1 Las palabras agárran-se a las cousas i al tiempo
2 Bénen de tan longe cargadas de bida i sentido
3 Que solo se deixan conhecer por música.
4 Screbir ye poner un maçcarilha que las sconde
5 I las deixa a drumir asperando quien las diga
6 Hai palavras culas alas de l sentido cortadas
7 E quando las dezimos nun son capazes de bolar
8 Nien nós las entendemos
9 Porque andamos culhas ne l bolso
10 Como cachico de bida que quedou agarrado a um retrato.
11 Las palabras ténen bilhete d’eidentidade
12 I certidón de nacimiento:
13 Hai que antrar an casa deilhas ua por ua
14 Çcubrir l que tén andrento
15 I stendé-las a la jinela cumo mantas an manhana de San Juan.
II - TRADUÇÃO DO POEMA, DE MIRANDÊS
PARA A LÍNGUA PORTUGUESA
Tradução de João Ferreira
O ENTRUDO DAS PALAVRAS
As palavras agarram-se às coisas e ao tempo
Vêm de tão longe carregadas de vida e de sentido
Que só se deixam conhecer por música.
Escrever é pôr uma máscara que as esconde
E as deixa a dormir esperando quem as diga.
Há palavras cujas asas do sentido são cortadas
E quando as dizemos não somos capazes de voar
Nem nós as entendemos
Porque andamos com elas no bolso
Como cachico de vida que ficou agarrado ao retrato.
As palavras têm bilhete de identidade
E certidão de nascimento
Há que entrar em casa delas uma por uma
Descobrir o que têm dentro
E estendê-las à janela como mantas em manhã de S. João.
(Do livro “Cebadeiros”, da autoria de Fracisco Niebro. Porto: Campo das Letras, 2002)
NOTA BIOBIBLIOGRÁFICA E LITERÁRIA
1. O POEMA
É um poema sugestivo, cantante, rítmico e cheio de sentido, originariamente escrito e publicado em língua mirandesa. Seu autor é um bom poeta. No conjunto, esse poema é uma representação do ritmo e da sonoridade do mirandês. Ele dá-nos, em seu conjunto, a dinâmica oralizante de uma nova língua, já reconhecida em Portugal, por decreto.
A Língua mirandesa é uma língua falada no Nordeste Português, mais propriamente no concelho ou município de Miranda do Douro e em algumas aldeias do Concelho de Vimioso e em Sendim.
2. O AUTOR
O autor deste poema é Fracisco Niebro, pseudônimo de “um mirandês de cinqüenta anos”, como ele próprio diz. Como reza a orelha de seu livro Cebadeiro, Niebro exerce hoje as funções de Assistente na Faculdade de Direito de Lisboa. Escreve em mirandês desde 1975. É autor da peça de teatro “Oubreiros i camponeses”, representada em Sendim e transmitida pela Rádio e Televisão Portuguesa. Tem-se envolvido em todas as ações que dizem respeito ao desenvolvimento do estudo do mirandês, desde a Convenção ortográfica da Língua Mirandesa, até ao ensino do mirandês.
Sua obra deve ser louvada. A nós compete aguardar mais volumes e mais obras publicadas e maior desenvolvimento desta novata língua que aparece agora, além de oralizada, também escrita, lá no Nordeste de Portugal, mais especificamente no distrito de Bragança.