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Contos-->32. O BEM COMUM -- 06/05/2002 - 06:45 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Salustiano existia para fazer feliz aos outros. Tudo providenciava com esmero e profunda dedicação, de forma a atender aos mínimos desejos de quantos pudessem estar em contacto com ele. Era o perfeito gentleman elevado à enésima potência. Mantinha amplos relacionamentos, mercê dessa jamais desmentida disponibilidade mental, e de tal forma o fazia que não havia quem lhe desejasse qualquer mal.

Certa ocasião, tendo saído tarde da noite do centro espírita ao qual assistia na qualidade de médium e orientador, foi assaltado por marginal comum da cidade grande, que o induziu a dar-lhe todos os haveres. Deixou-o nu em pêlo e às voltas com frio desesperador. Salustiano, contudo, crente de que tudo o que ocorre na vida tem a sua explicação cármica, abençoou o malfeitor, que se afastava, e orou por ele com todas as forças. Logrou chegar a casa sem transtornos e narrou esmiuçadamente o ocorrido à cara esposa, que muito assustada ficou com a violência sofrida pelo marido.

O tempo passou e, certa ocasião, em sessão regular de desobsessão, por intermédio de companheiro médium, teve Salustiano oportunidade de conversar com o atacante, nessa ocasião desvestido dos liames carnais e fero adversário de quanta virtude fosse que lhe ameaçassem pregar. Conversa vai, conversa vem, a afabilidade de Salustiano fez com que o agressor lhe narrasse alguns fatos significativos da vida. Caracterizava os ataques, invariavelmente, pela supressão total de todas as vestimentas das vítimas, pois temia qualquer revide traiçoeiro. Nunca ferira ninguém, mas fora despejado para o além por certeiro tiro de policial, em noite de perseguição.

Salustiano, advertido desde o início pelos orientadores, bem sabia que se tratava do meliante que o ofendera, mas calou a situação, pretendendo agir como se fora simples desconhecido. Não houve, porém, como evitar a lembrança ao assaltante, que, de pronto, percebeu ter sido conduzido à presença de uma de suas vítimas. Lembrava-se perfeitamente do caso, pois levara para casa todos os pertences que obtivera, tendo percebido que se tratava de alguém relacionado com o mundo dos espíritos, pois portava duas obras importantes: O Livro dos Espíritos e O Livro dos Médiuns. Esse fato fizera-o meditar profundamente na ocasião a respeito de que, se fosse possível, iria visitar um centro espírita depois de morto, para ver se confirmava as teses espíritas mais conhecidas da mediunidade e da reencarnação. Não demorou, contudo, para esquecer-se das idéias, tendo arremessado os livros para o fundo da casa, enquanto se desfazia dos pertences pessoais que poderiam incriminar.

Ei-los frente a frente, um tentando esconder do outro o reconhecimento.

— Quem você pensa que ofendeu, atacando as pessoas na rua e retirando-lhes os pertences?

— Aquele que nos criou à sua imagem e semelhança.

— Será que você pensa que pode continuar escapando à justiça divina, como sempre escapou à justiça dos homens?

— Eu não escapei dos homens, tanto que fui enviado para cá por um deles.

— E ser enviado para cá significa alguma punição para você?

— É claro, pois eu pretendia continuar vivendo!

— Sabendo que você poderá reencarnar, onde está a punição?

— Agora fiquei embasbacado...

— Sabe por quê? É porque você mentiu ao dizer que acreditava que os roubos ofendiam ao Senhor. Você não teve pena de nenhum chefe de família que ficou sem recursos para alimentar os filhos?

— Eu só pensava em mim e em meus prazeres. Até mesmo de minha família eu não cuidava. Eles que se virassem...

— Será que você acha que não vai ter mais que se relacionar com eles? Será que você pensa que nunca mais irá ter de encontrá-los para enfrentar a dura situação de pedir-lhes desculpas pelo que lhes fez, aos assaltados e aos familiares?

