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Contos-->12. O MÉDIUM CHORÃO -- 16/04/2002 - 07:00 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

— Quando o médium chora diante de sua pequenez, na expectativa de receber mensagem que lhe parece elevada demais para o estágio moral de que se compenetra, é índice seguro de que seu trabalho frutificará e de que obterá o amparo necessário para progredir e poder, um dia, chorar de novo, mas em agradecimento por ter-se soerguido e merecido ombrear-se com os mestres e protetores. Fique, portanto, tranqüilo, caro amigo, que você está trilhando o caminho certo.

Ananias ouviu a explanação do amigo da espiritualidade, dita através da mediunidade de um dos companheiros e, feliz, enxugou as sinceras lágrimas.

Paulo, entretanto, que nutria com relação ao irmão certo respeito exagerado, para não dizer ciúme e inveja, sentiu-se diminuído por não ter sido apaniguado por nenhuma palavra de conforto, muito embora fosse o que mais largamente desse vazão às lágrimas. Tinha até o apelido carinhoso de Chorão, tanto se emocionava com os dizeres dos guias e protetores ou de qualquer outro espírito que se manifestasse sofredor ou em desajuste doloroso. Mas sua têmpera não havia sido conseguida ainda nas fornalhas das lutas e das dores, pois tudo na vida viera-lhe facilmente, por meio de boa fortuna e de sorte invejável. Ele, sim, tinha vida insofrida, cheia das felicidades mais plenas, quer no sentido material, quer no familiar e mesmo no pessoal, dotado que era de inteligência desenvolvida. Faltava-lhe acrisolar a alma no cadinho das infusões emocionais, mas não se resolvia nunca a acender o fogo purificador.

Naquele momento, as lágrimas voltaram a rolar pelas faces e pôde entrever nas palavras do amigo espiritual o caminho certo que deveria seguir.

À noite, no leito, pôs-se a meditar a respeito dos sucessos mediúnicos e teve forte intuição de que deveria entrar em contacto com seus protetores, diretamente, pois os pressentimentos da sessão estavam firmemente impregnados na mente. Ofereceu-se para transporte e, durante o sono, pôde entrar em contacto com os guias e demais artífices de seu roteiro de vida. Expôs, então, à minudência, o plano de rever os objetivos da vida, para poder estancar as lágrimas de crocodilo que deixava rolar à toa, para transformá-las, se possível, em lágrimas de amor, de confraternização e de agradecimento.

— Caro amigo, disse-lhe o anjo guardião, você tem levado vida fácil em todos os aspectos. Mesmo quando as atividades mediúnicas poderiam exigir-lhe certos sacrifícios, até mesmo nesses momentos você obtém tudo de graça, pois a magnetização lhe é enormemente facilitada, segundo as normas contratuais que estabelecemos. Quer você alterar o rumo da vida. Ponderou bem a respeito dessa decisão, pois o que lhe será oferecido pode representar algo para o que você não vem preparando-se?

— Certamente, irmão. Só o que lhes peço é que as transformações sucedam intimamente, para não serem perturbados os projetos de vida daqueles que subiram comigo à crosta e que de mim dependem para o sucesso de seus encarnes. O que me tem atormentado é saber que as lágrimas não são sinceras e isto está a evidenciar, com toda a clareza, que meus instintos estão muito próximos da animalidade inferior. Capaz fui de absorver toda a teoria espírita e trabalhar procurei com denodo, apesar de nada disso representar qualquer sacrifício para mim. Quero, agora, demonstrar desprendimento, pois tudo o que fiz na vida foi meramente contrabalançar de modo irregular tudo de bom que obtive.

As razões de nosso Paulo foram levadas na devida conta e obteve o favor mui especial de poder recordar-se do sonho, quase inteiramente. Ao acordar, adquiriu a consciência de que iriam acontecer-lhe fatos novos, que o fariam compenetrar-se de que deveria mudar de atitude e de que precisaria corrigir os defeitos morais. Veio-lhe até ao pensamento o fato de que a transformação das lágrimas pudesse ter sido o resultado de inveja e de ciúme, tendo sentido certo calafrio íntimo, por compreender a extensão dos males a serem derrotados. Confiou, entretanto, em que os guias iriam ajudá-lo e ficou atento para as ocorrências do dia.

Mas o tempo foi passando sem grandes alterações. Uma hora chovia, os rios transbordavam, mas as suas propriedades não eram atingidas. Certa feita, houve grande estio, que dizimou vários rebanhos, mas as nascentes de suas fazendas não secaram e pôde vencer o cataclisma sem preocupação. As suas comunicações no centro eram tranqüilas, por mais fosse agressivo o espírito comunicante, sinal evidente que o magnetizador havia trabalhado bem. Os filhos progrediam na escola, a esposa transbordava em carinhos e em amor, os pais serenamente curtiam feliz aposentadoria, os irmãos viam os negócios crescerem e tudo se repetia invariavelmente, sem qualquer perspectiva de que o seu pedido estivesse em vias de ser atendido.

