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Roteiro_de_Filme_ou_Novela-->41. COM LEONEL -- 03/07/2002 - 07:33 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Fernando estava profundamente agradecido aos amigos do Centro, muito particularmente a João e a Francisco. Chamados por Jesus ao apostolado do amor, não decepcionavam. Sentiu-se em meio à sagrada congregação evangélica como se a ela pertencesse. Deslumbrara-se com a comunicação fugaz de Jeremias e com a segura orientação de Irineu. Alheava-se da vida mundana, como se adentrasse plano de superior moralidade. Não fora o momento das despedidas e da necessidade do relacionamento urbanizado, desmanchar-se-ia em lágrimas.

Saíram todos a um tempo, deixando Francisco sozinho. Esteves fora quem trouxera João, de sorte que voltariam juntos. Leonel manifestou o desejo de regressar logo, obrigando Fernando a despedir-se sem efusões sentimentais. Na verdade, o que desejava era ler o conteúdo misterioso das missivas do etéreo.

— Vamos para minha casa ou para o seu apartamento?

— Direto para sua casa. Precisamos ler o que se contém nessas folhas, para tomarmos as providências relativas ao projeto de hoje à noite.

— É verdade. Esqueci-me de convidar João. Não faz mal. Iremos só nós. Não há de ser difícil de localizar o fornecedor da droga.

Enquanto o carro avançava no complicado trânsito de sábado, os amigos puseram em dia as impressões sobre a reunião. Fernando estava interessado em saber se Leonel punha fé nas declarações do protetor. Fora surpreendido pelas assertivas relativamente às conversas privadas com Jeremias? Que achara da poesia?

— Admirável a coerência, meu amigo. A coerência foi o que mais me impressionou. Pode ser que tudo não passe de fantasia. Pode ser até que haja transmissão subliminar de pensamentos. Ou o que o valha. A chamada telepatia. Mas a coerência é deveras ponto a considerar. Nunca botei fé em nada que me quisessem impingir como sobrenatural. Se falassem em milagre, iria rejeitar qualquer tentativa de me convencerem. Mas o que se deu na reunião foi como se tudo se passasse de modo absolutamente natural. E olhe que quem está falando é um materialista de quatro costados, desde os tempos escolares. Nunca fui de dar ouvidos às balelas dos padres ou aos milagres de Jesus. Assisti a vários programas na televisão em que as pessoas davam testemunho de curas e de graças. Eram programas montados por uma seita protestante. Igreja Universal. Ou coisa assim. Mas a evidência do lucro, da comercialização dos bens espirituais transformava tudo num grande circo. Nada entendo de poesias ou de literatura, mas o poema pareceu-me muito bem trabalhado. Ou Clara o tinha decorado ou não foi ela quem elaborou ali, naqueles poucos minutos. Pelo que pude perceber, não levou mais do que uns quinze ou vinte minutos. Se eu fosse escrever algo assim, levaria um mês inteiro e aposto como ficaria sem muito sentido. Como você vê, estou entusiasmado. Fazia tempo que não me abria com tanta veemência. Aliás, concordo inteiramente com o guia...

— Irineu.

— ... ou com o Francisco, não sei bem, quando disse que a hora é agora para que efetuemos os projetos de vida.

— Isso foi atribuído a Jeremias.

— Que seja. Não vou discutir. A verdade é que houve muita coerência em tudo. E isso é impressionante.

— E se eu lhe disser que recebi um recado do Jeremias?

— Acredito na hora.

— Pois me rogou que tomasse conta dos filhos.

— Estranho.

— Também acho. Os rapazes estão taludos. Universitários. Conhecem a vida melhor que nós. Se for dar-lhes conselhos, vão rir de mim, especialmente porque a mãe lhes deve ter enchido a cabeça de idéias...

Jogava o verde, para colher as informações sobre como estava sendo apontado junto aos amigos.

— Não ouvi Maria abrir a boca a seu respeito. No início, antes de saber da doença, preocupava-se com o fato de ter desandado a gritar na oficina. Ou na loja...

— Na oficina. Eu estava lá. Começou comigo.

— Pois nem isso ela disse. Depois que soube da AIDS, calou-se, completamente.

Fernando considerava Leonel lealíssimo. Nunca o surpreendera mentindo. Voltava contra ele só o fato de se propor a partilhar das cerimônias religiosas, para agradar ou para não provocar. Até isso, porém, dissera com toda a clareza. Era excelente para quaisquer iniciativas. Não iria mentir-lhe a respeito de sua fama.

