Cale a boca
maria da graça almeida
Administro as urgências da vida sem pressa, com preguiça, sem ganas, sem maiores expectativas. Enfim...o que sei eu de urgência? Talvez possa hoje falar somente da que vejo com relação à carência dos idosos: a de poder falar livremente.
Quem os ouviria? A quem se reportariam ? Quase todos são calados... Salvo um ou outro desavisado, ou com reduzida percepção.
Os filhos são os grandes responsáveis por essa mudez. O “cale a boca” filial muitas vezes não é transmitido pelo dito escancarado, mas por gestos duros, ou por olhos que ameaçam velada ou abertamente.
O idoso queda-se discreto e medroso, antes de proferir uma opinião, uma consideração, antes da tentativa de um relato de memórias.
Seu olhar derrama lampejos de indecisão, raios de medo, pedidos de licença. É desolador constatar que sua vivência e certeza são tão pouco valorizadas e aproveitadas.
Quando o indivíduo torna-se detentor do conhecimento que o tempo lhe conferiu, menos ouvido e acreditado será.
Depois de sua partida, certamente haverá a corrida aos seus guardados onde um rabisco, um escrito inda possam resgatar uma nesga de sabedoria, um caminho já experimentado.
É a esperança última de encontrar a sobra da palavra reprimida pela mordaça, que soberana imperou.
Aí, de nada adiantará a urgência. Perdeu-se a oportunidade do treino da cumplicidade, do carinho, da adição.
Aí, lágrima nenhuma dará jeito, tampouco livrará o peito da dor do arrependimento e do desperdício do tempo da aprendizagem através da linguagem do amor.
Os idosos não se calam por opção, nem pela própria velhice, são calados pela impaciência daqueles a quem, um dia, eles mesmos ensinaram a falar.
Nota:
Ontem, no supermercado, deparei-me com a filha a gritar com a mãe idosa.
Olhou para mim, pedindo aprovação e disse-me:
-Olhe aí, minha mãe parece criança.
Irritada, respondi-lhe:
- E, igualmente à criança, merece respeito.
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