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Contos-->16. A HISTÓRIA RETOMADA -- 20/04/2002 - 07:25 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Então, Alberto desejou fabricar sabão. Insatisfeito por ver que a matéria-prima utilizada quase sempre era de origem animal, condoeu-se, por acreditar que a dor e o sofrimento pudessem representar para os irracionais o mesmo drama que para os humanos.

Expôs minuciosamente suas idéias aos amigos do plano da espiritualidade e solicitou a atenção deles para o desejo de bem conhecer até que ponto a humanidade sofre com os disparates que pratica com relação àqueles a quem denomina de irmãos inferiores.

Não se fizeram de rogados e, na primeira oportunidade, transportaram Alberto para zonas de concentração espiritual desses seres que, na face da Terra, agem e interagem tão-só através de princípios atávicos e movimentos instintivos, sendo muito poucas as atitudes provenientes de atos reflexos adquiridos por meio da inteligência, tomada aqui como necessidade de adaptação ao meio ambiente para sobrevivência e preponderância.

Ficou maravilhado com as atividades imensas e com a complexa divisão em setores, seções, enfim com a perfeição hierárquica. Notou, entretanto, extraordinário mecanismo em tudo que viu, como se tais entidades se locomovessem como autômatos. Lembrou-se das atarefadas formigas em suas organizações, onde cada qual tem dentro de si catalogadas as atividades que lhe são inerentes e jamais se afastam um milímetro sequer da destinação. É bem verdade que as migrações exigem certo poder de contato ambiental de caráter superior, mas mesmo isso parece estar indelevelmente impresso no cérebro dos bichinhos, de sorte que de admirar seria se se alterasse o registro das informações, modificando-se-lhes o procedimento universal.

Ora, o que ocorria no plano espiritual pareceu-lhe imensamente semelhante ao desempenho dos animais sobre a face da Terra. Súbito problema brotou-lhe na mente:

— Querido amigo, se tudo que os animais fazem no etéreo reproduzem na carne, de que lhes adianta o encarne? Teria alguma conseqüência de caráter evolutivo o fato de estarem à mercê das intempéries, dos desajustes, dos desastres, da constante ameaça dos inimigos, especialmente os humanos? Pelo que pude observar, se os irracionais, se assim podemos chamá-los, não se vissem perturbados em sua peregrinação carnal, sairiam da vida da mesma forma que entraram. Por outro lado, a inconsciência do devenir, por força da impossibilidade do conhecimento profundo de si mesmos, à vista de não estarem dotados de reflexão sobre o ato criador que lhes deu contextura existencial, fatalmente os impelirá para a eternidade dos atos mecânicos. Ou possuem em gérmen a presciência ou a percepção fugidia de que são seres criados de modo que possam configurar alguma noção do Criador? Em suma, matá-los na carne não poderia até constituir em razão de progresso para seu entendimento da existência?

Notou o bondoso guia espiritual que as preocupações filosóficas assumiam completa preponderância no pensamento do discípulo, o que evidenciava a seriedade da proposição.

— Diz célebre frase divulgada entre os humanos que o que não se aprende pelo amor, pode-se compreender através da dor. Evidentemente, o encarne para os animais é prova do que existe de circunstancial no ato de viver. Por isso, é breve o tempo que permanecem no etéreo, sendo reconduzidos à matéria tão logo chegam aqui. Todo esse bulício que você está testemunhando visa ao encaminhamento das reencarnações. Existem muitos departamentos geridos por espíritos esclarecidos, protetores dessas almas primitivas, que velam para que o seu desenvolvimento se dê de forma harmoniosa com as leis estabelecidas pelo Pai. Quando o homem, nos laboratórios, promove experiências genéticas, produzindo espécies melhoradas ou simplesmente anômalas, interferindo no sistema interno das informações genésicas contidas nos cromossomas, à vista de seu desenvolvimento científico, nada mais está fazendo do que perturbando a ordem natural primitiva, tentando implantar na corrente genética novas informações que possam adulterar o produto final. Por meio da seleção das espécies vegetais, combinando as moléculas que contêm os aspectos que mais lhes interessam para a produção de alimentos, os homens conseguiram apropriar-se de conhecimentos superiores que lhes permitiram mais facilmente perfazer-lhes os objetivos científicos. Relativamente aos animais, a genialidade de que é dotada a humanidade vê perspectivas de iguais desempenhos. Tudo isto está sendo acompanhado de perto pelas entidades responsáveis pelo progresso da vida no planeta e tudo vem sendo sopesado para manter o equilíbrio orgânico das espécies em provação. Evidentemente, se os objetivos não se justificarem moralmente, o que se fizer constituir-se-á em crime que deverá ser resgatado no devido tempo. Esses cientistas deverão, portanto, adquirir esse mesmo tremor que o levou a procurar meios de afastar os animais das hecatombes que os dizimam, para que os homens possam higienizar-se e a seus petrechos.

