Usina de Letras
Usina de Letras
222 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62152 )

Cartas ( 21334)

Contos (13260)

Cordel (10448)

Cronicas (22529)

Discursos (3238)

Ensaios - (10339)

Erótico (13567)

Frases (50554)

Humor (20023)

Infantil (5418)

Infanto Juvenil (4750)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140785)

Redação (3301)

Roteiro de Filme ou Novela (1062)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1958)

Textos Religiosos/Sermões (6176)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Artigos-->19. QUARTA PEREGRINAÇÃO ASSISTIDA -- 05/09/2001 - 07:37 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


Inicialmente, o correspondente desta mensagem quer manifestar temor quanto ao fato de se repetirem os casos. Hão de perguntar os leitores se não temos outra fórmula mais apropriada para o despertar do interesse, já que as coisas acabam viciando...



Ia por aí no intróito que imaginei para diferenciar-me dos demais, quando me surpreendeu o termo terrível. Pus-me a considerar que, talvez, não seja propriamente a repetição dos eventos que provoque os vícios. Contudo, para testar o novo argumento, fui atrás dos companheiros, propondo-lhes o problema de forma enigmática:



- Se você abrir um livro e encontrar em cada capítulo a mesma disposição, ou seja, uma espécie de introdução, um questionário com as respectivas respostas em forma de diálogo e alguma sagaz conclusão, você vai considerar a leitura fascinante, porque se repete tantas vezes, ou vai detestar, tendo em vista que, apesar de os temas diversificarem-se, não se abrem perspectivas de surpresas para a satisfação da curiosidade que deveria ser cada vez mais aguçada, tópico a tópico, até um final apoteótico?



A pergunta era tão longa e complexa que o primeiro me respondeu simplesmente:



- Preciso pensar a respeito. O que você mesmo diria?



E foi embora sem me ouvir.



O segundo amigo interessou-se deveras, mas quis saber antes de mais nada:



- Alguém já lhe disse o que pensava a respeito?



Contei-lhe o sucedido com o anterior.



- Pois aí está: é preciso ser mais objetivo ao questionar as pessoas sobre o que quer que seja. É verdade que você utilizou o exemplo da leitura do livro, mas não esclareceu, de fato, qual era o seu objetivo primacial. Vamos elaborar de novo a pergunta.



Pois lá ficamos debruçados sobre o ponto de interrogação sem penetrar um milímetro na elucidação pretendida. Ao cabo de duas horas, resumindo, a pergunta que resultou era a seguinte:



- Os vícios, para você, são provocados por algum problema íntimo que se procura esquecer por um processo de prazerosa alienação da realidade, ou seja, o indivíduo não enfrenta a situação em que se vê inferiorizado mental ou sentimentalmente e busca a satisfação em outros setores da personalidade? Uma vez não sanando a causa, fica repetindo a ação para o esquecimento do que o vem machucando desde épocas remotas (sem que ele saiba), até que acaba dependente do que lhe parecia um remédio e que se tornou um veneno. Vamos lembrar-nos da velha anedota do cara que esqueceu por que bebia mas continuava bebendo.



Aí propus a um terceiro amigo o longo discurso interrogatório. A sua reação foi devastadora:



- Ou você responde sinteticamente ou vai atrás de um curso anual a respeito das causas e seus efeitos, para verificar quais são os caminhos mais curtos para a eliminação delas. A resposta curta eu dou agora: Vê se te manca, cara! Não vês que estou ocupado?! Digo isso com todo o respeito, porque não desejo magoar ninguém. A verdade é que o interesse pela destruição dos hábitos avassaladores deve provir, não dos que se preocupam em oferecer apoio e assistência, mas daqueles que estão imersos na perigosa negociação existencial, isto é, dos que se encontram no limiar de dolorosa peregrinação. Sei que não me tornei muito claro, mas, como sei que você deveria estar escrevendo a próxima mensagem, se estiver interessado em divulgar esta conversa, acredito que possa vir a fazer bem a alguns leitores equivocados quanto à seriedade com que estão levando o tratamento.



- Não entendi.



