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Contos-->15. O MÉDIUM MECÂNICO -- 19/04/2002 - 06:04 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Eugênio pôs-se a duvidar da própria mediunidade. Fazia anos que se dedicava aos apanhados de comunicações das mais variadas entidades, mas, no fundo da mente, subjazia-lhe a desconfiança de que tudo pudesse nascer de sua inteligência desenvolvida ou de sua imaginação esplendorosa. Gostaria, de todo o coração, que as comunicações lhe chegassem em estado sonambúlico, para ter a certeza de que em nada contribuíra para, pelo menos, adulterar o teor das mensagens.

Certa feita, veio-lhe ao bico da pena longa narrativa a respeito de médium mecânico ávido por tornar-se consciente porque, pensava a personagem, poderia sentir o pulso aos interlocutores, prover-lhes da força magnética adequada, conhecer-lhes os impulsos vibratórios, estar em estreito contacto com as entidades, podendo, conforme o caso, até estabelecer conversação, de sorte a facultar-lhes a apreciação dos pensamentos, das provas e contraprovas a respeito de temas controversos, em suma, o poder de se manter lúcido para a compreensão da verdade.

Eugênio extasiou-se com a historieta que escreveu, principalmente por estar em clara oposição a tudo o que almejava. Pôs-se, então, a meditar a respeito das razões aventadas no conto para transformação do médium mecânico em consciente e sentiu que, ao ter escrito a narrativa, o que mais fizera foi mecanicamente apanhar o ditado, concomitantemente à compreensão dos dizeres e das frases, longe, no entanto, de entender até que ponto a bela história poderia ser-lhe útil à meditação. Convenceu-se de que sua pena tinha faculdades diversificadas, pois, embora plenamente consciente do apanhado do ditado, das falas das personagens, das exposições de caráter moral, ao contrário da conjectura da personagem, não tinha lucidez suficiente para total apreciação a respeito do valor do texto, no momento da transmissão.

Julgou-se, portanto, apaniguado diante de si mesmo e, resoluto, prosseguiu no cumprimento das tarefas medianímicas, sem deixar de agradecer profusamente aos amigos da espiritualidade que o assistiam e lhe guiavam a mão.

Ao mesmo tempo, passou a dedicar-se com mais afinco ao estudo de O Livro dos Médiuns, ficando estupefacto quando, diante das assertivas dos espíritos reproduzidas por Kardec, percebeu que era dotado da mediunidade mais procurada e estimulada pelos espíritos superiores. Surpreendeu-se por não ter posto reparo naquele capítulo quando da primeira leitura e deixou, definitivamente, de querer ser médium mecânico, principalmente por ter tido conhecimento de que tal espécie de trabalhador necessita, de qualquer forma, estar em dia com os temas a serem desenvolvidos e de que há maior dificuldade para os espíritos em efetuarem as manifestações através desse instrumento.

Achou ótimo tudo o que leu, assimilou os conhecimentos e esqueceu-se das antigas pretensões, prosseguindo em seu trabalho de modo imperturbável.

Após longos dez anos de atividades, um belo dia, sem aviso prévio, em plena sessão de doutrinação, surpreendeu a mão escrevendo automaticamente, sem que nenhum esforço mental correspondente a tal comando estivesse sendo exercido por ele. Muito se admirou do fato. De início, curioso, passou a ler o que se registrava, mas, na semi-obscuridade, mal conseguiu decifrar algumas palavras, sem conexão frásica, tal a algaravia que estava produzindo. Intentou concentrar os pensamentos nos dizeres, mas lhe foi impossível concatenar qualquer idéia que resultasse em expressiva mensagem. Decidiu, então, voltar-se para outro lado, observando o que os parceiros estavam fazendo, e pôde perceber todo o bulício silencioso dos lápis deslizando por sobre as folhas de papel. Enquanto isso, a sua mão prosseguia célere, preenchendo folhas e mais folhas. Fechou os olhos e tentou entrar em contacto com o orientador espiritual. Este não se fez de rogado e ambos mantiveram valiosa palestra a respeito das virtudes necessárias para o progresso evolutivo, dedicando o mentor especial atenção para as leis do amor e do trabalho.

