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Roteiro_de_Filme_ou_Novela-->38. ASSISTÊNCIA SOCIAL -- 30/06/2002 - 04:07 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Perto das oito horas, cansado de ler, Fernando pôs de lado as aflições pessoais para conhecer como se atendia no Centro Espírita. Tinha ouvido que Jeremias sustentava boa parte da benemerência, mas não punha fé em que se obrasse com muita dignidade, não pelos que davam, mas pelos que recebiam.

Preparou-se, pois, para encontrar-se com pessoas pobres, ignorantes, rudes, sujas e mal intencionadas. Era como via o povão. Desde criança, quando convivia com a pobreza. E quando formulara os desejos de ascender financeiramente.

— Bem pensando, até que meus pais não eram totalmente desprovidos de recursos, tendo-me feito estudar até o colegial. Professores de primeiras letras, não me poderiam oferecer oportunidade para o ensino superior, mas não me deixaram tão mal que não me estabelecesse, assim que recebi impulso do primeiro patrão. Puxei a ambos na inteligência. Com uma diferença: apliquei-a aos lucros dos negócios.

Ia nesse diapasão, quando chegou ao Centro. Desde logo, notou grande movimentação externa. Junto à porta lateral, enorme fila de mulheres e crianças, principalmente. Estavam com cestas e sacolas vazias. Que iriam buscar?

No portão principal, João e companheiros fiscalizavam a freqüência.

Assim que chegou, o contabilista fê-lo entrar.

— Chegue-se para o escritório.

— Gostaria de saber o que se passa. Quem é toda essa gente?

— É o pessoal das redondezas, inclusive da favela, que vem buscar alimentos e roupas. Hoje é o dia da pechincha.

Fernando sabia o que era. Doara muita roupa usada, através de Dolores, para os empreendimentos da paróquia. Certa ocasião, fora ajudar na quermesse. Mas se decepcionara. Não só as melhores peças eram “arrematadas” por alguns organizadores, como a fixação dos preços os favorecia enormemente. Sentira-se muitíssimo mal. E expôs as dúvidas.

— Aqui nós controlamos as doações. As melhores peças, para os mais necessitados. Para o bazar, o que possa oferecer retorno financeiro suficiente para a manutenção da sopa dos sábados. E para que os menos miseráveis possam ter a impressão de que estão adquirindo os bens com o suor do rosto. Quanto ao pessoal da casa, é proibido arrematar qualquer peça, a menos que fiquem empacadas durante semanas. Nesse caso, mais ajudam do que se “aproveitam”, como você sugeriu.

— Faz tempo que essa fila está à porta?

— Desde às seis. Querem chegar antes para comprarem o que houver de melhor.

— Compram para si mesmos ou pretendem revender?

— Há de tudo. Não temos como controlar. Se você entrar na fila, humilhando-se à condição de quase indigência e desejar comprar o estoque, será impedido. Há limites. Entretanto, o povo que vem para o bazar não está cadastrado no setor de assistência social. Hoje, o que pretendemos, na realidade, é mostrar que a casa espírita é local de confraternização e de ajuda. O pessoal da porta, principalmente, está fiscalizando para avaliar se não aparece nenhum bêbado. Aí a perturbação se torna muito prejudicial.

— Acontece?

— Muitas vezes. É que os maridos vêm atrás do dinheiro. Algumas vezes, quando estão muito agressivos, valemo-nos da polícia.

— Há alguma palestra obrigatória, antes do início das vendas?

— Em hipótese alguma. Se tivéssemos alguém que pudesse ser respeitado por qualidades superiores. Como o Chico Xavier. O povo permaneceria quieto, para ouvir as novidades, para presenciar os fenômenos de mediunidade. As curas. Para receber respostas de parentes mortos. Seria quase um espetáculo aos olhos dos ignorantes, que não pretendem mais do que se “aproveitarem” da proximidade dos espíritos categorizados para “aparecerem”, principalmente no sentido de se livrarem dos tormentos.

