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Cartas-->Uma carta para Elisa Poá ou o sonho de uma Princesa -- 27/03/2002 - 02:27 (João Ferreira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Uma carta para Elisa Poá
ou o sonho de uma Princesa

27 de março de 2002


Minha querida Elisa,


Acabo de ler sua cartinha “O Poeta não morreu mas ficou velho”.
Prestei a melhor atenção ao seu texto e venho responder-lhe com dois objetivos. O primeiro deles é para prestar-lhe uma homenagem. O segundo para dialogar com você sobre a temática exposta.
Primeiramente, a homenagem.
Embora circunscrito ao mundo de meus olhos e de meu teclado, minha mente percebe e entende, a distância, que você é uma jovem. Também percebe que sua juventude transborda de ideais e ao mesmo tempo de tédio e de impaciência pelo que de velho e ultrapassado você observa na sociedade e nas pessoas, nos adultos e sobretudo nesta sociedade literária que é a Usina.
Eu entendo perfeitamente esse estado de espírito, Elisa. Entendo a pressão de seus ideais e essa repulsa pela insistência no velho, no gasto e no ultrapassado. Concordo com esta sua vontade de não aceitar na vida o que está ultrapassado, velho e desgastado. É por isso que você merece uma homenagem por esta sua intuição, e sua vontade de ser mais. Merece a homenagem por sua inteligência inquieta que vê estas coisas e as repudia como formas de atraso.Merece a admiração de todos nós que lutamos por um mundo mais arejado e de melhor qualidade e por uma literatura de nível. Você é jovem e quer que as coisas paguem um tributo à vida que elas próprias devem ter. Está certo, Elisa. A sociedade não pode envelhecer por incapacidade dos que deveriam criar novas coisas e novas formas de vida. Ela tem de ser a expressão da própria vida de formas. Ela tem de representar a vida em desenvolvimento, tanto nas coisas materiais como na vida social e vida cultural. Você está cheia de razão. Há que cobrar mesmo. Essa é a única maneira para garantir que nós e nossos amigos permaneçam vivos.
Sobre essa coisa do Poeta que não morreu mas ficou velho, entendi, Elisa. Sim. Há poetas que embora não tenham morrido, ficaram velhos.Poetas que nunca foram poetas na vida. Poemas com cara de velhos. Poetas que não morreram e não ficaram velhos. Poemas velhos de poetas novos. Poemas agonizantes e sem vida.
Tudo isso diz respeito a outro tema tocado por você. A pobreza das criações. É bom que os poetas e os escritores sempre tenham ambições, noção, sentido, e auto-crítica para saberem quando estão escrevendo banalidades e quando estão escrevendo e aprendendo a usar a escrita como forma de arte e como forma de expressão humana.
Você também estranha que grande parte de nossos usineiros passe o tempo todo reclamando, "chorando”, como você diz, em vez de criarem coisas interessantes e dizerem ao que vieram neste espaço. Além da forma ultrapassada, e nadificante de seus escritos, não há neles valores que se demandem.
A Elisa acha certos de nossos poetas pouco corajosos, pouco autênticos e meio medrosos.
O desejo de você como jovem é o de que à poesia se alie a coragem de inovação, e ao mesmo tempo, a autenticidade da luta, da expressão e da normalidade sustentando a criação na ética e na personalidade.
Ao lado de tudo isto, você deseja que haja guerreiros capazes de lutar por uma causa nobre e uma causa literária limpa: “queremos novos guerreiros que briguem pelo papel para nos ensinarem suas forças”. Vai mais longe. Pede excelência nas criações.
