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Contos-->6. A ESTRELA DE DAVI -- 10/04/2002 - 06:17 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Conhecido médium meditava profundamente a respeito das influenciações espirituais vindas do espaço sideral, ou seja, de como, em interminável fieira de espíritos, pudesse descer do mais alto a necessária caracterização física e mental dos seres que se veriam às voltas com nova encarnação. Imaginou, então, que haveria linhas demarcadas para a contextura da nova organização psíquica, sendo responsável cada agrupamento de espíritos por determinado setor da personalidade moral do homem. Quanto ao físico, adaptar-se-ia rigorosamente às necessidades cármicas, de modo que caberia a outra organização espiritual cuidar de aperfeiçoar a estrutura corpórea, em função do desempenho que seria determinado ao elemento cumprir.

Ora, pensando estar refletindo o ideal evangélico, sentiu-se no direito de desenhar figura emblemática em que se liam as principais diretrizes. Meditou, refletiu, revirou na cama à noite, levantou-se de madrugada e esboçou o desenho que completaria no dia seguinte, sob influenciação dos guias espirituais.

De fato, ao predispor-se ao trabalho mediúnico de todo dia, foi-lhe possível dar o acabamento ao trabalho iniciado, pensando ter elaborado obra de profunda veracidade espiritual, sob o influxo energético de seus guias.

Diante da obra acabada, o ufanoso irmãozinho acreditou estar com a chave do universo. Sairia pelo mundo apregoando a verdade transcendental de seu trabalho, crente de que os povos se ajoelhariam perante a revelação fulgurante que sua mediunidade conseguira captar.

A primeira decepção se deu ao oferecer à digna esposa a amostragem do primeiro tentâmen. Examinou ela a configuração incompleta, considerou-a interessante e maior valor não lhe emprestou. O dedicado mediador dos planos, no entanto, não arrefeceu do impulso inicial e, após o término do trabalho, como acima se demonstra, voltou a pedir a opinião à cara consorte. Desta vez a desilusão foi maior, pois não só desconversou, como, instada, disse que tudo que ali se registrava se encontrava plenamente desenvolvido em diversas obras espiritualistas, especialmente naquelas que visavam a esclarecer os ensinamentos cristãos.

Aturdido com essa primeira reação, o pobre e decepcionado senhor não encontrou suficientes razões para dar a conhecimento público o elaborado trabalho e passou a meditar mais profundamente a respeito dos argumentos que poderia juntar ao contexto iconográfico, de molde a facilitar a compreensão dele pelos companheiros. Imaginou, em primeiro lugar, dar cores à estrela, produzindo efeito visual que pudesse maravilhar o público e instigá-lo a interessar-se pelo conteúdo. Achou pouco e entreteceu alguns conhecimentos que possuía a respeito do espiritismo, com o intuito de estabelecer conexão que evidenciasse a importância da composição figurativa.

Desde logo, lembrou-se da idéia de que as pessoas propendem para este ou aquele setor da atividade humana, segundo estejam necessitadas mais desta ou daquela aquisição moral. Visualizou a estrela a ser impressa em cada ser humano a encarnar-se, de modo que para alguns se leriam mais nitidamente as palavras trabalho e justiça, para outros sentimento e perdão, sendo que alguns poucos apaniguados teriam impressos todos os caracteres.

“Não é à toa”, pensou, “que se diz que as pessoas de grande fortuna e de extraordinária felicidade nasceram com a estrela na testa.”

Imaginou ainda mais, ou seja, que os seres da espiritualidade superior descessem energeticamente à Terra, na forma de linhas de influenciação como as do candomblé, o que daria foros de verdade à sua concepção. Teria do seu lado importante segmento social, embora, de pronto, eliminasse a possibilidade de contatar tais entidades, uma vez que se dedicava à intermediação seletiva dos seres espirituais, por via do kardecismo mais puro.

