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Roteiro_de_Filme_ou_Novela-->21. TRAGÉDIA -- 13/06/2002 - 05:48 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Jeremias teve forte recaída durante a madrugada. Houve complicações cardíacas. A respiração ficou muito deficiente. O plantonista era novato, mas acorreu a tempo de lhe dar assistência emergencial. Foi acionado o médico responsável. Colocou o paciente em equilíbrio humoral, mas não atinava com as causas. Manifestara-se alta febre a indicar infecção. Mas onde? Os analgésicos e tranqüilizantes mascaravam a origem dos males. Recorreram aos antibióticos de largo espectro. Os resultados sorológicos demorariam, pelo menos, mais vinte e quatro horas. Estava inconsciente e não dava sinais de despertar.

Às sete da manhã, a família foi avisada. Fora levado para o Centro de Revitalização. Entrara em coma.

Fernando preparava-se para sair, quando Dolores lhe retransmitiu o recado. Iria encontrá-las no hospital.

Estranhamente, não estava transtornando-se. Parecia fato muito corriqueiro. Lembrava-se, insistentemente, do charuto do Roque e dos acenos da Tia Ana. A morte era apenas passagem para outra dimensão. Nada de Infernos, Purgatórios ou Paraísos. Simplesmente, outra dimensão. A vida prosseguiria. Era o que os espíritos do Centro haviam ensinado. Até mesmo aquele que não sabia que tinha morrido.

Devia preparar-se para encontrar o Padre Timóteo. Iria com o viático. Daria a extrema-unção. Perdoaria todos os pecados em nome de Deus. Encomendaria a alma do amigo para servir nas hostes angelicais. Estava assegurado pelas responsabilidades cardinalícias.

Fernando logrou perceber o tom mais que irônico, quase sarcástico com que estava considerando a função do missionário católico. Se estivesse entre selvagens, como os catequizadores da ordem de Santo Inácio de Loyola, não agiria diferentemente. Apenas precisaria explicar àqueles o que era pecado. Aos homens cultos da civilização tecnológica, isso era prescindível.

Que pecados teria Jeremias? Ouvira-lhe a confissão de passagem de que tivera amantes. Ou aventuras. O que seriam essas extrapolações conjugais? Teria sido perseguido pelo Timóteo? Será que fora ao Espiritismo para não ter de confessar, podendo pular quantas cercas quisesse, sem o ônus do arrependimento e do remorso?

Fernando sentiu que não progrediria nas conjecturas. Não tinha tantas intimidades com o compadre. Pareceu-lhe que, na verdade, nem amigos eram. Tinham interesses sociais e comerciais comuns. Mas a religião católica não lhes havia dado razões para discussões filosóficas. Quando começavam a imiscuir-se em temas de outra ordem, adviera esse transtorno que parecia muito sério. Unidade de Terapia Intensiva? Não. Centro de Revitalização. Era muito sério.

E se lhe sobreviesse a morte? Quem assumiria os negócios? Os filhos, naturalmente, porque cursavam a faculdade. Administração de Empresas. Teriam tido alguma intuição ou vieram destinados para prosseguirem a obra paterna? Predestinação? Tudo estaria escrito e os homens não seriam capazes de exercer livre-arbítrio?

Não prestava atenção no trânsito, mas sofria com a lentidão. Os pensamentos eram a um tempo pesados e leves. Não conseguia caracterizar filosoficamente os temas e, ao mesmo tempo, parecia-lhe que as idéias nasciam com espontaneidade. Os dias anteriores não existiam na memória. Surgia, no horizonte da vida, necessidade muitíssimo mais premente. Os dramas religiosos, as querelas fiscais, as discussões familiares esmaeciam, para dar lugar ao quadro vivo da perda de pessoa tão chegada. Se fossem os irmãos ou o pai, talvez não se sentisse tão pressionado emocionalmente.

Lembrou-se de que estava, desde há tempos, prometendo visitar os familiares. Por certo, achavam-no orgulhoso, pois crescera nos negócios e vivia vida de rico. Eles eram pobres. Dolores fizera questão de se afastar. Por duas ou três vezes, fora ver o pai e a irmã sozinho. A mulher sempre tinha desculpa. Geralmente, trabalhos junto aos paroquianos.

À sua frente, surgiu o imponente prédio do hospital. Apanhou as anotações relativas ao andar a que deveria dirigir-se. Foi difícil estacionar, mas localizou uma vaga na rua vizinha. Um rapazelho veio oferecer-se para guardar o carro. Tomasse conta, que, na volta, lhe daria algum. Desse já. Notou o tom surdo da ameaça. Era como se dissesse que, se não pagasse adiantado, iria encontrar o carro riscado, depredado. Teve de concordar, a contragosto. Sabia que não veria mais o fedelho, que nem maltrapilho estava. Apenas sujo. Só aí reparou que ali perto havia um estacionamento particular.

— Que estou eu a preocupar-me com o automóvel, quando meu amigo está à beira da morte? Se, ao menos, estivesse interessado em tirar o jovenzinho da rua...

Na entrada, deu com João. Parecia estar aguardando-o.

— Já soube?

— O quê?

— Jeremias morreu.

— Santo Deus!

— Nenhum médico veio trazer a notícia da doença. Parece que desconfiam de infecção generalizada. Vamos ter de ler a causa da morte, quando assinarem o laudo para efeito da certidão de óbito. A família está desolada. Os jovens estão aí. Há um padre também. Alguém tem de informar os gerentes. Eu vim por acaso. Ou melhor, queria informações antes de ir ao seu escritório.

Como sempre, João falava de enfiada, misturando os assuntos.

Fernando tomaria as providências das comunicações. Deixasse com ele. Os gerentes eram pessoas capacitadas. Recomendaria que se fechassem os estabelecimentos por luto. Os empregados poderiam organizar caravana para o velório.

João se despediu. Precisava adiantar os procedimentos contábeis. Avisaria o advogado da firma. A desencarnação estava tão recente que não sabia quem iria tomar as providências para a regularização do espólio.

Ao entrar no pavimento em que se reuniam os parentes, Dolores veio a seu encontro:

— Fernando, que desgraça! Ontem estava almoçando lá em casa. Hoje está morto. Que Deus o receba em seu regaço de amor! Não deu tempo para receber os últimos sacramentos. Timóteo nem pôde encomendar o corpo...

Uma rápida vista d’olhos e Fernando observou Maria apoiada nos filhos, sendo consolada pelo sacerdote. Reconheceu a irmã caçula, que morava ali perto. Havia muitos parentes para chegar.

— Quem está avisando a família?

— Liguei para a empregada. Dei-lhe o encargo de avisar os parentes. Agora é Leonel quem está à testa.

Era o concunhado mais afeito a esse tipo de reação pouco sentimental. Materialista convicto, punha a razão acima da emoção. Não se deixava arrastar facilmente. Quando viu o companheiro de Jeremias, veio abraçá-lo.

— Perdemos mais um do grupo do pôquer. E do turfe. Você me ajuda com as formalidades legais?

Era o que mais queria. Ver-se livre daquele ambiente de dor. Mas não podia furtar-se de transmitir os pêsames à viúva e aos órfãos. Sentiu que não guardara mágoa nenhuma. As ofensas do dia anterior, ele as esquecera. Mas não estava certo da reação da comadre. Aproximou-se, ao lado de Dolores.

— Oh! Fernando! Veja o que a vida me fez. Eu pensava que iria perder Jeremias para os espíritos e Deus o levou!

As lágrimas o comoveram. Não foi possível conter o pranto. Uniam-se pela dor. Se Jeremias estivesse consciente, iria alegrar-se.

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