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Roteiro_de_Filme_ou_Novela-->48. SENTIMENTOS DESENCONTRADOS -- 10/07/2002 - 06:52 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

O almoço passou funéreo. Dolores estava entanguida de dor. Não tanto pelo afeto que dedicava à comadre, com quem mantinha relações meramente cordiais. Não se podia dizer que fossem íntimas. Tinham segredos mútuos e competiam, na igreja, pelas atenções dos sacerdotes, muito particularmente do Padre Timóteo, cuja ascendência sobre as paroquianas lhe dava halo de artista de televisão, conquanto fosse feio, macérrimo, com óculos de fundo de garrafa e avançado em idade. Era a voz que o fazia atraente, eram os dizeres sempre apropriados, a defesa intransigente dos valores femininos, e a doçura aveludada do confessionário, naquele “tête-à-tête” protegido da curiosidade e defendido pela santidade eclesiástica.

Dolores pensava em Maria e se punha em sua pele. E se tivesse sido com ela? Fernando não teve coragem. Uma falência só, contudo, e teria trazido a moléstia para o lar. Ela vira a licenciosidade, a indecência da nudez e das ofertas das mulheres fáceis. Fernando até que demonstrara brio. Resistira, no final das contas. E não lhe permitira desfazer a união. É que gostava realmente dela. E os jovens, os filhos. Será que sabiam? Quanta raiva, meu Deus, pela culpa do pai!

Fernando não podia acreditar em que Jeremias tivesse contaminado a esposa. E todas as informações que recebera? Mentira Adelaide. Engrupira a boa vontade dos dois tontos. Forjara todas aqueles registros. Inventara restrições à libidinagem. Estava revoltado. Como tinham sido inocentes! Ou fora Joaquim quem não lhes passara todas as “dicas”?

— Querido, que vamos fazer em benefício daquela família?

— Leonel e eu tentamos localizar a prostituta culpada pela transmissão do vírus. Fomos conversar na boate em que Jeremias...

— Que o Diabo o carregue!

— Querida, o que está feito, está feito. Não há como voltar atrás. Mandar o coitado para os quintos dos infernos não vai reparar os erros.

— Mas o que ele fez com a mulher...

— Os atos, quando inconscientes...

— Como “inconscientes”? A propaganda contra a AIDS e os métodos de prevenção estão em todos os canais. Eu, que não gosto dessas coisas, me cansei de ver reportagens sobre drogados com a doença. Você não se lembra do “Fantástico”? E dos artistas, cantores, jogadores de futebol. E aquele astro americano do basquete? Ninguém pode demonstrar tanta ignorância. Pode a pessoa pegar AIDS. Não pode é dizer que não sabia dos riscos.

— Está bem! Assino embaixo. Concordo em gênero, número e caso. Todavia, as nossas pesquisas redundaram em nada.

— Como “em nada”? Se vocês conversaram com a prostituta... Ou foram várias?

— Quatro.

— Como “quatro”? Quem pode afirmar?

— Eles mantêm tudo registrado.

— Não acredito.

— Pergunte a Leonel. Ele estava presente. A dona ou proxeneta, que sei eu, a mandona... Você se lembra daquela novela?...

— Da Globo ou da Manchete?

— Tanto faz. A pessoa que toma conta do bordel nos mostrou, inclusive, atestados médicos, devidamente assinados e identificados, mostrando que os exames de AIDS deram negativo. E com as datas bem recentes. Posteriores à ida do Jeremias.

— E que vocês fizeram?

— Voltamos de mão abanando. Na verdade, fizemos bem mais, mas você não vai acreditar.

— Acreditar em quê?

— Consultamos os espíritos.

— Não acredito!

— Eu não disse? As mensagens estão no escritório.

— Estavam.

— Como assim?

— Queimei. Percebi logo que eram coisas do demo.

— Então você leu?

— Tinha uma poesia e algumas folhas. Li por cima. Achei que eram profundos engodamentos. Não levei a sério.

— Você percebeu que a poesia formava uma frase com as iniciais?

— Que frase?

— AIDS, amor com dor.

— Não vi nada disso.

— Pois era como o protetor, o mensageiro queria que víssemos essa doença.

— Agora já foi.

— Não faz mal. Eu acho que da poesia existe cópia. Das mensagens é que não temos. Mas, também, não tem importância. O essencial é saber que os fatos serão esclarecidos de maneira natural.



