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Roteiro_de_Filme_ou_Novela-->46. DE VOLTA AO LAR -- 08/07/2002 - 05:41 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Fernando, ao acordar cedo, pôs na cabeça que deveria falar a todo custo com a esposa, antes de tratar com o advogado. Às dez horas, lá deveria estar para estabelecer o contrato e conhecer as requisições legais. Pelo menos, no que tangia às deliberações de comum acordo com o advogado de Dolores, uma vez que já deveriam os causídicos ter entrado em contacto.

Achou que ligar às seis da manhã seria muito cedo, mas algo lhe dizia para não hesitar. Um aviso dos amigos da espiritualidade? E se fosse?

Mal terminou a higiene matutina, foi ao escritório e discou. Seria o que Deus quisesse.

— Pronto!

— Judite?

— Não, Dolores.

— Querida, sou eu. Não desligue, por favor!

— Que você quer?

— Quero conversar.

— Onde?

— Marque você.

— Espere aí em casa. Já estou indo. Mas não alimente esperanças.

— Graças a Deus!

Fernando estava tão contente que foi incapaz de imaginar as possíveis razões para tão radical mudança de atitude. Parecia um cachorrinho, na alegria de ter o dono de volta.

— Letícia!

A empregada estava na cozinha.

— Pronto, patrão!

— Dolores está vindo para cá.

— Deus ouviu minhas preces.

— Prepare a mesa para o café. Ela deve estar de jejum. Estava passando estes dias na casa da irmã. Vamos recebê-la com muito amor e consideração. Nada de choro nem de cara feia.

— Ora, Senhor Fernando, o Senhor já nos conhece. Sabe o quanto estimamos o casal. Vocês são a nossa família...

— Está bem! Não temos tempo para manifestações e extravasamentos. Vamos pôr a casa em ordem. Do jeito que a patroa gosta.

— Está tudo arrumado. Falta preparar uma bela mesa do café. Vou pedir a José que colha algumas flores.

— Tem rosas?

— Muitas rosas.

— Então, vá logo.

Fernando hesitava quanto ao local do encontro. Na sala de estar, não. Seria para as visitas. Na sala de jantar, o inconveniente da vizinhança dos empregados. No escritório, a frieza dos negócios e dos estudos. No quarto, é claro, na intimidade da alcova. Mas não forçaria nada. Ela que decidisse.

“Vou fazer-lhe todas as pequenas vontades. Por que não? Posso até pensar em voltar a freqüentar a missa. Desde que me permita ir ao centro. Também não deve prevalecer em tudo.”

Hesitou quando viu sobre a mesa as mensagens mediúnicas. Deixou-as onde estavam. Poderiam ser mostradas como comprovação do alto interesse do plano da espiritualidade. Eram evangélicas, no mais puro sentido crístico. Mas Dolores entenderia?

Perdeu-se em conjecturas e não viu o tempo passar.

Levou um susto quando Dolores assomou à porta do escritório.

— Querida!...

Quis levantar para abraçá-la. Um gesto frio o fez ficar parado atrás da escrivaninha, de pé, ansiando por palavra de afeto, de aproximação.

— Fernando, estou retornando para casa. Não pense, porém...

— Sente-se, querida...

Dolores sentou-se na poltrona em que Fernando costumava ler.

— Como estava dizendo, não pense que iremos restabelecer todos os nossos vínculos. Vou ocupar o quarto de hóspedes.

— Por que, cara amiga?

— Até que os advogados decidam sobre a separação, o divórcio. Não quero passar por avulsa para a sociedade que freqüento. Quanto às cláusulas da distribuição dos bens, só discutirei com a presença dos advogados, ou do juiz, conforme for decidido.

Fernando percebeu que estava instruída legalmente. Ele é que não se encontrara com o seu representante.

— Não vou colocar nenhuma restrição à sua volta. Aliás, vou ficar eu no quarto de hóspedes, para que você se acomode melhor no nosso quarto. Letícia providenciará a acomodação das roupas. Não pretendo colocar nenhum obstáculo à sua vontade. Permita-me dizer, porém...

— Não permito coisa alguma.

— Por favor.

— Digamos que você, Fernando, está me devendo inúmeras explicações. Para lhe dizer a verdade, estou voltando provisoriamente, até que seja estabelecida a sua excomunhão da Igreja. Estive sábado à noite num restaurante, no Guarujá, com Judite. Fiquei escandalizada com a licenciosidade daquele ambiente do pecado. Não sabia que a depravação era tanta. Por isso é que você nunca me levou...

— Eu a convidei, diversas vezes.

— Sabendo que eu tinha compromisso com minhas amigas. Entendi a sua malícia, meu caro. Enquanto eu me distraía, você se divertia. Pensava que nunca me houvesse traído, mas, naquele inferno, tudo deve ter rolado.

— O que Judite não lhe deve ter dito...

— Aquela é outra que vai para...

Não quis completar a frase. Parecia-lhe de mau agouro. Era como se selasse o destino trágico da irmã.

Fernando aproveitou o instante de reflexão:

— Eu lhe juro que jamais a traí, nem nunca tive nenhuma intenção.

— Ora, meu caro, você se masturba o tempo todo.

O sangue subia à cabeça do comerciante. A subserviência não estava resultando em nada. Jogaria o verde, no contra-ataque, embora não tivesse certeza do que afirmava:

— E você, não? A maior... (ia usar um termo de baixo calão, mas preferiu amenizar). Pensa que não sei que é desse jeito que você sempre se satisfez? É por isso que recusava os meus carinhos. Eu fazia, porque não obtinha sucesso em fazê-la chegar ao clímax. Ainda bem que você não fingia. Aí seria o máximo.

