O servir - ainda que profissionalmente correto – exaure o corpo.
A indisponibilidade para a condição do servir
-ainda que por motivos alheios à vontade própria-
debilita a alma.
Maria Preta
Ao vestir-me todos os dias, com os panos pra abotoar,
ordenava à preta Maria, que cedo me viesse ajudar.
Chegando-me aos resmungos, jurava-me um par de palmadas,
mas, boa, a mão calejada, doía-me só quando gelada.
E, aos brados, quando a chamava, a negra atendia sentida,
dizia ser eu bem folgada, moçoila um tanto atrevida!
Fazendo graça e pirraça, fingia não a compreender,
e nem ficava vexada em usá-la a meu bel-prazer.
Porém, clareando, um dia, nos olhos ira e aflição,
entrou-me no quarto, Maria, com gorda trouxa à mão.
Trazia-me o adeus nessa hora: da luta, estava cansada...
e eu, que há pouco acordara, deixei a cama assustada.
Em vão tentei entender a brusca atitude tomada,
porque em toda a vida, não vira a negra suada.
Julgava que sendo forte, jamais lhe batesse o cansaço,
que não ficasse doente e valente lhe fosse o braço.
Pra que mudasse de idéia, até insisti com firmeza,
mas, cruel, Maria me olhava com certa e dura frieza.
Saindo sem mais delongas, bateu-me a porta do quarto,
meu olho estupefato saltou ante a falta de tato.
Debrucei-me à janela, deveras arrependida
pelos abusos diários que lhe dobraram a lida.
Aflita, de fora, chorosa, Maria olhou para mim
e debulhada em queixas, abriu-me o motivo, enfim:
- Antonte, ovi ocê falá
qui us pano de muito botão
é coisa de gente criança
e ocê num qué eles mais, não...
Maria da Graça Almeida
Antologia Lyra de Bronze
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