Finda a sessão, todos ficaram curiosos para com o fato novo a que se prestara o irmão Eugênio, tido e havido como o médium que melhor traduzia o pensamento dos guias e dos sofredores que eram acolhidos para conforto e consolação. Qual não foi a surpresa de todo o grupo quando perceberam, no longo texto mecanicamente psicografado, a reprodução integral, ponto a ponto, linha a linha, do conhecido conto que já um dia havia sido apanhado pelo confrade, mas com disposição totalmente contrária: a personagem agora desejava tornar-se médium mecânico e para tal expunha todas as considerações que julgava oportunas para convencer os guias da mudança de rumo.

Estranho modo de ensinar: ao consciente que desejava automatizar o escrito, se dava a orientação para continuar consciente, por meio de personagem que, mecânico, preferia deixar de sê-lo; ao mecânico que não desejava sê-lo, se dá orientação para preferir ser mecânico através de personagem que, consciente, não se satisfazia com sua condição.

As duas narrativas, evidentemente, encerravam-se de modo bem semelhante: as personagens conseguiam o que desejavam e, em seguida, promoviam o retorno à forma anterior, concluindo que era como melhor se sentiam. Argüido a respeito da sensação de ter-se tornado mecânico, Eugênio surpreendeu pela resposta:

— Amigos, faz tempo já que compreendi o fato mediúnico e a importância dele para o socorrismo. Não vejo qualquer relevância em se ser mecânico ou não; o importante é o uso que se possa fazer das comunicações em que somos orientados pelos amigos da espiritualidade. Se nos dedicarmos ao aperfeiçoamento moral e intelectual, tendo em vista o bem-estar e o progresso dos irmãos, não importa o tipo de tarefa que desempenhemos. Vamos deixar tudo nas mãos de Deus e confiar em que os guias tenham conhecimento do que possa ser o melhor em cada situação. Dediquemo-nos ao trabalho e façamo-lo por amor ao Pai e aos irmãos. O mais são detalhes sem importância.

Após a brilhante exposição, quiseram saber em que pensava durante a longa transmissão mecanizada. Aí Eugênio pôde surpreendê-los ainda uma vez:

— Conversei com meu instrutor e guia espiritual a respeito da curiosidade, do trabalho e da eficácia das comunicações mediúnicas para o favorecimento do crescimento das criaturas, no duplo aspecto do cumprimento das obrigações cármicas e no da preparação para novas aventuras existenciais. Para surpresa minha, contou-me que tudo se resume na lei do amor e do trabalho, na obediência aos princípios evangélicos e na ânsia corajosa de viver segundo as normas divinas.

Quando alguém lhe sorriu ternamente e lhe disse que estava perto do céu, Eugênio observou:

— O conhecimento das verdades vem sendo proporcionado a todos nós desde tempos imemoriais. Não é a plena consciência dos deveres e obrigações que torna a pessoa apta a ingressar no reino de Deus, mas a prática saudável e pura. Eu, meus amigos, posso ter tido na vida momentos de esplêndida compreensão da realidade e da verdade, mas me sinto bem pequeno diante da grandiosidade das conquistas que deverei empreender. Não vejam em mim, portanto, alguém pronto para a santificação, mas só eficaz instrumento da vontade de Deus. Se já é muito ser experto mediador entre os planos, haverá necessidade ainda de inúmeros outros aperfeiçoamentos. Não foi à toa que o Mestre nos preconizou que fôssemos perfeitos como é perfeito o Pai. Para isso, tenho dedicado o tempo à compreensão e à prática da mediunidade, mas sei que a mesma dedicação tenho de estabelecer para tudo o mais que faça. Por exemplo, nesta longa exposição, estou tentando tornar as palavras o mais perfeitamente claras e precisas possível, para que os irmãos possam compenetrar-se das verdades nelas contidas. Se tudo pudesse realizar da mesma forma, aí sim teria ensejo de receber novas atribuições. Procurem, irmãos, fazê-lo do modo como faço.

Nesse momento, tarde da noite, era hora de saírem. Aí acordaram um dos médiuns que dormia a sono solto no fundo da sala, rústico pedreiro, que pelejara duro toda a jornada para ganhar o pão de cada dia e que, naquela noite, como de costume, só obtivera alguns rabiscos disformes.

Lá fora a Lua, soberana, ajudava a todos a encontrarem o melhor caminho para suas casas.

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