Dolores resolvera falar toda a verdade, mas não esperava ser afrontada em ponto tão vulnerável. Como Fernando pudera saber algo que nem o psicanalista tivera conhecimento? Quando muito, o Padre Timóteo. Nem para o padre do Guarujá havia mencionado. Resolveu assumir:

— O meu prazer é o meu prazer. Você nunca foi capaz de ser homem para mim. Magoou-me desde a primeira vez. Foi rude. Foi boçal. Machucou-me. E nunca teve paciência. Você se lembra que eu lhe pedia para ir ao analista? O que é que me respondia? “Vá você! O problema é seu!” Imbecil. O problema sempre foi seu. E eu acredito que nunca me traiu, porque é um incompetente.

Fernando estava arrasado. Jamais poderia esperar tamanho desabafo. Avaliou a revolta de Dolores. Viu total sinceridade em suas palavras. Ajoelhou-se aos seus pés e pediu-lhe perdão.

— Querida, me perdoe, pelo amor de Deus!

Diante do marido acabrunhado, arrependido, cheio de remorsos, Dolores amenizou o rancor. Lembrou-se, contudo, de que já condescendera uma vez e Fernando reincidiu. Precisava manter a ascendência moral. Precisava conquistar espaço. Não se deixou enternecer. Lançou a derradeira condição:

— Deixe de lado esse centro espírita, que abandono a petição de divórcio.

Fernando percebeu que não estava preparado para argumentar friamente. Tentou ganhar tempo:

— Você me dá uma hora para pensar?

— Você é livre para fazer o que bem entender. O tempo que julgar melhor. Só não pense que me vai fazer voltar atrás de minha decisão. Quer manter o casamento? Refaça o juramento que fez diante de Deus, aos pés do altar. Foi essa sua atitude de menosprezo pela minha pessoa que me deu vontade de abandonar tudo. E se continuar com a mesma atitude de desrespeito aos valores sobre os quais fundamentei a minha vida, vai ficar sozinho.

A dureza das expressões, fez que Fernando se compenetrasse de que a luta iria prosseguir até que cedesse, finalmente. Entretanto, sofria com a frieza das considerações. Crescia-lhe na alma a noção de que amava a esposa, com muita força. Não se via correspondido. Ou Dolores estaria fazendo das tripas coração. Aquela semana de incertezas provocara ganas de mandar tudo às favas. Na presença da esposa, concretizavam-se os sentimentos. Resolveu concordar:

— Aceito a sua proposta, incondicionalmente. Abandono o Espiritismo. Não freqüentarei mais o Centro. Só lhe peço que seja generosa a ponto de me permitir ler sobre a doutrina, pois preciso entender os fenômenos mediúnicos que me envolveram. E quero, ainda, estabelecer como norma, para a melhor convivência, que iremos dormir no quarto, juntos. Juro que não tentarei nenhuma aproximação sexual. E lhe prometo, solenemente, por tudo que me é de mais sagrado na vida, que não mais me masturbarei, nem irei ao Jóquei, nem ao pôquer, nem a nenhuma boate. Está bem assim?

Dolores se desconjuntou. Esperava que Fernando cedesse, mas não que rastejasse. Seria mais nobre que resistisse. Seria mais másculo. Onde a hombridade? O amor-próprio? O sentimento de autodefesa? Decepcionava-se. Mas não podia voltar atrás. Resolveu que algo deveria ser feito, para que o casamento pudesse obter maior durabilidade. Do jeito que fora colocado pelo marido, abria-se a brecha para o cansaço, para a mesmice, para o enfado, para o tédio.

— Vamos fazer um trato. Aceito que devo voltar ao psicanalista. Contudo, você deverá ter tantas sessões quanto eu mesma. Vou dispensar o advogado. E você me destina uma quantia maior para as obras de benemerência da paróquia.

— É justo. Seria também justo que eu pudesse ajudar o Centro.

— Você está sendo contraditório...

— Eu explico. (Ia dizer “querida”, mas a palavra se lhe entalou na garganta.) Jeremias...

— Que Deus o tenha em sua santa glória!

— Jeremias fazia uma doação mensal de vulto ao Centro. Lá são atendidas dezenas de famílias. Seria um crime desampará-las de um momento para outro. Faço a doação através de João, anonimamente. Não há necessidade de ninguém ficar sabendo. É um ato de pura caridade. Nada tem de ver com religião.

— Está bem. Mas que seja nesses estritos termos...

Sem dar tempo a qualquer reflexão a Fernando, Dolores saiu para cuidar da arrumação da casa. Do corredor, lançou um conselho amigável:

— Não vá perder a hora, querido. Já passa das nove. O pessoal da loja deve estar preocupado. Não se esqueça dos advogados.

Enquanto Fernando se recompunha, parecia-lhe ver um sorriso irônico no rosto de Roque. Na verdade, se tivesse ainda o dom de ver os seres do etéreo, estaria diante de uma entidade extremamente preocupada com o teor das deliberações morais. E em atitude de meditação, rogando para os benfeitores maiores que lhe esclarecessem quais as diretrizes que deveria estabelecer para resguardar a redenção do protegido.

Ao sair, depois de tomar café puro com torradas, deu um beijo de despedida no rosto da esposa, enquanto Letícia enxugava uma lágrima teimosa.

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