A
festa de formatura estava chegando. Depois dela haveria uma viagem, quando
Rafael e alguns amigos de escola iriam para a Bahia. As fodas de costume
continuavam, ele passava mais tempo no esconderijo de Dona Elaine que em casa
e, não bastasse isso, ainda tinha Lilian e sua mãe uma vez por semana, quando o
pai da moça ia para a igreja. Da última vez contaram com uma convidada,
Cristiane, uma amiga de escola que, após ouvir os relatos detalhados do sexo
dos dois e do dote de Rafael, manifestou interesse, ainda que contido, no rapaz.
A existência de um namorado, desses que parece saído de um romance literário,
pareciam um empecilho, mas a excitação da menina ao presenciar o espetáculo
erótico entre ele, Lilian e a mãe da garota a deixaram visivelmente excitada e,
embora disfarçadamente, ansiosa por experimentar aquele membro gigantesco que
enlouquecia as duas, entre tantas que falavam dele. “Você vai comer ela na
viagem de formatura, vou preparar tudo; ela não vai aguentar”, disse Lilian,
vendo que Rafael se mostrou interessado na moça.
Deitado
em sua cama, a noite se aproximando e nada para fazer hoje, ele já havia
decidido o que fazer tão logo se formasse; iria seguir o conselho de seu pai
biológico e fazer uso de seus dotes para se tornar um profissional do sexo,
tornando-se o melhor no ramo. O dinheiro seria farto, poderia conquistar uma
clientela fiel entre as mulheres insatisfeitas com seus maridos e mesmo com
adolescentes ricas que quisessem usufruir de seus favores. A notícia poderia
correr, novas clientes poderiam surgir e, quem sabe, ele pudesse ainda se
tornar ator de filmes pornô...
E
quanto aos homens? Já havia ouvido falar que a clientela de profissionais como
o que ele buscava se tornar era composta em grande maioria pelo sexo masculino,
até mesmo por casados que buscam desesperadamente satisfazer suas fantasias e
se tornarem mulheres se entregando a homens como ele ou até mesmo de dote
inferior. Nunca havia cogitado se tornar amante de outro homem, mas e se o
dinheiro valesse a pena? É algo no qual teria de pensar.
O tédio não demora a bater na porta; não queria sair e ver
uma das mulheres com quem costuma se relacionar, isso pode fazer à hora em que
bem entender. Falar besteira com os amigos também não é uma opção, não estava
querendo jogar conversa fora e também não sabe sobre o que conversar com os
pais, ainda mais levando em conta que os dois já não são mais para ele do que
uma paródia dos casamentos que ele tumultua constantemente. Não tem como negar
que só permanece morando com os dois porque sua situação é desfavorável, já que
as ruas não são feitas de ouro e, como ele conversou antes com o pai biológico,
dona Elaine possivelmente se cansaria de seu amante um dia, independente do
prazer proporcionado. Sendo assim, não havia muito o que fazer por ora.
Súbito, o celular vibra e ele percebe recebeu uma mensagem
em sua rede social. É dona Elaine, mãe de Audrey. Provavelmente querendo marcar
algo para o dia seguinte.
- “Oi, gostoso, tudo bom? Que tá fazendo? “
- “Nada... só de bobeira em casa. Um tanto entediado. Pensando
no que fazer depois que acabar a escola e a festa de formatura. “
- “Ah, sei... tem uma amiga minha que quer te conhecer. Me
encontra amanhã lá no esconderijo. Eu vou ficar um pouco afastada de lá porque
o chifrudo anda meio desconfiado de novo... enquanto isso você pode comer a
minha amiga. “ – Perfeito, pensa ele. Não bastasse estar tendo acesso à mãe e à
filha, dona Elaine agora providencia para que uma amiga também possa servi-lo
na cama. A ideia é tão tentadora que ele não consegue resistir e o tédio que
sentia anteriormente desaparece, dando lugar a uma ansiedade que quase faz com
que ele não consiga esperar pelo dia seguinte.
- “Bom, gosto de ver que você se preocupa em ver seu macho
contente... manda ela lá, sim. “
- “Legal. O nome dela é Solange, tô mandando uma foto. Você
vai gostar dela.” – não demora e surge na tela a foto de uma mulher morena
clara, de olhos verdes e pele branca como a neve, corpo trabalhado de academia
e um olhar que faz com que Rafael praticamente queira possui-la através da tela
do celular. “Pode dizer pra ela que eu tô lá amanhã”.
