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Roteiro_de_Filme_ou_Novela-->22. UMA LONGA MANHÃ -- 14/06/2002 - 05:29 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Ao sair do hospital com Leonel, Fernando não estava certo de que iriam conseguir adiantar a papelada, tendo em vista que os médicos se recusaram a fornecer o atestado da morte, antes que se efetuasse minucioso exame das vísceras. Tinham suspeitas. Nenhuma certeza. Além disso, aguardariam os resultados dos exames de sangue, mais importantes que nunca. Somente depois, estariam em condições de atestar.

A família possuía jazigo perpétuo. Quanto a essa parte, tudo se arranjou com facilidade. Nada há no setor que alguma propina não acerte. Mas a documentação oficial emperrou. Sem o atestado, nada feito.

Leonel se propôs a prosseguir sozinho, já que o velório seria no hospital. Assim, a compra do caixão mortuário e o aparato fúnebre não ofereceriam maiores problemas.

Fernando prometeu voltar na hora do almoço. Se precisassem dele, para forçar os médicos, estaria à disposição. Toda ajuda seria bem-vinda.

Na loja, encontrou Joaquim transtornado. Olhos excessivamente vermelhos e inchados. Inexplicável, para quem, por tanto tempo, delatara o patrão.

— Precisamos conversar, disse-lhe em tom áspero.

— Sim, Senhor.

O tom da cordialidade (ou da subserviência) teria estimulado Fernando a escachar logo o empregado, não fosse a tristeza que sentia. Pretendia pôr as coisas em pratos limpos. Apenas isso.

Mandou o balconista sentar. Sentou-se, por sua vez, na cadeira de espaldar alto, por detrás da mesa. Era o chefe, afinal de contas. Pelo menos a disposição... Surpreendeu-se com preocupações pueris. Fosse humano, isso sim. Não iria despedi-lo. Pois o tornasse reconhecido. Lembrou-se do guardador de automóveis, que o esperava na saída, para demonstrar que estivera realmente cuidando do carro. A humanidade não estava tão pervertida. Mas sabia de casos...

Joaquim aguardava com infinita paciência.

— Meu caro, já sei por que você foi despedido pelo Jeremias.

— Foi ele mesmo quem contou?

— Fui eu que deduzi. Ele só confirmou.

— Por favor, diga as razões.

— Ora, você o espionava. E a mim também. Ousa negar?

— Em parte.

— Como assim?

— Dona Maria me pediu para que o vigiasse. Desconfiava de suas saídas. Queria surpreendê-lo em adultério.

— E você lhe deu todas as fichas...

— Não todas. Atenuei o quanto pude. O ex-patrão, regularmente, uma vez por semana, procurava uma casa de prostituição. Mas isso eu ocultei. Falava que ia a boates. Que dançava. Que bebia. Que jogava. Que mantinha péssimas companhias. Quanto ao adultério, ela que concluísse sozinha. Ou mandasse investigar por alguém do ramo. Eu tinha o emprego para perder. Quando o patrão me descobriu indo atrás dele, quis me pôr para fora. Contudo, apenas me mandou para cá. Eu lhe disse o que tinha feito e ele foi reconhecido. Mas não me perdoou as delações. Dona Maria me convidava para as reuniões festivas da igreja. Ou as beneficentes, em sua casa. Nada mais. Não ganhei um ceitil...

Fernando sabia que o empregado era muito sagaz, mas não tanto. Imaginou que inventara quase tudo. Afinal, Jeremias estava morto. Não confirmaria mas também não negaria. Maria, por sua vez, não poderia ser argüida. O estafermo estava saindo-se muito bem. Até na expressão dolorosa do rosto.

— E quanto a mim, também tem atenuantes?

— Não tenho. Dona Dolores foi informada de todas as saídas. Mas o Senhor não fez nunca nada de errado...

— Fui à umbanda. Fui ao centro espírita. Fui a boates...

— As boates, eu não informei. Pode perguntar a ela. Quanto à religião, cada qual é livre de ter a que melhor...

— Qual é a sua?

Fernando sabia bem que era católico.

— Não tenho nenhuma.

— Mas você freqüenta a igreja...

— A pedido de Dona Maria, para conversar com ela.

Fernando percebeu que, se quisesse a verdade, não seria através de Joaquim.

— Vamos pôr uma pedra sobre tudo isso. Você continua no emprego. Mas não será prestigiado, a não ser que desapareça das minhas pegadas. E não volte à igreja. Esse seu papel não é digno...

Ia começar a dizer algumas poucas e boas que preparara quando a raiva era mais forte. Mas as emoções do dia não lhe davam ânimo.

— Vai... Vai...

— Muito obrigado, Senhor. Estarei sempre reconhecido.

O dia prometia ser terrivelmente pesado.

Quis saber se João estava.

— No depósito.

Não julgou oportuno atrapalhar o serviço em seu início. Com certeza era trabalho para dois dias. No máximo.

Do hospital ligara para os responsáveis pelos negócios do amigo. Havia tempo até o almoço para descansar. Percebeu que carregara consigo os livros que guardara na maleta. Teria cabeça para ler algo?

Leu os títulos. Curioso. Interessou-se por O CÉU E O INFERNO. Agora que a morte chegara tão perto, a religião parecia sedimentar as emoções e as reflexões. Será que Jeremias se conscientizara já do passamento? Como diriam os espíritas? Desencarnação, desencarne. Percebeu o subtítulo: A JUSTIÇA DIVINA SEGUNDO O ESPIRITISMO. As inscrições da página de rosto pareceram-lhe adequadíssimas para a ocasião. Folheou o grosso volume. Notou que havia duas partes. Leria um depoimento psicografado. Reparou que os termos iam incorporando-se ao seu vocabulário.

Quando ia iniciar leitura ao acaso, percebeu que estava na companhia do Roque. Não o via nitidamente. Aliás, melhor dizendo, apenas lhe sentia a presença, como se a imagem se formasse na mente por força das lembranças que guardara. Qual seria o papel dessa personagem, no interesse de sua formação espiritual? Protetor, benfeitor, incentivador, anjo da guarda, alma penada a resgatar débitos, sustentador de decisões... Os nomes cruzavam-lhe na mente, sem lhe darem tempo de se fixar em um único. Talvez estivesse ali para cumprir apenas missão de despertador para os fenômenos paranormais.

Tão acostumado estava ficando com a proximidade dos seres do outro plano, que até se sentiu bem, como se a deliberação da leitura estivesse sendo apoiada. Se tivesse despedido o Joaquim, o espírito do Roque ali estaria? Por certo não, pois a sua mente ficaria mais absorvida pela ação, já que teria feito malograr os projetos profissionais de uma pessoa que necessita do emprego para sustentar a família. A que ponto estava reduzido o infeliz.

Fernando não teve dúvida de que as questões iam sendo respondidas por inspiração. Era como se o Roque lhe desse as informações diretas para a mente. Não seria diferente na telepatia. Conversava, pois, a distância. A sensação era muito agradável. Enquanto isso, o livro jazia aberto à sua frente, inútil.

Resolveu que começaria pelo início. Se as letras se embaralhassem, voltaria. Tinha tempo. Aos poucos, foi impregnando-se no texto. A realidade tangível foi perdendo a vitalidade de contacto. Alcançou concentração.

Ao meio-dia, despertou. Estava atrasado. Nem pensou em comer. Se Dolores não tiver almoçado, iriam lanchar juntos. Será que os médicos teriam alguma resposta?

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