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Roteiro_de_Filme_ou_Novela-->20. A NOITE DE FERNANDO -- 12/06/2002 - 06:18 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Parado na calçada, hesitava sobre qual seria a melhor maneira de ir à avenida para o táxi.

— Entre, que eu o levo.

Era o vozeirão do médium Francisco que lhe oferecia a porta aberta de seu carro.

— Eu vou ao Morumbi...

— Suba, que fica dos meus lados.

Era um modesto veículo, pequeno para o homenzarrão que o dirigia.

— Obrigado, amigo. Assim, vou chegar bem mais cedo. Estou tão cansado que não vejo a hora de esticar as pernas.

— Pois eu não. Depois que reformei, tenho tido muito tempo.

— Qual o posto?

— Capitão do Exército. Soldo pequeno mas garantido.

A voz tonitroava. Mesmo quando desejava amainar o volume, estava decibéis acima da média.

— Faz tempo que está no Espiritismo?

— Desde criança. Mas a mediunidade só desenvolvi depois de adulto. E ainda com bastante treinamento. Queria ser psicógrafo. Não levei jeito. Também não me interessava ficar escrevendo mensagens de sofredores. É bem melhor a doutrinação deles ao vivo. Invejo o Chico Xavier, pela facilidade e pelo valor das obras.

— Que me diz do Gasparetto?

— Qual deles: o pintor ou o cantor?

— Existem dois?

— Pois são irmãos. Um, o psicólogo, que tem programa na rádio, atende, principalmente, a pintores célebres. O outro reproduz as canções de diversos artistas, como Elvis Presley, Cazuza, o Poetinha Vinícius...

— Desconhecia o cantor.

— Os dois são excelentes. O que mais impressiona, a mim, pelo menos, é o fato de não se perturbarem com o público. Até na televisão, eu já vi os dois trabalhando. O pessoal brinca comigo, dizendo que eu poderia ser médium cantor. A minha voz é forte, mas desafino muito. Aprendi a falar alto quando era sargento. Fiz carreira...

Fernando não estava interessado nas peripécias militares do motorista. Mas deixou-o falando por algum tempo, até que, de súbito, foi inquirido:

— Fiquei sabendo que o amigo vê o plano espiritual.

— Tenho visto algumas almas...

— Espíritos, entidades, irmãos da pátria espiritual... Almas só as dos encarnados. É o nome que se dá. A menos que também veja alguém passeando, enquanto o corpo repousa adormecido.

— Como vou saber?

— Os encarnados mantêm cordão luminoso que os prende aos corpos. Desculpe, mas eu pensei que conhecesse alguma coisa.

— Estou levando pra casa os livros de Kardec. Desejo ler a todos, mas não sei se irei conseguir. Não tenho muito tempo.

— Saiba que, quando li pela primeira vez, também não tinha tempo nenhum. Contudo, parece que os protetores amparam quem está verdadeiramente interessado em aprender. Em suma, você verá... você verá...

Fernando apontou para fora:

— A minha casa é a da esquina.

Estava contente com a conversa. Parecia que os assuntos ficavam claros na voz formidanda do capitão da reserva.



Estava faminto. Foi à geladeira e lá estava a metade do pescado. Achou ótimo e, sem filosofias, aqueceu o prato no forno de microondas. Encontrou também um resto de garrafa do vinho português. Foi uma excelente refeição. Enquanto comia, assistia ao noticiário da noite. Mas o pensamento pairava longe. Lembrou-se de que adormecera no sofá na noite anterior. Não quis repetir a dose. Dormiria cedo, habituado que estava a levantar-se às seis.

No quarto, a cama arrumada, os dois travesseiros, a ausência de Dolores.

A conversa adiada lhe dava mais tempo para preparar-se para o embate. Se Jeremias não retornasse logo à vida ativa, talvez tivesse de enfrentar maiores dificuldades.

Debaixo dos lençóis, reconstituiu o dia. Mas não conseguia rememorar tudo cronologicamente. Dolores lhe vinha à cabeça a todo momento. Era jovenzinha. Era adulta. Era madurona. Ultimamente, as crises da menopausa a deixavam irritadiça. Aliás, nunca fora muito cordata. Lembrou-se da lua-de-mel, quando relutou muito em ceder ao sexo. E o restante da vida, sempre a enorme dificuldade. Meses e meses sem nenhum contacto. Depois dos primeiros sintomas da suspensão menstrual, parece que ficou muito mais frígida. E nervosa. Não queria porque não queria. Que desse um jeito sozinho. Não fora assim o tempo todo?

Fernando revirou-se na cama. O tema o desagradava. Sentia-se culpado. Lembrava-se dos conselhos do confessor. Tivesse paciência. A maioria das mulheres é assim mesmo. Agora, era tarde, que o casamento perante Deus e a Santa Madre Igreja era indissolúvel.

A lembrança introduziu Timóteo. Será que o sacerdote iria excomungá-lo perante a comunidade? Será que sua atitude se refletiria no sermão do domingo? Fernando estava achando que o padre tinha ido muito longe no relacionamento familiar. Estava com muita liberdade. Também, era o único confessor que Dolores admitia. E a comadre, idem.

Fernando recordou-se da pia batismal, quando carregou o filho mais velho do casal amigo. Dolores é que não lhe tinha dado filhos. Bem que procuraram os médicos. Só com inseminação artificial. Mas o padre foi peremptório. A Igreja não permitia. Cairiam em pecado capital. E eles se contentaram em acompanhar o crescimento dos dois jovens do Jeremias. Mas a distância, que a mãe era superprotetora.

Pobre Maria! Tinha levado bom susto. Será que Jeremias estava melhor? Não adiantava ligar. O hospital proibia informações por telefone.

— Amanhã, se não tiver retornado, vou conversar com o médico. Quero saber o que se passa. Quem sabe possa ser-lhe útil. Afinal, foi ele quem me apresentou o João. Na hora certa, que quase caio nas mãos dos fiscais. Mas o Silvano tem telhado de vidro. Não irá querer se mostrar. Se a imprensa for avisada, vai desaparecer. Talvez o Ministro não saiba de nada e tudo fosse maquinado pelo safardana. E se eu falar com o Ministro, ou com algum dos assessores? Quem vai levar um susto...

Lembrou-se de que João recomendara que não houvesse represálias. Entretanto, caso o mequetrefe insistisse...

Revirou-se de novo. Era outro tema que o incomodava. Teria sossego se rezasse? E se fosse passear durante o sono?

A prece, em verdadeiro condicionamento pavloviano, fê-lo adormecer, enquanto tentava dar valor a cada palavra, para pôr-se deveras perante o Senhor. Restava-lhe, no fundo da consciência, a suspeita de que suas orações tinham o cunho do oportunismo.

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