Armado de tais argumentos e tendo mandado imprimir o desenho da estrela em cara e perfeita editoração, pôs-se a percorrer os diversos centros espíritas, na tentativa de convencer os amigos a adquirirem o quadro, para fixarem-no em local de destaque nas sedes de reuniões. Alguns amigos mais chegados, para incentivá-lo, resolveram desembolsar a quantia pedida, aliás justa e honesta, mas sem prometer dar à tela qualquer destaque; no máximo, guardariam nos gabinetes de estudo ou dependurariam em alguma parede das oficinas de trabalho.

O caro confrade não desanimou de todo, primeiro porque desconfiava de que os colegas não tinham compreendido com sabedoria o teor da mensagem ali registrada; depois, por ter percebido neles certo frisson de ciumeira e inveja; terceiro, por estarem por demais envolvidos com tarefas rotineiras e absolutamente materiais para atentarem para os valores morais; por último, porque havia a necessidade de recuperar as economias esvaídas pela editoração.

Pôs-se a procurar as pessoas indicadas pelos amigos. Estas já opunham certas resistências mais sérias. Queriam explicações a respeito das notações mediúnicas; queriam saber os nomes dos espíritos que lhe haviam inspirado o emblema; queriam sentir segurança em sua exposição. Ao intentar fazer referência às linhas dos orixás da tradição umbandista, sentiu que entrava em terreno perigoso, sendo-lhe imediatamente fechadas as portas dos centros kardecistas. Pouco conseguiu. À vista da quantidade de impressos, recuperou cerca de dois por cento do que despendera.

Começou outra série de desculpas para justificar o fracasso, terminando por acusar, dedo em riste, os próprios companheiros espirituais que costumavam atendê-lo e instruí-lo na psicografia. Achava que deveriam, ao menos, tê-lo informado das dificuldades que encontraria para a divulgação da obra ou, no mínimo, que tivessem tido a comiseração de preveni-lo para que não despendesse tanto dinheiro sem resultado.

Achou que se lamentava em vão e que encontraria, nos irmãos dos terreiros, a compreensão que não obtivera dos parceiros das mesas brancas e partiu à procura das mães e pais de santos. Sua primeira preocupação surgiu de cara, quando lhe pediram para justificar cada linha: a da justiça, a do conhecimento, a do sentimento etc. Deveria dar a cada uma a referência exata ao orixá encarregado de sua realização. Embananou-se todo porque desconhecia a tradição, jamais participara de qualquer trabalho — digamo-lo francamente —, por julgá-los grosseiros e demasiado materialistas e por nunca ter-se interessado realmente pelas realizações doutrinais mais sérias do candomblé. Era mais religião que interpretação da realidade e a complacência para com os crimes e criminosos parecia-lhe ofender os princípios da divina justiça. Em suma, viu-se na contingência ou de adotar as diretrizes dos terreiros ou de afastar-se de lá às pressas, para não ser acoimado de aproveitador e interesseiro.

Imaginou constituir a Ordem da Estrela, organização de caráter espiritual, em que uniria os princípios das tendências místico-religiosas dos umbandistas à respeitabilidade crítica e científica do kardecismo. Procurou alguns amigos, mas deparou-se com séria oposição, compenetrados que estavam das verdades impressas na doutrina espírita. Não desanimou e bateu às portas de diversas instituições de caráter esotérico de estudos espiritualistas, mas em todas encontrou estatutos fundamentados em sistemas rígidos, segundo princípios e filosofias próprias.

Desistiu, por fim, e resolveu arcar com os prejuízos. Acusado pelos filhos de malbaratar os reduzidos recursos que lhe sobraram com as constantes viagens e despesas de locomoção e de correio, viu-se a braços com terrível defecção familiar. Saíra da condição de mero mediador, no intuito de vir a ser considerado luminar de nova era dos conhecimentos espiríticos, e terminava como fracassado pai de família.

Voltou envergonhado ao modesto centro que freqüentava e, plenamente humilhado diante dos companheiros, colocou-se à disposição dos instrutores para a anotação das comunicações. Assim que se pôs a delinear os primeiros traços no papel, incontrolavelmente, a mão passou a desenhar a figura de uma estrela de seis pontas, exatamente igual à que tracejara antes. Os dizeres inscreveram-se mecanicamente e ele viu-se, de novo, frente a frente, com a famigerada realização. Confrangeu-se-lhe o pobre coração e lágrimas brotaram-lhe insofreáveis e tristes. Passou despercebido o fato para os demais, todos entretidos com suas concentrações e intermediações. Os doutrinadores preocupavam-se com as manifestações orais e não perceberam o que ocorria na ala dos psicógrafos.