- “Bom. Vou largar o telefone agora, o corno tá saindo do
banho. Beijos nessa rola gostosa...”
Como se a expectativa de uma nova parceira o animasse e
desse um fim na sensação de apatia, ele foi para a cama e, no dia seguinte,
encontrava-se mais disposto. Durante a aula, as mesmas piadas de sempre, trocas
de olhares, risadas com os amigos, professores, enfim, tudo correndo de acordo
com o esperado. Uma conversa com Cristiane, amiga de Lilian, que prometeu a ele
que a menina seria dele durante a viagem a Porto Seguro, quando comemorariam a
formatura do ensino médio, lhe leva a crer uma vez mais que, apesar da timidez
da garota, ela irá fazer jus à sua expectativa e servi-lo tão bem quanto ou
mesmo melhor do que as outras com quem se relaciona. Quanto à amiga de dona
Elaine, Solange, ele se pergunta que expectativas deve ter para o encontro de
hoje. Não é dia de academia, então ele a encontrará o mais cedo possível, logo
após passar em casa e almoçar. Pensar em Cristiane se torna quase inevitável,
mas também não consegue conter a ansiedade por conhecer a morena clara, de
olhos verdes, que viu na foto enviada por dona Elaine pelo telefone ontem.
A manhã passa mais rápido que os olhos podem ver ou que
mentes ocupadas possam se dar ao trabalho de notar. Em pouco tempo ele está em
casa, a comida no prato, a mãe cuidando de alguns afazeres domésticos inerentes
à cozinha enquanto o jovem almoça. Um silêncio contido, embora notório, típico
das vizinhanças mais distantes do centro faz com que o som do garfo contra o
prato se torne até mesmo mais notado que um ou outro carro que passa na rua, ou
o som do pano de prato enxugando algumas louças que, logo em seguida, são
guardadas em seus devidos lugares. Como se o cenário atual a incomodasse a
ponto de leva-la a fazer algo a respeito, a mãe quebra o silêncio, sem
interromper a execução da tarefa:
- Você anda muito distante... dá até a impressão que a gente
não mora na mesma casa, apesar de você tá sempre aqui. O que tá acontecendo?
- Ah, nada de mais; algumas preocupações com a escola,
formatura e com o que eu possa vir a fazer depois.
- Nada de errado com alguma das mulheres com quem você sai,
espero... nenhum marido enciumado atrás de você, nenhum namorado querendo sua
cabeça...?
- Não. Mas não acho difícil isso acontecer, parece que os
idiotas não sabem que, se eu faço alguma coisa com as mulheres deles, é porque
elas querem. Sabe, é por isso que eu acho a monogamia uma merda, ela te dá a
impressão de que a pessoa com quem você se relaciona é uma propriedade sua, que
ela nunca vai sentir algo por alguém mais ou olhar pro lado, como se o tesão de
alguém fosse alguma coisa sobre o qual se pudesse criar uma lei.
- Tá bem filosófico hoje... e nada a ver com aquele diálogo
sobre a minha despedida de solteira, imagino, já que você começou a se fechar
depois que a gente falou sobre esse assunto. E com seu pai você quase não fala
mais e até evita olhar pra ele durante o pouco tempo que se falam... – ele
termina de comer e limpa a boca com um guardanapo, levantando-se e caminhando
até a pia para lavar o prato e o talher.
- Sem dúvida tem muito ou quase tudo a ver com aquela
conversa. É difícil encarar o fato de que eu fui concebido durante algo assim e
que todo aquele papo sobre a relação entre pais e filhos ser algo sagrado, a
família ser uma instituição quase intocável, imaculada, é só merda que se usa
pra se revoltar quem não consegue manter um padrão como esse e ditar regras a
serem seguidas sobre o gado. Eu tô chegando cada vez mais à conclusão de que eu
mergulhei nesse mar de sexo desregrado justamente por causa disso, como se eu
quisesse dar vazão a tudo aquilo que o mundo mantém nas sombras não por não
sentir essas coisas, mas porque são lixo mesmo... como se todo tipo de virtude
cultivada fosse exceção e o vício fosse a verdadeira regra da natureza humana.