— E você, Fernando, o que achou de tudo?

— Faço minhas as suas palavras. Como estou há bem pouco tempo no Espiritismo, não tenho elementos para críticas. No entanto, pareceu-me que as forças da espiritualidade ligadas a Jeremias, seus protetores, seus guias, seus mentores, seus...

— Existem tantos anjos da guarda assim?

— Não. São apenas nomes diferentes para as mesmas entidades. Pelo menos é o que me consta. Sei que existe um tal de anjo guardião, cujas funções são mais especializadas ou complexas, mas não saberia defini-lo com clareza. Estou estudando.

— No livro que você me emprestou não tem?

— Fala qualquer coisa, mas penso que a doutrina esteja melhor explicada n’O Livro dos Espíritos. Esse não li ainda.

— Você pretende ir em frente no Espiritismo?

— O futuro a Deus pertence. Contudo... Não obstante... Todavia... Entretanto...

— Chega de adversativas!

— Estou mostrando-lhe que tudo pode acontecer. A minha tendência atual é de prosseguir nesse caminho. Você sabia que a igreja primitiva se denominava de “Caminho”?

— No tempo de Jesus?

— Logo depois, quando os apóstolos começaram a divulgação do evangelho.

— O homem aí está “sabudo”...

— Após a reunião, vou confessar-lhe, compreendi quanto tempo perdi na vida com bobagens. Missas, confissões, comunhões, boates, pôquer, Jóquei...

— Não deixe os nossos amigos ouvirem você falar desse jeito...

— E eu devo me importar com isso?!

— E se Dolores exigir, para voltar, a condição da Igreja Católica?

— Ela não pode fazer uma coisa dessas. Eu não a estou impedindo de fazer o que quiser no campo religioso. Aliás, não sei se já lhe disse, tenho compromisso com meu advogado segunda-feira.

O restante da viagem, Fernando aproveitou para colocar Leonel a par de seu drama doméstico. Queria mostrar-lhe a penetração sutil do Padre Timóteo na vida íntima das pessoas, muito claramente na das mulheres. Julgava que o fulcro da questão estava justamente nessa perniciosa influência. Falava com euforia. Demonstrava profunda insatisfação. Magoara-se com a ascendência espiritual do confessionário. Era como se o padre sorvesse a mentalidade, a intimidade, a alma das pessoas e gerenciasse todas as atividades, a partir do sentimento de culpa.

— Não foi você quem disse que se arrependia...

— Mas é diferente.

Disse e calou-se. Não conseguia definir a distinção. Tanto na Igreja quanto no Espiritismo, revelavam-se as intenções, os pensamentos escondidos nos recônditos da mente, os desejos secretos...

— Já lhe disse que Dolores foi um tempo ao analista?

— Não.

— Pois essa é outra espécie que deveria ser condenada.

— Ora! A mim me parece que a Medicina vem para ajudar os homens.

Leonel não gostava dos padres, mas defendia os médicos, substitutos naturais que a civilização inventara para as deletérias influenciações do espírito místico oriundo do fetichismo primitivo.

— Ajudando ou não ajudando, são outros sugadores de cérebro. Aposto que Dolores contou muita coisa a ele que não teve coragem de contar a mim. Sempre a achei muito perturbada.

Leonel não queria saber das intimidades e não queria transformar-se em confidente. Sabia que o amigo fugira de casa muitas vezes para a confraternização alegre da amizade inconseqüente dos prazeres e dos vícios. Mas também fazia a idéia de que fora sempre fiel à companheira. Diferente do Jeremias, que “aprontara” muitas.

— O trânsito está de lascar!

— São os casamentos. Essa mania de se casar nos sábados. E no começo da noite. Até aqui os padres estão interferindo.

— Não seja tão azedo, Fernando. Lembre-se dos conselhos de Francisco...

— De Irineu...

— De Jeremias...

Riram ambos, como se confabulassem em código.

Ao dobrarem a esquina, Fernando notou a casa às escuras. Acionou o controle remoto do portão da garagem e entrou silencioso. Se havia a expectativa de Dolores ter voltado, desvaneceu-se ali.

Letícia acorreu. A janta estava encaminhada. Dispensara os demais. Havia tão pouco movimento na casa...

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