— Como assim?

— Os doentes querem receitas e remédios grátis. As mães desejam que os filhos se aquietem e parem de lhes causar problemas. As mulheres pedem para que os maridos retornem ou deixem de se alcoolizar...

— É como na Umbanda.

— Mais ou menos. Mas nós não temos quem possa atraí-los. Simplesmente, damos orientação a quem nos pede. Para isso, temos departamento devidamente estruturado, segundo as normas da Federação Espírita. Quem quiser participar desse setor, obrigatoriamente, passa por curso de entrevistador, de assistente, de palestrante e assim por diante.

— Não sabia que estavam tão aperfeiçoados.

— E não estamos. Tudo é muito precário. Sem dinheiro, pouco podemos fazer. Com a quebra das verbas de Jeremias, iremos diminuir em muito as atividades. Mas, para nós, o que vale é o trabalho. Dentro do tempo disponível, cada qual faz o melhor que pode. Não se pretende salvar o Mundo. Muito menos prover o Paraíso.

Fernando ia propor-se a substituir o amigo, mas lembrou-se do cataclismo doméstico e da restauração das dívidas para com o governo. Calou-se a tempo.

João, contudo, parecendo ler-lhe o pensamento, acrescentou:

— Para aceitar as contribuições das pessoas, estabelecemos que haja um mínimo de participação junto à diretoria. As dádivas são sempre bem-vindas, mas a colaboração efetiva, constante, equilibrada, racional é o pequeno amparo evangélico com que a casa espírita quer retribuir aos amigos que nos ajudam. Melhor dizendo. Se você pretende substituir Jeremias (e eu acho que não deve, pelo menos por enquanto) vai ter de comprovar-nos que aceita os princípios gerais da caridade como norma superior para a salvação. Se a intenção for de mera compra de lote nas terras sagradas do Senhor, pode esquecer. Já tivemos amargas experiências.

— Como pode alguém prejudicar, quando o que está dando é o de que se tem mais necessidade?

— Tivemos um presidente vitalício, por mais de vinte anos. Mandava e desmandava. Como você deve ter observado, o Centro se rege por estatuto próprio. Não está vinculado a nenhuma organização de caráter superior. Os padres respeitam os bispos, a cúria, os cardeais, o papa. Cada centro espírita se rege autonomamente. Essa é a sua grandeza. Mas também o seu ponto mais difícil. Quando o pessoal desejou outro presidente, o antigo mecenas debandou e todos os setores ruíram. Tivemos de reestruturar os departamentos. Em suma, para não cansá-lo, venha conhecer as demais dependências e avaliar como é que a turma trabalha. Depois conversaremos sobre as investigações...

Realmente, Fernando cansara-se com as explicações. Julgava que, para entender tudo, era preciso conviver durante algum tempo com o serviço. Mas não estranhava que João falasse com entusiasmo. Comparou-o ao Padre Timóteo a discursar do púlpito, pondo ênfase nos pontos essenciais da religião, pretendendo manter os fiéis apegados à Igreja. “Mutatis mutandis”, na essência, era a mesma coisa.

Nos fundos do terreno, havia amplo salão onde as mercadorias do bazar estavam expostas. Naquele momento, as primeiras pessoas tinham acesso e punham-se em contacto com os preços.

Todos os preconceitos de Fernando iam confirmando-se. Para conhecer o que ali se passava, não precisaria ter vindo. Desagradou-se. Não se ambientou. Tinha a mesma impressão da quermesse.

— João, vamos conversar lá no escritório?

Não passou despercebido ao contabilista o mal-estar do companheiro. Seria uma questão de tempo? Pois era o que mais tinha para a conversão definitiva do comerciante. Sabia que a mentalidade do amigo girava muito ao derredor do lucro. Ou suspeitava que assim pudesse ser, à vista de não conhecê-lo profundamente. Também para isso precisava dar tempo ao tempo.