- Explico-me. Muita gente existe encarnada que vê os dias repetirem-se monótonos. É o monocórdio, a lira de uma única vibração. Deixe pra lá o aspecto pseudopoético da manifestação e se fixe com muita atenção no fato de que esses tais a quem antes aludi são os mais dispersivos quanto à impossibilidade notória de concentração desses elementos induzidos aos distúrbios provocados pelos ingredientes químicos.



- Continuo não entendendo.



- Então eu lhe digo para freqüentar aquele curso anual da resolução das causas pela sintomatologia dos efeitos.



E se foi, contente por me ver intrigado a respeito de tantos entulhos psicológicos, como se me tivesse tirado o peso da composição excessivamente pejada de repetições formais e de conteúdo. Como poderia ter alguma razão, fiz questão de escrever logo o diálogo meio insólito, introduzi terminologia mais refinada para o nosso gosto inchado dos eflúvios narcóticos, capciosamente bolei o entreato das apreciações um tanto injustificadas e atinei com a perspectiva de que a repetição haverá sempre de ser melhor do que a originalidade, quando aquela tiver sido o resultado de profunda análise metodológica e esta o dúbio atrevimento do improviso.



Ofereci o texto começado aos amigos e eles fizeram questão de dizer-me que a parte da diversificação era satisfatória. Que se iniciasse, porém, desde logo o momento da repetição, para que os vícios dos leitores se sustentassem, pelo menos em relação aos pontos evangélicos da pregação de Jesus que se infiltraram nas composições anteriores.



Foi a vez de Arnaldo, um coleguinha antipático, daqueles que grudam na gente, ser o alvo da perquirição da classe. Até então, tinha sido o mais dificultoso para se alhear dos apelos exteriores. Mas, com a benévola ajuda de Resildo, induzimo-lo a revelar hipnoticamente os seus objetivos imediatos, para o progresso cármico possível naquelas circunstâncias de ex-drogado. A primeira pergunta foi a última:



- Que espera você com a sua peregrinação à terra?



