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Roteiro_de_Filme_ou_Novela-->53. TRANSFORMAÇÕES FUNDAMENTAIS -- 15/07/2002 - 05:36 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Não se lembrava Fernando, quando acordou, de ter passado noite mais feliz e mais tranqüila. Mas preocupava-se com o nível de sua ignorância das intimidades da mulher. Tinha praticado o ato sexual encaminhado por ela, mas, tecnicamente, sentia que havia deixado a desejar. Sublimaram-lhe convenientemente a “incompetência” (conforme lhe marcara a expressão de Dolores) o amor e o desejo de vê-la feliz.

— Até quando, meu Deus, irei levar avante este relacionamento parcial, manco em diversos aspectos importantes?

Não sabia definir quais os desejos da esposa que precisaria satisfazer. Nem compreendia quais os que deveria abolir, mediante franca exposição dos pontos psíquicos debilitados por tantos anos de insubsistência matrimonial. Sabia, somente, que deveria orar com muita devoção, para não perder jamais o amparo dos protetores. Eles, sim, poderiam indicar-lhe os melhores caminhos.

— Se estou tremendamente preocupado com a falta de educação sexual, ou me inscrevo em curso do tipo daqueles de preparação nupcial (e não tenho idade para isso), ou compro livro ou fita de vídeo que me esclareçam.

0 Lembrou-se que tivera em mãos, na infância, grosso volume que lhe fora arrebatado pelo pai. Vira figuras e contara ao padre, que lhe proibiu que voltasse a tocar em semelhante obra. No colégio, os amigos levavam revistas pornográficas. Fugia deles e delas. Temia o confessor.

— Reconheço que fui um boçal. Não precisava ser tão carola, santo Deus! Eles transferiram, esses padres ignorantes, para minha cabeça, os seus preconceitos medievais. Por que fui deixar-me dominar tão amplamente? Agora as coisas me parecem extraordinariamente claras e simples. Se existe ato natural do corpo coordenado pela mente, o sexo é esse ato, sem dúvida. No entanto, o temor de ofender a Deus, de ir para o Inferno...

Perdia-se nas conjecturas, quando Dolores veio avisá-lo de que estava na hora de levantar:

— Querido, o café está na mesa. Vamos que Letícia está preocupada com que tudo dê certo. Você não vai demorar no banho?

Inquiriu a sugerir que precisava lavar-se, realmente.

— Venha cá, me dê um beijo.

Dolores não regateou a carícia. Estava felicíssima.

O café foi compartilhado em extrema solidariedade afetiva. Era como se cada qual vigiasse que o companheiro se servisse o melhor possível. Entretanto, Fernando pensava em que tudo se dava no plano material. Em sua mente, formou-se pensamento avesso:

“Cuidado, que as demonstrações entre os encarnados só se dão no plano material. Qualquer atitude há de se concretizar no tempo e no espaço, mesmo que simples enunciações de pensamentos. Mesmo que simples enunciações de pensamentos. Mesmo que...”



Ao chegar à loja, foi logo inteirando-se do movimento dos últimos dias. Desleixara e agora queria tomar pé de todas as situações. Deu imenso trabalho ao gerente. Estava minuciosíssimo.

Ligou para João. Falava com desembaraço e pedia esclarecimentos sobre todas as contas. Queria saber se podia liqüidar os negócios para fechar a loja. Surpresa das surpresas.

— Mas, “Seu” Fernando, agora que as coisas estão indo tão bem!

— Não quero destinar os anos restantes de minha vida ao comércio. Quero fazer algo mais importante. Menor. Que possa reconhecer que seja só meu. Fruto de esforço pessoal.

— Mas o Senhor tem trabalhado para a sociedade, amparado os empregados e suas famílias.

— Não estou feliz. Gostaria de diversificar.

— Está com algum projeto? Tem alguma preferência?

João estava ficando inconsolável. Tanto trabalho para pôr a firma em dia com o fisco, para limpar os resíduos da imoralidade contábil.

— Não pensei em absolutamente nada. Dolores ameaçou deixar-me, o que me revelou a fragilidade dos negócios. Quero algo mais substancioso. Não sei ainda. Uma espécie de sociedade anônima. Uma fundação. Algo que não se desmanche na falta do proprietário. Que não caia nas mãos dos papalvos...

João suspeitou de que achara o fio da meada:

— Como no caso dos negócios do Jeremias?

— Não, caro amigo. O Jeremias deixou quem possa levar-lhe as empresas com sucesso. Os filhos estão no ramo. Não deverá passar muito tempo para que assumam o comando. Ouça o que estou dizendo. Eu é que não me estou sentindo seguro. Este meu setor é absorvente demais e eu gostaria de ficar mais livre.

— Pode abrir espaço para a entrada de sócios com capital. Se estiver com sorte e topar com gente boa, a direção passará para mãos interessadas. Basta manter o controle acionário. Não quer que vá até aí para deliberarmos mais confortavelmente?

— Venha mesmo. Enquanto isso, vou pensar na sua proposta. Talvez o Leonel queira associar-se. Vamos ver. Quando você poderá vir?

— Estou saindo.

— Ótimo!

Enquanto esperava pelo contabilista e amigo, Fernando punha em prática o projeto de melhoria do desempenho sexual.

— Quem, como João nos negócios, poderá auxiliar-me?

Vasculha que vasculha a memória, não encontrou pessoa do relacionamento que pudesse encaminhá-lo. Pegou a lista telefônica:

— Páginas amarelas, claro! Livrarias.

Havia um endereço bem perto. Inquiriu sobre as obras mais adequadas. O vendedor indicou-lhe três. Queria encomendar. Em menos de uma hora, estaria recebendo. Ficou contente.

— Eis que a telefonia (e o dinheiro) resolvem oitenta por cento dos problemas modernos.

Achou caro. Comparou com os preços dos livros de Kardec. Não havia termo de comparação. Estes pareciam de graça. Ligou uma coisa à outra. E para a educação espiritual, sua e de Dolores, como é que procederia? Que teriam para dizer os benfeitores? Na mente, só lhe passavam idéias de dar tempo ao tempo, de não precipitação, de não ir com muita sede ao pote, porque o futuro é o resultado da soma dos pequeninos esforços de um presente que se perpetua.

Estava feliz com as idéias que lhe vinham. Sabia que estava recebendo vibrações sutis. Conversava intimamente. E o fazia com total serenidade. Sem medo. Sem culpa. Convicto de que, se pensasse errado, seria elucidado. Bastava ter boa vontade para consigo mesmo. Bastava ser piedoso.

João e os livros chegaram juntos, como a anunciar que a vida espiritual e a material devessem correr em harmonia.



Entrementes, Dolores punha em ordem os sentimentos. Analisava, principalmente, aquela noite, única em sua vida. Jamais desconfiara de que pudesse ser estimulada ao paroxismo pelo marido. Sofrera com sua inépcia durante anos. Fora culpada. Os pensamentos corriam pelos mesmos trilhos dos de Fernando. Culpava a Igreja. Refletia melhor. Punha a culpa mais nos padres. Depois volvia a suspeitar de que fora ingênua. Em criança, estava certo que deveria seguir os conselhos. Mas depois de casada? Perdia-se em conjecturas de outra ordem.

“Será que todo o prazer que senti, Maria também sentiu com Timóteo?”

Enfrentava o mau pensamento. Em outras épocas, uma semana antes, dois dias atrás, teria rejeitado a idéia por ofensiva aos bons princípios religiosos, por pecaminosa, por conduzi-la ao Inferno. Eram pensamentos que deveria confessar. Agora, à vista dos sucessos da noite, desanuviava a mente para a verdade dos relacionamentos humanos.

Lembrava-se das conversas entre as mulheres. Sentia que a malícia embutida em certas frases sempre lhe fizera muito mal. Às vezes, dera trela aos pecadilhos da maledicência. Mas se arrependia. E se confessava. Prometia que não repetiria. Recordava-se da promessa. Fugia das palestras cochichadas. Gostava de tagarelar com Maria. Tinham os mesmos objetivos. Furtavam-se aos temas escabrosos. Simples anedotário não lhes causava o mínimo riso. Projetavam atividades beneficentes. Faziam o bem. E não olhavam a quem.

— Terá Maria condições de volver à mesma vida? Será que poderá prosear sobre os temas do corriqueiro? Com a AIDS correndo-lhe com o sangue? Com o remorso a fustigar-lhe a consciência? Duvido.

O que Dolores queria saber era se a amiga gostava mais de Jeremias que de Timóteo. Não concordava com a tese do marido de que o ato físico não interfere nos sentimentos.

— Quem se dá para a prática sexual tem de se dar integralmente. A menos que haja sofrimento, desinformação, incapacidade, frieza...

Perturbava-se nesse ponto. Sempre se considerara frígida. Naquela noite tudo se transformara. Tinha de se habituar com as novidades. Tinha de fazer valer para si a felicidade que sentira. Tinha de fixar princípio de vida em que o marido deixava de ser quem lhe dava o sustento social, na gula das ostentações. Tinha de fazer dele o companheiro de ideais sublimes. Precisava entrar com ele no Paraíso, do mesmo jeito que saíra da igreja para a vida. Que não soubera respeitar...

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