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Contos-->22. O CÉSAR -- 26/04/2002 - 05:41 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Operário emérito era César — Caio Julius Caesar, como lhe fez questão de chamar o pai, cultor de algumas letras mas embatucado na antiga primeira série ginasial, em que se ensinava latim às crianças, por meio de alguns trechos da obra De Bello Gallico. Quis suprimir o Silva do nome do filho, mas não conseguiu, de modo que lá ficou o imponente nome do imperador romano ameaçado perpetuamente de ir demorar-se na floresta mais densa.

Mas o nosso César progrediu na vida. De mero mecânico de automóveis, profissão que aprendeu com rara mestria, dedicou-se ao estudo das máquinas, merecendo da firma a consideração de apaniguá-lo com bolsa de estudo para aperfeiçoamento em centro educacional especializado. Nunca suficientemente agradecido pelo gesto generoso dos patrões, dali partiu para estudos aprofundados, de sorte que lhe foi possível freqüentar algumas matérias em curso de engenharia, com a probabilidade de vir a tornar-se aluno regular, se se mantivesse o desejo de prestar o competente exame de habilitação. Mas César achou melhor volver ao antigo emprego, dotado de conhecimentos mais amplos em sua área de serviço.

Esta história bem poderia terminar com a assertiva de que nem todo Júlio César sonha conquistar o mundo, havendo aqueles que se contentam em prosseguir obscuramente prestando serviços aos patrões. Mas a narrativa forçosamente terá de ir além para explicar o porquê dessa deliberação que, aos olhos dos encarnados, poderá parecer de simplória humildade. É que, ao tempo dos cursos universitários, conheceu jovem brilhante, colega de turma, que desejou levar para sua vida na qualidade de companheira de estudos, de pesquisas, de profissão, além de esposa e mãe de seus filhos. Foi, no entanto, repudiado e essa negativa repercutiu-lhe na mente como se o mundo se desarmasse por estranho encanto em seu mecanismo. Desacostumado com os entraves, não insistiu, resolvendo voltar para a modesta condição de operário, emérito, é verdade, mas operário.

O mundo realiza seus revoluteios e, um dia, ao ler página de revista especializada, nota ao rodapé o nome da antiga colega, a qual discorria com proficiência a respeito de máquinas e motores. Ficou desvanecido com a descoberta de que alguém tão importante pudesse ter sido o alvo de seu interesse mais íntimo e descortinou a possibilidade de manter correspondência, uma vez que, relevantemente, poderia acrescentar algumas observações ao roteiro do magistral comentário.

Tomou da caneta, pôs-se ao lado da prancheta e ideou os termos em que vazaria a carta. Ao mesmo tempo, pôs-se a desenhar engenhosamente as peças componentes do motor a que se referia, de modo a bem ilustrar o ponto de vista. Tão bem se saiu nas explicações que, tão logo enviou a missiva, recebeu imediata resposta da amada correspondente. Vinham vários comentários retificadores de algumas idéias explanadas por César mas, no geral, agradeciam-se as oportunas observações e prometia-se denunciar as falhas no próximo número da revista.

Entusiasmou-se Júlio César com a repercussão do atrevimento e pôs-se a aguardar com ansiedade as retificações prometidas. Solene decepção. Quando procurou o novo artigo, ali só encontrou referências técnicas eivadas de citações e absolutamente fundamentadas em bibliografia abonadora. A carta que recebera, cheia de referências pessoais, fizera-o crer em que algum sentimento transpareceria no artigo. Na verdade, ao final, agradecia-se a correspondência recebida e fim.

César desanimou mas prosseguiu comprando e lendo a revista, anotando o que de imperfeito lhe parecia conter, mas sem vontade de reiniciar a correspondência. Nesse meio tempo, conheceu uma jovenzinha, filha de um dos patrões, com quem manteve curto namoro, propondo casamento, que foi aceito.