- Pretendo saber a causa de minhas desavenças mundanas. Sei que tenho o hábito terrível de sanguessugar as pessoas, exaurindo-lhes a paciência pela constância com que apresento os meus problemas, que torno insolúveis para o perene e cansativo desenvolver temático, como se a presença do outro me atenuasse a mim mesmo a minha presença. Não sei se estou deixando claro o indício mais característico de minha maneira de ser. Punha-me, para dar exemplo do que estou examinando, junto a um balcão de bar e prendia um eventual ouvinte para os meus casos, muitos de longa data solucionados mas que insistiam em se tornar presentes em meu enevoado cérebro. Dizia ao sujeito que era infeliz com minha mulher, que meus filhos não me entendiam, que minha mãe não era séria, que meu pai tinha sido um moleirão até que morreu encostado num muro, ele, meu pai, corroído pela pneumonia, que minhas irmãs eram ricas mas não gostavam de mim, repelindo-me, deixando-me com aquele empreguinho ordinário de contínuo na administração pública, e ia por aí afora. Só não continuo porque sei que seria dar corda a este antigo relógio, quando o pessoal daqui funciona a pilha recarregável pela luz solar. Pois o meu retorno à praça em que, na verdade, fugi da guerra irá servir para perceber em que pontos é que me deixei embrenhar pela constância dos queixumes. Quero ver se os lugares me despertam as antigas emoções, as quais deverei examinar com muita atenção. Tentei a regressão induzida da memória, mais ou menos com o sentido desta daqui, mas não logrei despertar com as evidências emocionais dos dramas que me induziram a constituir esta personalidade de infeliz e de retardado. Quando acordei, sabia apenas o que acontecera de fato, mas o que eu sentira nas diversas oportunidades continuou oculto para a minha consciência consciente (se assim posso expressar-me). Através da imaginação, ou seja, pela suposição de quais teriam sido os liames que me prenderam ao sistema dos queixumes, também não obtive respostas convincentes. Na verdade, toda vez que me ponho a perseguir os meus eternos desvios do caminho de Jesus, os quais tenho visto abrindo-se para muitos dos amigos da classe, vejo-me ao balcão fétido de algum bar de quinta categoria, diante de um copo de cerveja e de algumas doses de cachaça, revirando-me dentro das culpas alheias, sem tempo para a perquirição que me levaria ao sucesso da investigação. Compreendo que sou o que todos chamam de chato de galochas (e ponha galochas nisso) mas estou desejoso de acabar com este relacionamento cada vez mais penoso, porque, vocês não acreditam, eu sou a pior companhia para mim mesmo que alguém poderia inventar. Eis que bolei a saída ao plano exterior como o primeiro passo a ser dado na direção do bem maior do progresso. Estou cansado desta mesmice e proponho-me a qualquer trabalho (desde que não seja o de abrir e fechar portas nem o de levar ou de trazer recados, pois continuar como contínuo não pretendo). Não sei se vocês conseguiram perceber o jogo de palavras que elaborei, aquele trocadilho do contínuo que não quer continuar, mas é bem verdade o que disse acima. Estou realmente cansado de mim mesmo. Desejaria mudar. Desejaria muito mudar. Para isso conto com a colaboração dos bons amigos que não se cansam de me escutar e a quem imponho condições tão difíceis de satisfazer. Perguntaram-me qual era o meu objetivo se vier a sair para a crosta planetária. Respondi com algo muito tacanho, talvez até inconscientemente de propósito, para queixar-me depois de não ter conseguido nada de concreto, ainda que todos muito se esforçassem por me apoiarem e me auxiliarem nos meus dramas íntimos. Minha mãe já se juntou ao meu pai aqui no etéreo. Chegou depois de mim. Fui recebê-la e ela não me reconheceu. Meu pai continua caído junto a algum barranco, esperando o mundo desfilar diante de sua vista. Eu não tive coragem de ir atrás dele. Teria de me explicar a respeito de muitos anos em inatividade intelectual. Teria de dizer por que é que estou tão triste e tão magoado com ele e com todos os outros. Ultimamente até que tenho sido solicitado pelas lições de Jesus a perdoar os desafetos. Não fiz isso na época mais oportuna, quando estávamos todos vivos e podíamos conversar livremente sobre os nossos problemas, nossos defeitos e algumas qualidades. Mas nos faltou a qualidade suprema da sinceridade, da boa vontade e do desprendimento de nós mesmos. Como vocês podem observar, os elementos eu os possuo todos, mas não sei como aplicá-los à minha vida espiritual mais profunda. Na relação com os professores e colegas, sinto-me até que muito bem, tanto que estou a merecer esta atenção especialíssima. Aliás, deve o redator que descrever a minha entrevista especificar os diferentes tópicos que fui capaz de mencionar com exatidão, pois creio-me na iminência de dar os primeiros passos na direção almejada. Salvem-me, pelo amor de Deus, de mim mesmo e me dêem a oportunidade que os outros irmãos tiveram. Prometo que irei conduzir-me com lisura, com propriedade e com a intenção bem definida de não me constituir em pedra de tropeço para ninguém. Qual será a próxima questão?



Estávamos tentando uma brecha para interrompermos o discurso sem fim e aproveitamos para agradecer o notável exemplo que nos foi dado de vício provocado pela vontade de sobressair-se em alguma coisa, mesmo que à custa da boa vontade alheia e por momentos tão curtos. O público, nesse caso, é que não se repetia. Lembrei-me dos jornalistas que escreviam duas ou três crônicas e que as distribuía pelos periódicos do país inteiro, dando a impressão de muito férteis. Cotejei com a prisão dos que estivessem com o nosso opúsculo sob os olhos e congratulei-me com a oportunidade de vir relatar o meu próprio caso. Apresento-me agora. Sou o próprio Arnaldo, o chato acima retratado, que obtive dos parceiros a honra de me expor com tanto fragor perante a minha própria crítica. Sinto-me reconhecido e vou parando por aqui, para não dar azo ao vezo antigo dos trocadilhos e dos balcões. Muito obrigado pela atenção dispensada!



Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui