Benevolência sazonal
maria da graça almeida
Só a saudade boa preenche o vazio da ternura e do enlevo.
Ao chegar o final do ano, certa coisinha desagradável dentro mim vai fazendo um furo fino e fundo. É uma tristeza dolorida a contundir-me, ou uma vontade de chorar repentina. É a dor da saudade má, a que fere, machuca, a que, impiedosa, irrompe e deixa na alma um certo amargor.
É a distância da infância, a saudade dos meus pais, a irreversibilidade do passado, a certeza da finitude humana, o fim das belas histórias.
É, na verdade, o medo do que inda virá. No próximo Natal haverá ausências? Será este o último?
Um friozinho incômodo percorre-me a espinha e o peito.
As mensagens jorram. Há um otimismo coletivo, uma receita aqui, uma recomendação ali, um modelo eficaz de ser feliz, um jeito especial de repentinamente tornar-se bom, como se a proximidade do Natal garantisse transformações definitivas.
Ainda há gente quase boa, as intenções são as melhores, o difícil é colocá-las em prática e ainda mais complicado é transformá-las em ação contínua.
A chegada das festas "santifica”, as pessoas querem melhorar a vida alheia, há uma bondade coletiva, uma generosidade geral. Parece que
o véu da empatia cobre a terra e todos os viventes.
Passado o Revellion, tudo volta ao normal, esquece-se a solidariedade, míngua-se a santidade, extingue-se o cuidado com o próximo.
Que venha então o Natal e que, sem desencanto, eu aprenda a conviver com as resplandecências efêmeras, as cintilações fugazes,
a benevolência sazonal...
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