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Roteiro_de_Filme_ou_Novela-->50. DIRETRIZES DE VIDA -- 12/07/2002 - 08:07 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

O velho Correia sentia-se necessário. Isaura lhe havia dito que os médicos do convênio estavam questionando a validade do tratamento da AIDS. Não desejaria ver a filha em apuros. Dera-lhe educação esmerada. E aos outros sete filhos. Mas a influência da mãe levara as mulheres aos pés do altar. Ao roçagar das batinas. E a moda atual tornava os sacerdotes homens, antes de ungidos pela Igreja. Fanatizaram-se. Maria mais que as outras duas. Rute sofrera a forte resistência de Leonel. Aninha arrastara o marido à sacristia, mas os embates da vida a tinham feito optar por manter-se afastada dos templos. O marido ficara, atraído pelas magnificências dos cultos.

Decidira-se por ajudar a filha, quando a esposa viera procurá-lo. Ao adentrar a sala, ouviu a dolorosíssima confissão.

“Quanto sofrimento! Quanta coragem não será preciso! Minha pobre menina desajuizada!”

— Papai, perdão! Pelo amor de Deus!

A mãe recuara para o corredor. Não tendo forças para agüentar-se de pé, apoiou-se na parede e resvalou até o chão. E lá quedou, sem que ninguém percebesse. Morta de vergonha. Mulher de princípios, nunca chegara tão perto do pecado. De repente, o luto invade todas as almas da família.

Ajoelhada aos pés do pai, Maria era a expressão do remorso.

— Minha menina! Minha menina! — repetia o velho comerciante, entre censurando e se condoendo. — Que você foi fazer de sua vida?!

— Perdoa, pai, pelo amor de Deus!

— Que posso fazer perante a força dos acontecimentos? Abaixo a cabeça e aceito os desígnios de Deus. Em sua santa misericórdia, há de nos esclarecer a mente e o coração, para enfrentarmos a luta que se avizinha. Tenha fé, minha filha, que iremos vencer todos os infortúnios juntos.

— Perdão, pai!

Súbito, ouve-se Rute clamar por socorro:

— Acudam que mamãe não está bem!

Dolores assumiu a frente dos demais e recolheu a cabeça de Isaura ao colo.

— Tragam água! Ela está consciente.

Leonel chegou com o copo. A custo fizeram-na beber dois ou três pequenos goles.

A criadagem, alvoroçada, assomou à porta. Não fora nada. Ficassem calmos. Dona Isaura é que tivera ligeiro desmaio. Nada lhes havia sido comunicado a respeito da doença do casal, mas corria, à boca pequena, que o patrão contraíra aquela grave infecção...

Correia amparou a mulher e, juntamente com Rute, a levou para o quarto.

— Dolores, por favor, fique com ela. Você também.

— Vamos chamar um médico?

— Chamem o Doutor Venâncio. Acho que vai ser preciso, para melhorar o ânimo de todos.

Correia, à vista dos atropelos emocionais, punha em ordem os pensamentos. Nunca fora homem de se sentir derrotado, desde os tempos em que principiara a luta pela vida. Fizera-se sozinho, a partir de minguada ajuda paterna. Aprendeu a curtir o couro. Desenvolveu os negócios. Dizia que o couro da clientela era mais fácil de amaciar. Enriqueceu. Estendeu rede de lojas, vendendo o que produzia na fábrica. Ampliou o sistema. Criou os animais, elegendo as melhores raças para as diferentes peças. Tornou-se fornecedor muito poderoso no mercado. E respeitado. Mas jamais se deixou envolver pela ganância. Não se prendeu à glória material. Naquele momento da vida, gozava de merecida aposentadoria, tendo passado o gerenciamento das empresas aos quatro filhos homens. Sustentava-se por polpuda conta bancária. Temente a Deus, a seu modo, recolhia-se em oração, sempre que algo exigisse condensação de energias emocionais. Abatera-se demais com a morte do genro, desconfiando do pior para a filha. E para os netos. A revelação do adultério era simples corolário de dor.

Voltando à sala, encontrou Maria entregue ao consolo do cunhado. Fernando mantinha-se afastado, olhar absorto, perdido no verde do jardim, atrás da vidraça.

— Vamos organizar os pensamentos. Sente-se como gente, Maria, e encare a situação que você mesma criou.

— Pai...

— Preste atenção! Não quero nenhuma luta judicial. Todas as despesas, eu cubro. Vamos resguardar o bom nome da família. Espero que todos tenham a decência de manter segredo absoluto. Você vai se cuidar, porque precisa terminar de criar os filhos. Queria tomar conta das empresas. Pois é isso que irá fazer. Com ou sem aquele Joaquim, que me está atravessado na garganta. Se eu fosse deixar o curtume nas mãos... Mas não importa. Você vai enfrentar o trabalho, para não ficar pensando bobagens.

— “Seu” Lucas, por favor, não se mortifique tanto. Vai acabar doente.