Alberto, ansiado, notou que o orientador calara as informações relativas à necessidade da morte na carne para o progresso dos animais, não tendo inferido que todas as explicações, de modo sutil, se continham na longa explanação, e reiterou a questão:

— Bom amigo, é certo, então, fazer da carne, da dor e do sofrimento desses irmãos o nosso sabão de cada dia? Se a finalidade for santa, desde que tenhamos por necessário o produto, sabendo que os animais progredirão, tornar-se-á justo proceder à matança?

— Querido Alberto, as suas questões contêm a resposta que você espera de mim. Se o homem considera isto ou aquilo, se vislumbra esta ou aquela saída, se é capaz de propor esta ou aquela questão, é sinal de que possui livre-arbítrio. Tendo livre-arbítrio, deve julgar por si mesmo, pois as informações que lhe prestamos devem ficar no âmbito do conhecimento da realidade. A decisão a respeito da moralidade, da justiça, do equilíbrio, é íntima, é intransferível, é pessoal, é soberana. Quem quer que seja que se arvore em juiz das causas alheias deve estar apto a ouvir os dois lados da pendência. No presente caso, os animais não só não tiveram oportunidade de ser ouvidos, como constituíram fraco advogado em sua defesa, o qual, à vista de algumas razões, se bandeou para o lado da acusação, sem ter formulado razão de culpa. Volte à sua inicial proposição e veja se não consegue estabelecer roteiro mais consentâneo com a vida sobre o orbe, para não ter de atribuir penas aos irmãos irracionais. Se você tivesse bem observado a exposição inicial, teria percebido que o caminho para a superação do que você viu como sendo um mal está no desenvolvimento científico relativo à vegetação, enquanto não lhe surtir do coração a mesma dúvida com relação à vida vegetal. Por outro lado, que os homens se dediquem a estudar os hábitos de higiene para verificar se muitas das necessidades não são mera criação sua. Sem ver os objetivos morais e educacionais do Senhor no episódio, podemos dizer, sem susto, que Jesus se colocou à mesa das refeições sem ter lavado as mãos. Não estaria aí algum indício valioso para o encaminhamento das reflexões para o campo que estamos sugerindo?

Alberto teve enorme desejo de acordar. Sua mente obtivera verdadeiro banho de informações, que se estenderam muito além do que a imaginação lhe tinha prenunciado. Se recebesse maior quantidade de conhecimentos, certamente não poderia processá-los a contento.



Um ano depois, inaugurava modesta fabriqueta de saponáceos e produtos de toucador, inteiramente naturais, ou seja, em que a matéria-prima animal admissível eram simples cascas de ovos e esporões calosos extraídos sem dor de algumas aves mais ferozes. Nem mesmo o leite era admitido nas fórmulas empregadas. Estava abolido de seu laboratório até o dulcíssimo odor do almíscar, em virtude das condições infelizes em que tais animais eram criados. Perguntado a respeito de sua maior aspiração, Armando respondeu:

— Qualquer dia o homem recuperará o suave odor da pele, aquele com o qual nasce e que lhe foi dado por Deus.

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