- Sim, é verdade. No final das contas todos são apenas
humanos e tudo que resta são formas de se manter as pessoas na linha porque, na
verdade, se fossemos fazer tudo o que nós queremos realmente, o mundo seria um
caos. E, considerando o que a vida nos mostra ao longo dela, não sentiríamos
nem culpa ou qualquer tipo de remorso por sermos assim. Eu sei o que você quer
dizer. Mas não se esqueça que, de um jeito ou de outro, nunca te faltou nada,
você sempre teve tudo o que precisou debaixo desse teto mantido por gente
imperfeita, independente do cara que pôs o nome na sua certidão de nascimento
ser seu pai ou da mulher dele ter aberto as pernas pro diabo e você ter nascido
a partir disso...
Rafael permanece calado. As palavras da mãe terminam por
tocá-lo de uma maneira que não poderia deixar de dar razão a elas. O diálogo
que ele há dias evita, no final das contas, havia se tornado proveitoso e ele
finalmente havia encontrado motivação para adiar planos feitos outrora, pelo
menos no devido momento. Ele abraça a mulher de quem surgiu, não demora a
identificar as palavras que disse com algo que provavelmente seu pai biológico
teria dito a ela, uma ideia que não se constrói durante uma aventura de algumas
horas durante uma festa de despedida de solteira, mas sim durante convivência,
o que lhe faz concluir que, sim, os dois continuam se encontrando. Mas não é
hora de falar sobre este assunto ou de se preocupar que seu próprio lar, no
fundo, é uma extensão de todos os outros que ele corrompe diariamente aos olhos
de um senso de moral cada vez menos vigente e falido.
- Eu tenho que ir. Tenho um encontro agora de tarde. Mais
tarde tô aí.
- Tá, vai lá.
Ele sai de casa e se dirige ao ponto, não permanecendo por
muito tempo, uma vez que seu ônibus não tarda a surgir. Como de costume caminha
para a parte do fundo, agradecendo por estar vazia, buscando afastar um pouco o
diálogo que teve há pouco com a mãe e pensar apenas na mulher que vai encontrar
dentro de alguns minutos. Súbito, sem saber como aconteceu, e, ainda
desacostumado com as aparições súbitas do pai biológico, ele não consegue
conter o susto ao vê-lo a seu lado, repentinamente, tão logo termine de se
acomodar em seu lugar.
- Puta que pariu...
- Difícil de se acostumar, eu sei. Apesar de formidável, pro
padrão humano, de superar fisicamente um atleta olímpico sem metade do preparo
físico de um, não ser afetado por infecções, vírus ou doenças humanas, pra não
falar da sua capacidade intelectual superior... você foi criado como um dos
erros.
- Os erros... é, eu acho que Ele devia ter encerrado tudo
com o dilúvio. Mas parece que quis insistir na coisa e deu andamento.
- Ora, tem ideia de como deve ser entediante ter todo o
tempo do universo? Se pra vocês já é difícil e recorrem a jogos, bebedeira,
drogas, entre tantos outros recursos pra se manterem felizes e fazerem seu
tempo aqui passar mais rápido, imagine pra quem é imortal...
- É, deve ser um tédio mesmo. Estranho te ver agora, não faz
tanto tempo assim.
- Não... mas tem algumas coisas que você não sabe, que
provavelmente eu devo te contar, principalmente considerando quem você vai ver
hoje.
- A amiga da dona Elaine? Que tem ela? Até agora, só sei que
é uma gostosa...
- Ah, sim, todas são... mas esta, em especial, tem uma conta
bancária vultosa, proveniente de um emprego pra lá de especial. E tem mais
coisa além dela que você precisa saber, considere isso parte da sua educação.
- E o que seria? Talvez você devesse ter me contado isso
ontem, já que agora eu tô indo encontrar a mulher... ela é perigosa?
- Eu não usaria essa palavra, ainda mais tratando-se de
você... mas acho que você deveria estar pronto pra virada que o encontro com
ela vai gerar no seu futuro.
