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cronicas-->Medo do desconhecido -- 26/10/2001 - 11:21 (maria da graça almeida) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Medo do desconhecido

maria da graça almeida

Por medo do desconhecido, temendo encarar o novo,
com respeito à rigidez dos hábitos antigos,
Feliciano morria de medo de morrer.
Driblava a morte de todas as maneiras.
Precauções não faltavam.
O armário do banheiro mais parecia uma farmácia.
Se o infeliz espirrasse, um espirrinho de nada,
corria e: vitamina C, chá de alho, escalda pés,
inalação e por aí afora.
Para atravessar a rua olhava de lá pra cá,
daqui pra lá, que quase caía de tanta zonzeira.
De carro não viajava:
- Deus me livre! E se,de repente, estoura um pneu...
De avião nem pensar:
- Não sou doido! Despencando, não sobra ninguém...
De trem, nem de pileque:
- E se o bicho descarrila?
De navio só se de vez perdesse o juízo:
- Não sei nadar!
Também pudera, jamais vira o mar,
entrara numa piscina ou se aproximara de um rio.
Nunca subira num cavalo, triciclo ou bicicleta:
- Às vezes, um tombinho de nada, mata...

Não dormia sob quadros ou prateleiras:
- Vai que me esmaguem a cabeça...
O gelado não tomava, nem pensar:
-Uma laringite pode virar
um reumatismo infeccioso,
que pode atacar o coração!
O quente, também não:
- Se pego algum vento, me entorta a boca!
Mesmo com o calor da cidade
-norte do São Paulo -após o banho,
vestia o casaquinho marrom e saía
-só depois de um bom tempo, é claro- suando
que dava dó!
- Tenho de fazer hora para a devida ambientação
do corpo, ora...
Todos os dias, lia e relia o obituário.
Fazia cálculos. Se um defunto tivesse
a mesma idade que a dele, não havia jeito,
já se punha a sofrer dos males que levaram
o pobre ao óbito.
Durante as chuvas, padecia, o coitado,
com o terço nas mãos, andava pela casa feito alma
penada! Orava e acendia palmas bentas, suplicando
a Deus, que o livrasse dos raios. E a cada clarão,
gemia pelos cantos.

Numa noite, durante um sonho, viu-se morto.
Surpreso, nem lhe pareceu um pesadelo. Achou lindo
o lugar. Tudo tranquilo, não havia novidade, doença,
acidente, violência. E mesmo que houvesse,
não os temeria, já estava morto.
O novo deixou de ser novo. O novo estava dominado,
ali, exposto, sem mistério.
Ficou encantado com a idéia de viver a morte,
sem o constante medo da morte em vida.
Adorou a experiência:
- Morrer é bom!
No dia seguinte, ao acordar demorou-se um pouco
mais para sair da cama. Lembrou-se do sonho
e concluiu que não tinha motivos para temer
a novidade da morte.
Constatou que já perdera boa parte da vida,
fugindo de tudo e de todos que pudessem levá-lo
até a ela!
- Que bobagem! Doravante, viajarei de carro,
trem, navio e avião; vou andar nu,
descalço, de patins e bicicleta; tomar chuva,
gelado e quente; dormir sob coqueiros carregados
de grandes cocos...enfim, viverei... farei tudo
o que até hoje não tive coragem! Acabo de nascer!
E, sem compromisso com os antigos cuidados,
liberto, saltou da cama.
Seu pé deslizou pelo macio do tapete .
Feliciano escorrega, cai num baque surdo, bate,
fortemente, a cabeça na quina da penteadeira.
A queda foi-lhe fatal!
Morreu! Ali mesmo, em sua mesmice. No mesmo chão,
no mesmo quarto, na mesma hora onde, tardiamente,
acabara de nascer!

maria da graça almeida

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