Desesperava a princípio, mas manteve-se fiel à escritura, pois confiava em que aquele era indício seguro de que alguma mensagem profunda pudesse conter-se naquela atitude inesperada dos amigos do etéreo. Sua mansuetude mental foi glorificada. Aos poucos, serenou-se-lhe a mente e pôde captar mensagem da mais profunda e veemente consolação de seu principal guia e amigo. Ao final de brilhante exposição a respeito dos agravos e desagravos que ocorrem durante os encarnes expiatórios, demonstrou-lhe o bom espírito que estava totalmente preservado das más influenciações e que, se quisesse, para ilustração íntima e pessoal, poderia mandar compor até em metal a figuração da estrela, para com ela percorrer o restante da peregrinação, sem dar-lhe, contudo, qualquer aspecto de amuleto, de fetiche ou de encantamento, mas para lembrá-lo do que lhe ocorrera ao tão insensatamente julgar-se superior aos companheiros, por ter tido o apanágio de receber informações precisas e particulares. É que ele é quem estava necessitado da compreensão que intentou passar aos outros; é que era exclusivamente ele o destinatário daquela sublime mensagem. Que se compenetrasse de cada virtude, de cada conhecimento, de cada vibração energética contida no enigma que se revelava, para tornar a vida mais completa e, realmente, digna de receber as bênçãos do Senhor.

O nosso amigo, ao cabo da sessão, perguntado da mensagem que tão sofregamente anotara e que fora motivo da observação dos demais, resignou-se a dizer que estava voltando ao seio dos irmãos e que, dali por diante, poderiam contar com ele para todas as tarefas que sua capacidade lhe permitisse desempenhar, mas guardou no bolso do paletó, bem juntinho do coração, a maravilhosa mensagem que só a ele dizia respeito, na crença de que, assim fazendo, conseguiria absorver integralmente os ensinos que continha.

Deveras, muito trabalhou seguindo as instruções dos companheiros e atendendo aos reclamos dos necessitados. Brilhou-lhe intensamente a mediunidade, mas todos os textos eram submetidos ao crivo da crítica dos companheiros e vários tiveram o ensejo de merecer publicação e divulgação. A maior parte, contudo, ficava com as pessoas a quem se endereçavam para dar-lhes condições de se instruírem a respeito de seu procedimento.

Amado de todos, revigorado em seu amor-próprio, recuperado para a família e para os amigos, deixou o mundo, em bela tarde de outono, banhando muitos olhos de lágrimas de puro amor e saudade. Recebido foi pelos amigos no etéreo, onde chegou lúcido e compenetrado das obrigações e dos compromissos para com a Divindade. Ali surpresa extrema aguardava por ele: rutilante estrela de Davi fazia-se presente, pairando no ar translúcido, onde o círculo do amor ao centro se fizera tão grande que as pontas do perdão, do trabalho e da caridade já se tinham tornado quase imperceptíveis, ofuscadas pelo clarão da fé e pelo rutilar da esperança. Destacavam-se ainda nítidas as hastes da justiça, do sentimento e do conhecimento, porque estava a entidade desencarnante longe da perfeição, mas o prognóstico que se lia na expressiva homenagem que se lhe prestava era de muito progresso e de muita luz.




Observação



E assim se encerra a história. Pedimos escusar-nos o escrevente pelos recursos de que lançamos mão para a composição do texto, fazendo-o levantar-se de madrugada para o desenho da estrela [que não consegui inserir nesta página] e levando-o a meditar a respeito da estrutura psicológica da personagem de modo lúdico e estimulante. Pedimos, também, para perdoar-nos o atrevimento de tê-lo induzido a comentar a influenciação com a cara esposa, mas, como nos filmes dos primórdios da cinematografia, pode escrever agora:

Se qualquer semelhança for constatada com pessoas vivas e reais, terá sido mera coincidência.
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