Acomodados no escritório, Fernando resumiu as atividades do dia.

— Estamos de novo na estaca zero. Será que a espiritualidade não poderá ajudar-nos?

— De certa forma, está sempre apoiando-nos, desde que as iniciativas sejam sábias. Informações que possam prejudicar a terceiros não receberemos dos benfeitores. De qualquer modo, amanhã nos colocaremos nas mãos dos amigos, para que possam dar-nos as pistas evangélicas do procedimento nessa circunstância.

Lembrou-se Fernando do papel em que registrara a língua hipotética.

— Sabe você se o Chico Xavier psicografou alguma mensagem em...

Leu a anotação:

— ... luxemburguês?

— Tenho vaga idéia de ter lido algo nesse sentido. Mas quem deve saber mesmo é a Dalva. Vamos procurá-la.

Enquanto andavam, Fernando explicou o que causara o interesse. Queria saber se estava sendo alvo da atenção direta dos mentores.

— É plausível que você tenha essa intuição. Contudo, qualquer que seja a resposta, não se esqueça de que o processo poderá ter sido formulado pela sua mente. Não é difícil de imaginar uma língua própria, falada por uma nação independente. Você poderá envolver-se com problemas íntimos, ou seja, a fé nos protetores. Um fato isolado nada significa. É preciso estabelecer milhares de informações como essas, para firmar o princípio como originado no plano espiritual.

Encontraram Dalva entretida com pequeno grupo de “assistidos”. Explicava-lhes a necessidade de voltarem em outras oportunidades, para receberem os passes e ouvirem as palestras.

Esperaram até que a turminha se retirasse, escutando a palavra que tentava ser convincente. Fernando não viu nada de mais. Notou apenas que não se falou uma única vez em espíritos ou em influenciação sobrenatural.

Dalva ouviu atentamente a questão.

— Realmente, Chico Xavier apanhou diversas mensagens em luxemburguês. De resto, ele mesmo nunca ouvira falar nesse idioma. Parece que há o luxemburguês culto e o popular e ele escreveu no luxemburguês culto. Esses fatos do grande médium estão citados nas diversas obras biográficas. É fascinante conhecê-las, para avaliar a grandeza dessa alma. Se quiser, posso emprestar-lhe algumas.

— Não se incomode.

— Não estou falando de minha biblioteca particular. Nós temos aqui no Centro. Basta acompanhar-me.

Fernando não estava em condições de avaliar o jorro de informações que recebera. Resolveu que o melhor era mesmo aceitar a oferta. E lá foram os três à saleta contígua à secretaria.

Os olhos castanhos da confreira (de onde lhe viera tal expressão?) interessavam-no. A vivacidade da palestrante não lhe tinha chamado a atenção no auditório. Vendo-a, porém, mais de perto, sentiu-se atraído.

— Meu marido é quem gosta destas obras biográficas. Se estivesse hoje, lhe forneceria os dados exatos de onde encontrar a referência ao luxemburguês. No entanto, fique com “Trinta Anos com Chico Xavier”, de Clóvis Tavares. Aqui há casos muito representativos da personalidade do Chico.

A referência ao marido fora feita em momento oportuno. Teria sido avisada? Por algum espírito? Por algum trejeito facial? Por algum olhar expressivo?



Tarde da noite, sem conciliar o sono, Fernando lembrava-se de Dolores. Teria sido a falta da esposa que o levara a olhar para Dalva? Era totalmente fora de propósito. Quando via as dançarinas seminuas na boate, entusiasmava-se. Mas era bem diferente. Às vezes, dava certo de convencer a esposa a ceder-lhe...

Súbito, surgiu-lhe pertinente questão:

— Quem se dá prazer sozinho, estará envolvido por forças espirituais negativas?

Adormeceu tentando resolver o problema, preocupado com o seu passado de luxúria.

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