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Artigos-->18. TERCEIRA PEREGRINAÇÃO ASSISTIDA -- 04/09/2001 - 08:33 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


Um fato que nos havia passado despercebido foi a corajosa atitude de Matilde ao se oferecer para o trabalho de reversão das expectativas da vontade, ou seja, o abandono das perspectivas de crescimento para a aquisição das virtudes evangélicas, que a conduziriam para esferas de maior felicidade, em troca da imersão nas lembranças dolorosas de outras épocas de sofrimento. Isto ainda após presenciarmos a luta íntima de Tobias, o seu quase desfalecimento e a necessidade de engolir aqueles tremendos engulhos do amor-próprio.



Com os benefícios conquistados, Matilde se constituiu para a classe em um alvo imediato. Foi assim que houve uma enxurrada de propostas para a catarse dos dilúvios emocionais, todos nós ávidos por alcançar algum ponto evolutivo mais elevado.



Foi preciso solicitar a intervenção de Resildo para que achássemos um denominador comum para a eleição do próximo. Eis como ele resolveu a questão:



- Vocês se lembram da parábola dos trabalhadores da última hora? Houve muita revolta dos que mais batalharam na lavoura do mestre, quando o pagamento se deu o mesmo para os que chegaram por último. Não nos disse Jesus que os últimos serão os primeiros? Pois, então, como é que vocês acham que se situam na longa fila dos pretensiosos?



Apenas para aliviar a tensão, intervim:



- Eu sou o primeiro da fila. Abro mão de minha posição pela última colocação.



A turma olhou para mim julgando que, de alguma forma, estivesse desejoso de influenciar na decisão do professor. Mas este tomou o pião na unha e declarou:



- Existe o episódio da adúltera que seria apedrejada não fossem as observações do Nazareno. Não disse ele que atirassem a primeira pedra aqueles, dentre os que acusavam, que estivessem sem pecado? E que aconteceu então? Os mais velhos, quer dizer, os mais compreensivos, aqueles em quem calou mais cedo a lição, foram retirando-se. Vamos adotar o sistema. Quem entendeu a brincadeira do Leonardo, vá se arrumando na fila.



Desde logo alguns acorreram, porque haviam, verdadeiramente, absorvido o meu intento de aliviar a sobrecarga emotiva pela suposição de que mais tempo decorreria até que fosse atendido na pretensão de melhoria. Foi assim que os colegas foram postando-se uns após os outros, até que todos, com um sorriso meio amarelo, confessaram tacitamente que não tinham tido a devida prontidão intelectual.



Voltou a nos falar o mentor:



- Aqui ninguém é mais inteligente que ninguém. Existem apenas diferenciações quanto aos fortes bloqueios emocionais que todos antepõem à lucidez dos raciocínios. Vejam a sua fila. Compõe-se, como tenho a capacidade de avaliar, de um crescendo de alunos com cada vez maiores dificuldades de se predisporem à compreensão das intenções, ainda que sejam chocarreiras e amigas. Vocês estão em rigorosa fila indiana, olhando fixamente para a nuca do companheiro mais esperto. Pois eu quero que todos dêem meia volta e passem a olhar para a cabeça do seu mais próximo no setor dos empecilhos sentimentais.



Achamos que a brincadeira estava se estendendo para fora do controle dos alunos. Esperávamos pela sagacidade de Resildo, que alguma devia ter. Lembrava-me eu dos tempos de estudante, quando impava de felicidade ao verificar que algum dos colegas sofria o impacto das represálias dos professores. Aí ouvimos:



- Quem era o último não passou a primeiro? Então, o amigo Vitório vai ter o privilégio de ser examinado pelos parceiros. Alguém deseja saber o porquê da escolha?



Novamente, à vista do encolhimento dos outros, ameacei outra facécia:



- Acontece, caríssimo instrutor, que o Derrotado, ou seja, este gajo aqui chamado Leonardo, estava prestes a levar pela graça a taça de ser o escolhido. Mas devo reconhecer que a razão primordial da primazia deve ter sido para demonstrar ao mais desconfiado que todos merecemos o mesmo grau de atenção. Devia ser um: foi o nosso recatado Vitório, que lhe valha o nome. Peço agora que se forme nova fila na minha frente, todos de costas para mim. Vamos ver se damos meia volta de novo.



Resildo esforçou-se para conter o riso. Ou deu demonstração disso para me alegrar. E concluiu:



- Vitório, pelo critério que utilizamos, se tornou o mais debilitado, portanto, o mais carente de auxílio. Os outros vão se agüentando até chegar a sua vez. E você, Leonardo, não se estime desastrado a ponto de resguardar-se para ser o último a se retirar na lapidação que se prepara. A próxima parábola a ser relembrada haverá de ser aquela dos dez talentos.



Em outros tempos, levaria a lição para casa e revolveria as palavras uma a uma para a descoberta dos intuitos mais profundos. Com a experiência dos estudos na colônia, entendi que Resildo apenas retribuía gracejo a gracejo, na estima que crescia entre todos nós, pela compreensão dos problemas e pela luta em que nos empenhávamos para a resolução deles todos.