Leonel estava preocupado com o sogro. Via-lhe o esforço. Temia pelo coração.

— Não interrompa, por favor. Se quiser ajudar, localize o padreco sem-vergonha e avise-o da doença. É uma questão de boa vontade e de amor humanitário. Na verdade, Deus saberá para onde mandá-lo.

— Faremos o possível, Fernando e eu. Pode contar conosco.

— Pois aí está o que quero que aconteça. Se alguém não estiver de acordo, que se manifeste.

Nem Leonel nem, muito menos, Fernando estavam preparados para enfrentar os raciocínios lúcidos do velho. Teriam o que dizer. Mas, e a coragem, diante de tanta clarividência?

Leonel recobrara o sangue-frio. Pensava em que Maria poderia ter passado a doença ao marido e não vice-versa, como haviam suspeitado. Tratar de semelhante assunto seria inoportuno. Era preciso acalmar o ambiente.

Fernando tranqüilizara-se com as orações. Entretanto, os pensamentos voluteavam-lhe pela mente, como faíscas elétricas. Lembrava-se da mensagem mediúnica. Da linha de duas pontas. O carretel estava realmente do outro lado. Os dizeres não lhe vinham nítidos. Apenas a idéia de que haviam prometido para breve a elucidação do caso e a revelação da origem da doença de Jeremias. E esse coitado, será que tomara conhecimento da traição da esposa? Por certo, não presenciara aquela cena deprimente. Os protetores o teriam resguardado. E Timóteo, honrado pelo convite da Arquidiocese, teria feito os exames de sangue, ao conhecer a causa da morte do paroquiano? Estaria a par de que era portador do vírus? Em sua febre por estabilizar as idéias, no controle natural da razão sobre as emoções, não punha adjetivos no erro substantivo daquelas criaturas. Esquecia-se de acoimá-los disto ou daquilo e surpreendeu-se isento de rancor, quando o velho Lucas chamou o sacerdote de “sem-vergonha”. Parecia-lhe que era mais uma alma a ser conduzida para a senda da verdade evangélica. Nada mais. Trabalho de socorrismo espiritual, sobretudo.

Interrompeu-se o pesado silêncio pelo aviso de que o Doutor Venâncio havia chegado.

Imediatamente, foi introduzido ao quarto em que jazia inerme a paciente. Após os exames de pulso, avaliou que não era para temer-se o desmaio. Receitou. Conhecido antigo dos Correias, ficou impressionado com a aparência da viúva.

“Quanto não deve estar sofrendo a morte do marido!”

Fez que Maria também passasse por exame. Achou-a debilitada. Receitou e prometeu voltar, se chamado.

— Espero as duas, amanhã, no meu consultório. Vamos deixar de lado um pouco esse negócio de planos de saúde. Vocês têm dinheiro para pagar meus modestos honorários.

Correia, atento ao desenvolvimento das idéias, acrescentou:

— Doutor, faço questão de levá-las. Daqui por diante, o Senhor é quem irá tratar da saúde da família. Como fazemos para marcar as consultas?

— Vou reservar um horário livre. Nestes tempos de convênios, estou ficando às moscas, velho demais para esse tipo de aventura. Não sei por que não me aposentei. De qualquer forma, eu mesmo ligo para cá.

— Muito obrigado, Doutor!

Enquanto Correia preenchia o cheque, Venâncio instruía a empregada que iria até a farmácia buscar os medicamentos. Era preciso que viesse o farmacêutico para as injeções. Mas tudo seria feito com máxima boa vontade. Com as receitas na mão, era possível saber o que desesperava a família.

Entrementes, Rute viera buscar Maria. A mãe queria abraçá-la. Que não lhe pesasse na consciência também o seu desfalecimento. A tragédia, a verdadeira tragédia, estava correndo-lhe pelas veias. O mais era confiar em que o Pai saberia administrar o destino de todas as criaturas.

Enquanto mãe e filha se abraçavam, em choro convulso, Dolores retirava-se do quarto. Precisava de ar. Tinha de ordenar os pensamentos. Estava abaladíssima. Quase não acreditava no que ouvira. Timóteo com Maria!

“Meu Deus! Este mundo está perdido!” — era só o que repetia, em monólogo imperceptível.

Na sala, tomou um resto de café frio. Mecanicamente.

Fernando aproximou-se, fazendo menção de acariciá-la. Foi rejeitado com gesto rápido dos braços. Percebeu que não era hora para expansões. Haveriam de cuidar dos que sofriam.

— Não temos mais o que fazer aqui. Vamos embora!

Dolores estava impositiva.

Fernando olhou as horas. Deveria correr para a loja, para atender ao fechamento. Lembrou-se de que pedira ao gerente para esperá-lo, caso não chegasse até às seis. Mas daria tempo. Combinou com Leonel que conversariam no dia seguinte. Despediu-se de Correia. E saíram, sem dizer adeus às senhoras.

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