Dolores havia desejado queimar as folhas em acesso de cólera. Depois que Fernando saiu, passou boa parte do tempo providenciando a acomodação das coisas na casa. Fez remanejamento de móveis. Queria dar outra feição aos cômodos. Pensava em renovar a decoração. Ao adentrar o escritório, soou o telefone. Era Rute avisando do resultado do exame da irmã. Pedia cautela. Que não divulgasse. Desligado o telefone, Dolores teve longa crise de choro. Passou-lhe pela lembrança tudo o que envolvera Jeremias e Fernando nos últimos tempos. Viu a mão do diabo a manipular os cordéis desse destino de sexo e de irresponsabilidade. Apanhou os papéis de sobre a mesa, amarrotou-os e jogou-os no cesto. Sem ler. Depois trancou-se no quarto. Fugia da vista de Letícia e da arrumadeira. O que lhes dizer a respeito dos sentimentos? Tinha de manter segredo. Mais calma, voltou ao escritório. Arrependia-se de ter jogado fora os papéis. E se eram importantes? Retirou-os do cesto e os leu. Não inteiramente, que as letras se embaralhavam e os pensamentos se perdiam. Ao notar o nome de Roque e de Tia Ana, compreendeu a origem deles. Ficou um tempo sem ação. Notou que havia uma poesia. Leu-a, sem entender direito os dizeres. Não que as palavras fossem difíceis. A vista é que obscurecia. Dobrou as folhas cuidadosamente. Guardou-as no meio de um livro.

“Vamos ver que valor isto tem para o infeliz. Vou dizer que queimei. Se me maltratar por causa de uns escritos, mando-o às favas, definitivamente.”



Perante Fernando, achou que tinha sido infantil. A reação dele fora absolutamente consentânea com as promessas que fizera. Nenhuma preocupação. E agora vinha com aquela história de consultar os espíritos.

— Querida, em que pensa?

— Acho que você deve estar ficando louco.

— Também cheguei a pensar assim. Agora sei que não estou. Mais ainda, sinto-me muito bem de saúde e de cabeça.

Nisso tilintou o telefone. Era Leonel. Queria que fossem à casa de Maria. Era preciso uma reunião de família. A pedido dela.

— Como ela está?

— Está enfrentando muito bem. A doença não se desenvolveu. Os médicos disseram que isso pode demorar até vinte anos. Ou mais. Basta ter cuidado. Nós sabemos que tudo é muito misterioso. A verdade é que ela está bem. Mas algo a preocupa muito. Quando soube o que fizemos para alcançar as informações, interessou-se. Quer pôr as coisas em pratos limpos. Estou em casa. Rute e eu vamos sair já. Se vocês puderem ir, nos encontraremos lá.

— Está bem. Mas não temos muito o que dizer.

— Acho que aqueles papéis da reunião poderão ajudar.

— Dolores ateou fogo neles.

— E agora?

— Vá pensando nos dizeres. O importante para mim é o que eu me lembro da visão do Jeremias. Isso poderá trazer tranqüilidade. E a recomendação de tomar conta dos filhos.

— Isso mesmo. Vai dar certo conforto. Se ela entender que os espíritos sobrevivem à morte...

— A sua opinião vai pesar na balança. Um materialista convertido...

— É isso aí. Pelo menos, se Rute ficar mais sossegada, vai ser muito bom. Se não aceitarem, nós vamos insistir em apertar o Joaquim para fornecer outros endereços. Que acha?

— O principal é atendê-la. É ela que deseja nossa presença.

— Até logo mais.

Dolores ouviu toda a conversa na extensão. Estava boquiaberta:

— Quer dizer que Leonel entrou na de vocês?

— Ele foi à sessão.

— E não saiu de lá debochando?

— Saiu impressionado. Jeremias mandou dizer-lhe que a promessa estava paga.

— Que promessa?

— No carro, eu ponho você a par de tudo. Vamos embora.

Ao descerem, diante da casa de Maria, Dolores já estava propensa a devolver as folhas. Antes, pretendia lê-las com atenção. Queria deslindar a malícia embutida nas palavras, nas frases. Mas se decidira a devolver. Quem deveria queimar os papéis era Fernando. Isso ela queria ver.

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