Tentativa
maria da graça almeida
Abstenha-se de olhar o próprio umbigo,
de sua imagem, deixe o espelho folgado,
desinflame as fibras do ego intumescido,
abrande o seu eu exagerado.
Não regue tão-somente a própria flor,
olhe, tantas outras há no jarro,
certos braços bem sentem mais a dor
do que sentem seus impuros pés de barro.
Apague no poema o que inda há de você,
sua face nos versos é insuficiente,
são vãos e inúteis seus porquês,
num mundo cujo corpo é doente.
Não se ponha como o centro do universo,
desvie os olhos de seu lindo nariz,
há muitos feridos, há males diversos,
mire a rudeza da alheia cicatriz.
Pinte a poesia nas cores do bom-tom,
só rime os sons com a voz da oração,
o verso nunca foi mero batom,
não o use para a autopromoção.
maria da graça almeida
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