Certa noite, durante sessão bastante conturbada de desobsessão, recebeu a visita de seu instrutor espiritual, que, por seu intermédio, fez longa exposição a respeito dos cuidados que os médiuns deveriam tomar para não se deixarem envolver pelos eflúvios maléficos dos sofredores que não tinham tido oportunidade de aprender os ditames evangélicos. Ouviu-se ele, claramente, a enunciar o nome do desafeto, o amigo Ananias, sendo citado como exemplo de quem havia progredido em sua mediunidade, através do crescimento do domínio sobre os males que o afligiam. Não se tratava, propriamente, de elogio, mas de modelo a ser seguido. Ao perceber que a fala estava sendo direcionada para o louvor ao trabalho do amigo, confrangeu-lhe o coração, mas não sofreou o impulso vibratório, dando fluência à comunicação, embora lamentasse, lá no fundo, que o fato não estivesse ocorrendo ao contrário, mesmo porque, argumentava, a comunicação tivera sido sóbria e sua atitude ajudara a restabelecer o equilíbrio fluídico e magnético dos trabalhos.

Ao final da reunião, os companheiros não pouparam elogios à sua compostura mediúnica, tendo ficado imensamente feliz por ter tido crédito junto aos irmãos encarnados. Faltava-lhe o reconhecimento do plano espiritual.

“Contudo”, refletiu, “devo estar sendo testado, pois não haveria outra razão que justificasse o fato de ter sido eu mesmo o comunicador dos elogios.”

Resguardou-se de ver nas palavras do orientador outra intenção e pôs-se de sobreaviso de que algo havia mudado em seu destino. Certamente, iniciar-se-iam agora as alterações em seu plano de vida.

Mas o tempo não se fez de rogado e foi passando prazerosamente. Paulo continuava derramando lágrimas em abundância, mais por força do hábito do que por sentimentos que o comovessem e perturbassem. Era o Chorão de sempre.

Nesse meio tempo, Ananias desencarnou e o seu êmulo nas reuniões deixou de existir. Ele mesmo foi envelhecendo, foi compreendendo melhor os fatos da vida, foi inteirando-se dos reais sofrimentos alheios, até que, certa feita, notou que o lenço naquela sessão não lhe saíra do bolso. Pela primeira vez, não vertera lágrima nenhuma, embora as manifestações estivessem pelas raias das dores mais atrozes. O fato foi notado pelos companheiros de tantas jornadas, os quais teceram vários comentários jocosos, sem qualquer sentido ofensivo. Estimavam-se e, por isso, podiam aceitar as brincadeiras uns para com os outros, mesmo porque Paulo era o que mais mexia com os parceiros. Essa saudável convivência estendia-se pelas famílias e todos sempre confraternizavam os sucessos evangélicos, ora na casa de um, ora na de outro.

E o tempo seguiu seu percurso, inexorável e inflexível. Paulo viu os pais expirarem sem dor ou sofrimento. A esposa também partiu, após breve infecção pulmonar. Alguns outros parentes próximos também foram seguindo seus destinos. Os filhos lhe deram netos lindos e saudáveis, cumpridores das obrigações. Já se prenunciava a vinda do primeiro bisneto, quando Ananias se manifestou pela primeira vez, na qualidade de espírito autorizado pelas entidades responsáveis pelo centro, para saudar os velhos amigos. Lembrou-se de todos e citou-os nominalmente. Ao se referir ao nosso Paulo — é interessante notar que através de médium que desconhecia o relacionamento anterior da entidade com o centro —, chamou-o pelo carinhoso apelido de Chorão, nome totalmente esquecido há diversos anos. Naquele momento, verdadeiras lágrimas de muito amor, confraternização e agradecimento escorreram dos olhos de todos, especialmente da personagem principal. Aí ouviu-se a recomendação do amigo:

— Quando o médium, consciente de sua inferioridade, deixa correr lágrimas de muito amor e agradecimento por suspeitar de que não seja merecedor do apanágio de servir para a manifestação de espíritos de tanta luz, é sinal inequívoco de que está crescendo em virtudes e que, em breve, poderá ombrear-se com os mestres e guias. Fiquem, portanto, na paz do Senhor!

Naquele momento, Felisberto, recém admitido junto à mesa na qualidade de médium, olhou de soslaio para o ancião, que há tanto tempo vinha servindo à casa, e enxugou furtiva lágrima, que lhe teimava em escorrer, e prometeu de si para consigo que, naquela noite, iria transportar-se para o etéreo, a fim de modificar seu projeto de vida.

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