inexplicáveis pela cabeça de Luciano. Não conseguia ter nenhum sentimento que não fosse ódio e depressão. Sentia-se traído pela garota e, principalmente, pelo seu irmão. Uma dor profunda afetava todas as partes do seu corpo. Não sentia mais o seu coração palpitar e parecia que um caroço de abacate tava entalado na sua garganta. Apesar do seu choro, ainda discreto, os dois amantes não acordaram.
Sentindo uma força incontrolável dominá-lo, correu para a cozinha e pegou uma faca...Descrever o que ele fez com a faca depois fica óbvio demais...Não é meu forte descrever sangue...Tem gente que consegue fazer de tal maneira que se você expremer o papel, sua mão fica vermelha.
Depois daquela tragédia, o resto da família nunca mais foi a mesma...Mas a vida continua, para alguns.
Hoje faz 1 ano da morte de Luciano. Coincidentemente, hoje, também nasceu o primeiro filho de Marcela e Zé Antônio.
Qual o nome dele?? É...Luciano.


Amanda Duarte
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