Ao compor esta mensagem, a turma optou por demonstrar o nível de descontração de alguns dos elementos, aptos já para o riso franco de quem se expõe à crítica. Para tanto, me atribuiu o encargo da redação, forçando-me a repetir tudo o que fiz, agora mais sensatamente, uma vez que devo meditar em todos os sucessos daquela oportunidade. Foi um suavíssimo castigo, que aceitei com muito contentamento, não porque desejasse aparecer perante os encarnados (tanto que por mim as preces haverão de perder a intensidade, pela razão exposta de ser o menos onerado emotivamente), mas porque podia demonstrar aos irmãos em condições de ruína moral e física, que existe sempre a esperança de sermos amparados pela divina misericórdia, representada por algum missionário generoso que nos agasalha, que nos protege, que nos compreende, que nos perdoa, que nos encaminha para os bens espargidos por Jesus em sua caminhada pelo orbe, na qualidade de mortal comum, espírito excelso em sacrificial encarnação.



Não posso, porém, esquecer-me do principal objetivo da mensagem, qual seja, o de demonstrar como se portou Vitório na prova a que o submetemos.



- Que você deseja realizar em sua visita às regiões densas do planeta?



- Quero saber se poderia ter evitado todo o sofrimento de um passamento precoce, sob o jugo das drogas e sem nenhum amor por ninguém.



- Sabemos que você não conheceu os seus pais, entregue que esteve às mãos pouco zelosas de um orfanato de péssima categoria. Isso é justificativa mais do que oportuna do deslize para os crimes e para os vícios. Você não usa essas desculpas para o tal entendimento pretendido?



- Aceito o que vocês estão dizendo apenas como provocação. A acreditar na veracidade dessas colocações, ninguém escaparia imune desses locais em que se entulham crianças as mais miseráveis. Abro uma exceção para alguns de vocês, que, como eu, também se viram despojados de seus pais e também se espojaram nos lamaçais lodosos dos piores crimes contra a própria contextura corporal e, por via de conseqüência, espiritual.



Advirto para o fato de que reproduzo sem alterações o apuro do linguajar vernáculo do companheiro. Já naquele mesmo instante, surpreendia-nos com recursos que ninguém mais possuía. Desconfiamos, de imediato, que ele tivera outras existências de mais extensas conquistas intelectuais. Daqui à ilação de que o setor emotivo estava realmente em frangalhos, foi pequenino passo, reforçado pela lembrança de sua colocação na fila dos espertinhos. Precipitadamente, por confabulação mental realizada ali mesmo, requisitamos permissão para encerrar a entrevista (eis a causa principal de ter descrito os preparativos com tantas minudências), porque julgamos que o amigo tinha plenas condições de ir em busca das causas de suas defecções cármicas.



Ao chamarmos o rapaz à realidade, no entanto, saiu do devaneio fluídico, que lhe fizera aflorar tantas virtudes de exposição, sem nenhuma reminiscência do que se passara, ao contrário de Matilde e de Tobias.



Resildo não nos deu tempo, contudo, para as inevitáveis reflexões a que nos habituáramos para a percepção das verdades psíquicas que investigávamos em nós e nos outros:



- Vocês vão arcar com a responsabilidade de acompanhar Vitório em peregrinação, podendo requisitar a ajuda que desejarem dos melhores guardiães da colônia. Entretanto, caberá ao grupo de alunos observar, nos mínimos gestos, expressões e exteriorizações emocionais do assistido, quais os elementos psíquicos em jogo e quais os pontos cruciais em que o desempenho dele está deixando a desejar. Para que o amigo entenda o que se passa, vocês irão discutir com ele todos os ingredientes da fita com o seu depoimento, evitando, porém, qualquer comentário menos nobre em relação a ter sido o primeiro a merecer a atenção. Bondade infinita, sabemos, só o Pai possui. Mas podemos beber dessa mesma água, uma vez que estamos sedentos, porque cada um de nós haveremos de receber o mesmo influxo de informações desabonadoras. Ou não?



Saímos da reunião bem menos entusiasmados que antes. Era a primeira vez que nos davam a oportunidade de um trabalho sério. Confiavam em nós. Tínhamos de corresponder.



Encerro a exposição dizendo que a viagem foi um tremendo fracasso no campo das superações dos dramas íntimos do colega, não tanto pela falta de discernimento dele, mas porque fomos atingidos em cheio pela nostalgia trágica das sensações corpóreas. O ambiente de estudo e a assistência dos menos imperfeitos (vamos dizer assim) garantiam-nos a estabilidade psíquica na colônia. O triste regresso para ela, sob o amparo dos tutores, debilitou-nos, fazendo-nos compreender o quanto estávamos necessitados de crescer para o domínio dos impulsos instintivos a quem déramos tanta trela.



Estes acontecimentos se passaram há algum tempo. Agora já superamos aquela fase crítica e somos bem capazes de refletir sobre os acontecimentos. E de realizar a descrição dele com alguma desenvoltura. Mas, para chegar até aqui, tivemos de enfrentar alguns aborrecimentos bastante ponderáveis.



Estaremos sendo excessivamente indulgentes para com os irmãos viciados que nos lêem? Talvez seja esse apenas um indício de que temos muito amor por aqueles que terão de enfrentar situações desagradabilíssimas, tanto nos empenhamos em evidenciar a nossa sensibilidade e o nosso desejo de cumprir as recomendações do Cristo. Mas não vejam em nós ninguém de superior formação moral ou espiritual. Somos apenas um grupo em ascensão, mas carente de orientação em áreas fundamentais do desempenho evangélico. Podem crer!



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