Olhe, Elisa. Tudo o que você constatou pertence à história triste e real da humanidade em que você e eu vivemos. Uma sociedade cujo corpo se arrasta dolente e preguiçoso pelos espaços imperscrutáveis do mundo. Uma sociedade cheia de verdades e contradições. Ora, se a sociedade dos artistas da Usinadeletras participa desta indolência e preguiça social, a retórica de sua carta procede perfeitamente em termos de lógica retórica viva. É uma dialética de crítica construtiva viva. E eu só posso apoiá--la. Aliás, você sabe que entre as gerações literárias do final do século XIX e inícios de vinte, de dez em dez anos, sempre surgia uma geração de novos que queria reformar, derrubar, queimar, reformar e aposentar tudo o que ocorria nas letras. Foram essas gerações que renovaram a literatura desde o romantismo para cá. Graças a essas gerações, a sociedade tinha alternativas literárias, os talentos apareciam, as letras se renovavam. Assim aconteceu em 1909 quando Marinetti publicou no Figaro o Manifesto sobre o futurismo. Nesse manifesto ela se entusiasmava com o movimento e a coragem. E achava que a civilização estava perdendo muito com o passado. Nada interessava o passado, para ele. Achava, por exemplo, que a Itália pelo seu passado, era um mundo de quinquilharia. E transformara-se num museu arqueológico e num museu de mercadorias do passado. Professores e cicerones impediam a Itália de progredir. Marinettti aderia à novidade do tempo, à maravilha da máquina, da fábrica, do automóvel, da locomotiva, à ginástica, à luz elétrica. Marinetti era todo atento ao brilho da matéria depreciando tudo o resto. Vieram os debates sobre vários ismos. Modernismo, Cubo-futurismo, espíritonovismo, neo-realismo, surrealismo. Tudo tentativas de renovação dos processos literários.
Mas há algo que importa sublinhar especialmente. Marinetti passou de tempo e a humanidade continuou seu caminho. Deu atenção à máquina, deu atenção ao passado. Mas isso não mudou a história do homem. O próprio Fernando pessoa que conhecia Marinetti, disse que no Ocidente era impossível prescindir do passado. Pessoa sabia que a civilização é um elo indissociável de gerações e gerações...E dentro desse elo estava também o passado, o presente e o futuro. Por isso é que ele valorizou Platão e Virgílio na "Ode Triunfal". Por isso é que ele prestigiou a cultura clássica. Acreditava que nela estava todo o início e toda a dinâmica do que mais tarde o homem beneficiou na civilização ocidental. Fruto dessa crença na potencialidade da máquina e das conquistas materiais, o homem já sofreu duas guerras mundiais mortíferas, outras guerras localizadas, como a guerra da Coréia, a guerra do Golfo, a guerra do Vietnam, a guerra de Angola, a guerra da Palestina e tantas outras. E tem sobrevivido graças a alguns segredos íntimos do próprio homem. O maior deles é sem dúvida sua capacidade poética e romântica de encarar a vida e o mundo.
A este propósito gostaria de dizer algo sobre o que penso sobre o romantismo em adulto, uma expressão que encontro em sua carta. Não sei se interpreto bem a rejeição que dele você faz. Não sei até se você está querendo referir-se ao romanticismo ou ao ultra-romantismo, ao degenerado sentimentalismo romântico, profundamente piegas, sem lastro de sanidade amorosa. No que a mim toca, eu interpreto o romantismo como uma das atitudes mais positivas da vida humana. E consequentemente, acho procedente e bela a poesia lírico-amorosa, desde que ela tenho o nível alto da poesia que todos estimamos. O romantismo em meu entender torna a vida linda, operosa e dá nível à alma. Uma vida sem romantismo, adolescente ou adulto ou velho, é uma vida vazia, em direção veloz para a morte. Uma vida sem romantismo é como uma terra sem beleza. Mas acho lindo o adulto romântico.
Quero deixar-lhe como lembrança o poema “Se o Poeta falar num gato” de Quintana, um poeta romântico e bem adulto. Leia. Ouça.

Se o Poeta falar num gato

Se o poeta falar num gato, numa flor
Num vento que anda por descampados e desvios
E nunca chegou à cidade...
Se falar numa esquina mal e mal iluminada...
Numa antiga sacada...num jogo de dominó...
Se falar naqueles obedientes soldadinhos de chumbo que morriam de verdade...
Se falar da mão decepada no meio de uma escada
De caracol...
Se não falar em nada
E disser simplesmente tralalá... Que importa?
Todos os poemas são de amor!
MÁRIO QUINTANA. Antologia poética. Porto Alegre: L&PM Pocket, 2000.

-Acredito que haja aqui algumas questões que você gostaria de ver discutidas, Elisa.

Beijo para você.
Jan Muá
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