Os anos passaram em conflito íntimo. César sempre seguia a distância os avanços da antiga estrela-guia mas disso nada falou à esposa, que ignorava a antiga paixão.

Os anos foram passando, os filhos chegando, a vida foi estabilizando-se cada vez mais até que César, um dia, se viu dono de metade do patrimônio da empresa, pela vontade expressa do sogro no testamento.

Aí se inicia finalmente a parte espirítica do drama.

O Senhor Olavo, o sogro, após breve estadia nos campos obscuros do Umbral, obteve permissão para cuidar da família na Terra. Tal anuência, como veremos, tinha superiores razões para ser concedida.

Por iniciativa do espírito protetor, vários elementos se reuniram para formularem projeto de assistência, de modo a encaminhar os componentes da família para a doutrina espírita, a fim de poder ministrar-lhes orientação que redundasse em maior felicidade futura. Ao se aproximarem da filha, verificaram logo suave melancolia na base da contextura moral. Intuitivamente, via o marido distante e os filhos sendo por ele afastados para roteiros de vida não condizentes com seus anseios. Moça de saudável formação moral, não compreendia a razão de tal distanciamento do marido, que sempre se mostrava cortês, respeitador, cumpridor dos deveres, atencioso, mas nunca carinhoso, apaixonado, enlevado por sua presença. Desconfiava de que sua pessoa poderia ser substituída por qualquer outra mulher, sem que o marido sequer notasse.

Ficou o pai extremamente angustiado com tal situação psicológica, pois sempre supusera o genro a pessoa mais inteligente e confiável do mundo, tanto que lhe cedera as duas coisas que lhe eram as mais caras na vida: a filha e a firma. Passou, então, a intenso trabalho de investigação. Após algumas diligências, pôde seguir o genro nas incursões noturnas, durante o sono. Invariavelmente, ia ao prédio da antiga faculdade, hoje transformado em oficina mecânica, e ali ficava chorando durante boa parte da noite. De manhãzinha, voltava para o escritório e, antes de acordar, beijava e beijava carta antiga que mantinha em repartição absolutamente secreta da secretária.

Não lhe foi difícil estabelecer a identidade da missivista, atrás de quem foi para responsabilizar por tão infausta situação espiritual do genro. Foi encontrar a senhora atarefada com motores em desenvolvimento, em fábrica situada no plano espiritual. Era espírito evoluído, absolutamente integrado nas tarefas que realizava. Não teve coragem de se aproximar e aguardou que voltasse para o plano físico, para conhecer-lhe a vida e as circunstâncias em que se apresentava ao seu espírito a figura do genro.

Na carne, descobriu que a jovem senhora cuidava de extensa prole, resultado de feliz casamento com lépido professor de ginástica, que mantinha concorrida academia

Olavo não compreendeu a vinculação possível entre o genro e aquela pessoa que vivia em mundo tão diferente. É verdade que mantinha coluna especializada em revista mensal a respeito de máquinas e motores, mas, afora isso, não se dedicava a outros afazeres além dos de dona-de-casa e excelente esposa. Atônito com o fato, desejou sondar os sentimentos dela relativamente ao genro e fez com que, intuitivamente, sentisse o desejo de rever a correspondência, para encontrar certos princípios mecânicos que estariam em alguma antiga carta. Ao se deparar com a de César, releu-a com interesse e verificou que ali, realmente, se encontravam as anotações pretendidas. Por esforço de memória, mentalizou o antigo companheiro de bancos escolares e emitiu o desejo de saber que fim dera à vida, uma vez que, um dia, a desejara. O coração nem por isso mudou o tranqüilo bater que vinha mantendo. Surpreendida pelo marido com a carta na mão, informou-o a respeito do César, da condição de brilhante conhecedor do ramo, do pedido em namoro e de sua recusa. Mostrava-lhe a carta que lhe enviara anos depois, fazendo os reparos em seu artigo. Nada lhe escondeu, nem o desejo de possível reencontro para elucidação de certas idéias ali apenas esboçadas. Os desenhos estavam intactos e demonstravam o carinhoso esforço de lhe chamar a atenção.

