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Contos-->19. A BÊNÇÃO DO SENHOR -- 23/04/2002 - 07:15 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Rogava o filho querido ao pai obsequioso:

— Pai, compra aquele brinquedo?

E lá ia pressuroso o digno senhor à busca dos recursos necessários para satisfazer ao desejo do filho.

— Pai, quero aquele doce!

Bem sabia o pai que o filho deveria moderar o apetite guloso pelas coisas, mas calava os oportunos conselhos e mais uma vez satisfazia a caprichosa criança.

Assim cresceu Olímpio. Seu corpo avolumou-se além do normal, até que, um dia, desejou linda pelota oficial de futebol. Descrente do sucesso do filho no esporte mas esperançoso por alguma transformação, embora com sacrifícios, fez o Senhor Tomás o último empenho possível da bolsa e trouxe ao petiz a bola desejada.

Obter o sagrado objeto do sonho mais recente foi uma coisa, participar de partidas organizadas pela garotada foi outra. Mas como o dono da deslumbrante oferenda não poderia ficar de fora, foi admitido no time, com as funções de zagueiro lateral, onde a responsabilidade não seria tão grande. Surpreendentemente, Olímpio demonstrou mais agilidade que fazia prever sua rotundidade e seus esforços em manter o equilíbrio da equipe favoreceram-lhe a permanência no grupo, até com certa admiração de todos.

A partir daquele dia, a vida para o nosso herói mudou. Adquiriu confiança em si mesmo e passou a despender cada vez maiores esforços para integrar definitivamente o bando que se reunia em função do futebol. Dono da bola, não a poupou jamais em favor do bem coletivo. Sabia, lá no íntimo, que era importante conseguir amplo apoio das pessoas para a consecução dos objetivos a que se propusesse.

Quando a bola esfolou de vez, irrecuperável para as partidas, nem precisou solicitar do pai nova esfera de couro. Um belo dia, encontrou sobre a cama, nova e roliça, perfeita bola, tão oficial quanto a anterior. De bola em bola, eis que Olímpio cresce e se oferece à vida profissional como eficiente e honesto advogado, arguto defensor dos fracos e oprimidos.



— Pai, dá aquele brinquedo?

E o pai dava, sem ralhar a travessura do dia anterior. Era Antoninho, filho do nosso Olímpio, a perpetuar na família os hábitos antigos.

Mas as condições sociais das pessoas haviam diversificado. Enquanto o avô Tomás se sacrificava para contentar o filho, este não fazia o menor esforço para satisfazer o menino, de modo que as coisas lhe pareciam cair do céu. A aula era a mesma, a lição, semelhante, mas o aprendizado deixava muito a desejar.

Até que um dia...

— Pai, você não vai me comprar aquela bola?

— Claro, filhinho, e vou querer que você vá jogar com os amigos.

E lá foi o pequeno Antônio fazer parte do grupo, no belo clube de que era associado. Olímpio atravessava a rua e participava das querelas e disputas no campinho da várzea; Antoninho ia de carro com chofer espairecer os músculos na companhia de outros filhinhos de papai. Olímpio emagrecera nos cotejos esfogueados; Antoninho não chegou sequer a engordar, mediante balanceada alimentação, orientada por hábil nutricionista.



E a vida correu. Tomás partiu um dia, pranteado por todos. Antoninho debulhou algumas lágrimas protocolares e exigiu do pai, aos quinze anos, que fosse dispensado das cerimônias fúnebres para ir encontrar-se com os amigos, para festividade de há muito aprazada. A mãe não se importou com a deserção do filho e lá foi ele, sem dar a mínima para o desaparecimento do velho, que às custas do filho vinha vivendo desde que se conhecia o neto por gente.

Olímpio desagradou-se da postura do filho, mas julgou melhor não estabelecer polêmica àquela hora. Fá-lo-ia em ocasião oportuna.

De fato, ao retorno da missa de sétimo dia, íntima e convencional, encontrou o filho levantando-se, olhos acabrunhados pelas peripécias da noite. Exigiu dele que se mantivesse à sua presença no escritório e, apesar de desacatado por algumas expressões grosseiras, soube pautar o procedimento com serenidade, habituado que estava às lides forenses.

Do que se passou no interior do gabinete poucas notícias tiveram os serviçais da casa; o certo, porém, é que, a partir daquele dia, Antoninho teve de manifestar outra atitude diante da vida.



Mais alguns anos decorreram daquele incidente e eis-nos diante de velho curvado, de longas madeixas brancas, sorridente e afável, a acariciar os cabelos claros do netinho Valdemar.

— Vovô, o senhor me dá aquela bola?!


*


Aí, o leitor de última hora fechou o livro e pôs-se a se perguntar o que fazia tal conto em meio às histórias tão instrutivas ditadas pelos espíritos da Escolinha de Evangelização.

Poderia, por certo, com algum esforço, relacionar o título ao conteúdo, imaginando que os seres envolvidos na narrativa tivessem sido trabalhadores fiéis ao Cristo, cujas passagens pela Terra estariam sendo marcadas pelo trabalho e pela responsabilidade de cuidarem-se uns dos outros. Poderia conjecturar que houvesse alguma intenção em evidenciar que as crianças não demonstram realmente o conteúdo espiritual de que estão dotadas, senão quando absolutamente responsáveis pelos atos, sendo passíveis de educação quando orientadas a tempo. Poderia supor que todo o texto teria sido sugerido pela clássica passagem evangélica em que o Cristo estabelece como princípio da vida a determinação e o vigor relativamente à verdade, dizendo à multidão: “Seja o vosso falar sim, sim; não, não.” (Mt, 5:37.)

Por mais, entretanto, que justificasse tal roteiro, ainda julgava não haver relação plausível entre tal conto e os anteriores. Terminando as excogitações, exclamou:

— Enfim, que tudo possa ocorrer à humanidade como transcorreu para essa família! Aí sim haveria real bênção de Deus!

No dia seguinte, novo conto aguardava por ele...

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