- E que virada é essa? – os olhos do anjo supostamente caído
assumem uma cor avermelhada, com fundo negro, que refletem um oceano de loucura
que só a transmissão imediata de conhecimentos antes ocultos e talvez
superiores ao que é suportado pela mente humana pode causar. Rafael não
conseguiria desviar os olhos mesmo que quisesse e, em instantes, sua mente
parece estar sendo preparada, aquecida como um músculo prestes a ser utilizado
em demasia, para uma recepção súbita de fatos e acontecimentos até então desconhecidos
por ele.
- Olhe bem nos meus olhos, Rafael, meu filho... e entenda. –
e em seguida, o garoto começa a visualizar uma cidade, cheia de habitantes
formosos, em ótima forma física, saudáveis, homens e mulheres, vivendo em
harmonia em uma cidade em que tudo parece funcionar da melhor maneira possível,
tanto na parte de Educação, Segurança Pública, Saúde, emprego e renda. Como se
houvesse uma ligação, ele presencia um exército de anjos, um mais belo que o
outro, seu pai entre eles, todos envolvidos com mulheres mortais, em harmonia
e, logo em seguida, como em um sonho que teve meses atrás, estes mesmos anjos
eram mutilados por outros, por terem desobedecido as ordens do Senhor e se
envolvido com mortais. Em situações diversas ele pode se ver em meio a
confrontos, envolvimentos com mulheres diversas, orgias em que mesmo seu pai
biológico toma parte com ele, lutas das mais variadas e, como se o que lhe foi
transmitido fosse demais para sua mente ou seus olhos houvessem começado a
lacrimejar por estarem abertos mais tempo que o normal, ele finalmente reage,
desviando o foco das revelações.
- Caralho... meu, que catso... o que foi isso, não consegui
entender nada... – entretanto, como se não fosse aquele o momento em que o
menino deveria entender alguma coisa ou por saber que o tempo teria que lhe dar
as informações restantes, o anjo supremo desaparece antes mesmo que Rafael
possa se dar conta de que não estava mais ali. Alheios a tudo, como se tudo
houvesse acontecido apenas na mente do rapaz, os demais ocupantes do ônibus
permanecem em seus lugares, sem esboçar qualquer tipo de reação e Rafael,
olhando para seu relógio, percebe que a hora é exatamente a mesma de quando se
sentou, como se o tempo houvesse parado para que o pai lhe transmitisse as
informações que foram passadas há pouco e que ele ainda não conseguiu
processar.
O que significa tudo aquilo? O que o encontro com Solange
lhe reserva além de um sexo tão promíscuo e prazeroso quanto ele espera ter com
todas as mulheres que passam pelo seu caminho? A cidade que avistou parecia ser
totalmente composta por filhos que anjos como ele teriam tido com mortais, o
que seria tudo isso? Provavelmente diria respeito aos meios-irmãos de que ele
havia lhe falado, e, por que não admitir, uma vez que seu pai não era o único
anjo existente por que outros também não poderiam ter procriado com mortais?
Como se a mente dele já estivesse preparada para o
acontecimento, ele respira fundo e procura não pensar mais no assunto, deixando
apenas as coisas acontecerem. Logo seu ônibus chega ao ponto onde deve descer e
ele caminha em direção ao esconderijo, avistando em frente à porta de entrada
do prédio uma mulher de cabelos negros, olhos muito verdes e pele branca como
leite, com coxas torneadas, quadril largo e seios proporcionalmente volumosos.
Ela sorri, deixando claro que ambos têm expectativas para aquele encontro.
- Oi... Solange?
- Eu mesma. E você é o Rafael, dono da ferramenta mágica,
né, pergunta ela, sorrindo, pouco antes dos dois se aproximarem e trocarem um beijo
demorado, enquanto ele passa as mãos por sobre as nádegas dela, por cima do
vestido apertado e curto.
- Vamos lá?
- Demorou, diz ela. Em seguida, ambos passam pela porta de
entrada do prédio, subindo as escadas até o esconderijo. Se Rafael tinha na mente
alguma preocupação sobre seu futuro, o que foi mostrado a ele e sobre o que
deveria esperar da visita da mulher além de sexo, agora a única coisa em que
pensa é em tirar a roupa de Solange e passar a tarde esquecendo qualquer coisa
que diga respeito ao assunto que não seja sua companhia...
Não é o fim...