O marido não gostou muito do caso pela novidade da surpresa, mas não deu maior importância, cortejando a esposa e levando-a a compreender que o desejo era reminiscência agradável de fato que permanecera obscurecido na mente por largo tempo. Ele acendeu o fósforo e ela queimou a correspondência, para assegurarem-se de que o caso estava sepultado definitivamente no tempo.

Mas Olavo não serenou o coração. À vista da realidade dos sentimentos da moça pelo rapaz, concluiu que algo deveria ter havido, em alguma outra encarnação, que prendia o jovem à memória de alguém que por ele não tinha mais que vaga lembrança. Para não perder tempo consultando os arquivos do etéreo, imaginou se não seria possível conduzir em espírito a amável senhora até o local a que César se dirigia toda noite.

Conseguido o necessário alvará dos protetores das entidades envolvidas, resguardado vibratoriamente o ambiente do encontro, com a aquiescência de todos, deu-se a reunião em clima de tensão transparente. Estavam todos ali: Olavo, César, a filha, a colega com o marido e diversas outras entidades.

De início, estranharam-se pela aparência que assumiram os dois envolvidos pelo laço do amor não correspondido. César quase não reconhecia a figura da idolatrada personagem dos sonhos. Com algum esforço, pôde perceber-lhe os traços mais característicos. Quanto ao marido, pôde ver que se tratava de alguém a quem um dia fora apresentado mas não ligara qualquer importância. A esposa era estranha completamente ao casal e o mesmo se pôde perceber quanto aos filhos de ambos os casais.

Que insólita situação! Reuniam-se ali pessoas pelo maluco sentimento de um único indivíduo.

Olavo, sentindo-se responsável pelo momento constrangedor, tomou a palavra, fez as apresentações formais de praxe, narrou sucintamente as suas atividades e expôs o desejo de resolver definitivamente aquela embaraçosa situação.

César começou a se sentir mal diante das providências evidenciadas. Não supunha que a revelação de sua paixão pudesse envolver tantas criaturas inocentes. Sentiu-se obsidiado sem saber por que espíritos sofredores, pois já não mais via motivos para dedicar tanto afeto àquela criatura, que lhe era tão estranha e distante. A esposa surpreendeu-se com tal relato, pois elucidava de vez as atitudes do marido. O ginasta confirmou suas intuições relativamente ao correspondente da esposa e propôs, amavelmente, que deveriam efetuar outras reuniões para resolver-se o problema do amigo César, que via estar em alvoroço íntimo. Problema maior foi levantado pelo próprio César, que manifestou o desejo de pedir perdão a todos, a uns em espírito, o que fez de imediato, a outros na carne, para que os ânimos se rejuvenescessem em presença do amor e da benquerença.

Olavo se propôs a diligenciar para o efeito e a reunião teve fim.

Na manhã seguinte, começaram a surtir os primeiros efeitos das intenções da nova disposição. César recusou-se a sair com os filhos naquele domingo para o futebol, propondo-se a quedar em casa a fazer companhia para a esposa.

Na segunda-feira, logo de manhã, um dos sócios da firma falou a respeito do centro espírita que freqüentava, dizendo que se manifestara certo espírito familiar. Ao contar o sucedido em casa, César ouviu da esposa que desejaria ir a esse centro, onde talvez pudesse ouvir a voz do pai. Foram e não ouviram, mas encontraram-se com casal que lá ia desde algum tempo. Na senhora, César, estremecido, reconheceu o antigo objeto de sua paixão.

Em casa, encheu-se de coragem e relatou à esposa o que lhe ocorrera na juventude. Atravessava assim o seu Rubicão.

E, como nos contos de fadas, viveram felizes por muitos e muitos anos...
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