— Seria bom que fosse logo, para me livrar dessa responsabilidade.

— Você acha que só da boca para fora irá ser suficiente para convencê-los de que está arrependido e corrigido? Não terá consciência de que vá precisar trabalhar para estabelecer os vínculos rompidos?

— E se não me aceitarem?

— Você acha que será fácil a reconciliação, depois dos vexames que os fez passar, e mais os sacrifícios e os rancores naturais que fermentaram ódios e dores morais? Você não sente estremecimentos cuja origem desconhece e que lhe provocam profundo mal-estar?

— Sinto, muitas vezes.

— Pois são as más vibrações dos que desejaram e desejam o seu mal. Você os obrigou a sentir raiva e a pecar contra o evangelho. Você os provocou e agora irá ter de consertar os tecidos rompidos.

— Se estão agindo mal para comigo, então são também meus devedores.

— Não queira justificar o seu erro com o erro dos outros provocado por você mesmo. Veja se você não agiria do mesmo modo, se algo lhe ocorresse provocado por qualquer atitude impensada de seus irmãos.

— É lógico que iria me vingar. O guarda que me despachou sofreu forte assédio de minha parte e só escapou de mim porque tinha certos amigos poderosos. Até parece que a polícia mantém sucursal deste lado...

— Você não acha coerente que as pessoas tenham amigos e protetores? Quantos amigos você tem?

— Eu pensava ter muitos, que comigo repartiam o resultado dos furtos. Mas não vivíamos bem; apenas nos aturávamos. Até meu filho, quando cresceu, não me respeitou mais. Não sei como está agora, mas, aos doze anos de idade, era um tormento.

— Não queira desviar o assunto. Quantos amigos você acha que ainda tem?

— Minha esposa não quis mais saber de mim. Minha mãe, não encontrei quando aqui cheguei e meu pai vive no mundo, esquecido de todos, dementado e acabrunhado em asilo de loucos. Os que convivem aqui comigo não me toleram e só se aproximam de mim para me atormentarem. Eu acho que não tenho nenhum amigo.

— Você acha que os que o trouxeram aqui não são seus amigos?

— Eles podem até ser boas pessoas, mas fazem o seu serviço. Quando eu for embora, vão se esquecer de mim.

— Nunca ninguém orou por você, pedindo a Deus que o amparasse e lhe desse mais conforto e luz? Pense bem e não minta.

— Bem, meu caro, houve um assaltado que não reagiu mal; ao contrário, tentou dizer-me alguma coisa boa, mas eu esfreguei a ponta do revólver em seu nariz e fiz com que se calasse. Esse mesmo, quando eu estava indo embora, abençoou-me. Eu ouvi distintamente. Se você não me reconheceu, sou aquele que você quis afastar da vida de crimes.

— Sei quem você é e o que me fez passar. Mas estou acostumado a enfrentar os assédios dos que me desejam mal e rezo por todos. Estou satisfeito que me tenha reconhecido, pois sempre soube quem você era. Saiba que nunca lhe desejei qualquer mal. Antes, todas as noites, rezei pelo meu contraventor. Sabia que iria encontrá-lo um dia, só que não esperava que fosse desta maneira. Quero que saiba que vou pedir aos mentores da casa que o encaminhem para lugar seguro, longe das influenciações mais perversas, para fazê-lo acreditar que existem pessoas que velam pelo bem comum. Hoje você está passando por certo vexame diante de tantas pessoas aqui reunidas. Melhor seria se fosse às escondidas, no fundo de seu coração. De qualquer forma, quando lhe fiz a pergunta a respeito de quem você ofendia ao saquear as pessoas, queria que entendesse que era a você mesmo que me referia, à sua consciência, ao seu espírito. O mundo, meu caro, dá muitas voltas, voltas insuspeitas, voltas cármicas. Um dia ou outro, está de volta à mesma situação anterior e todos nós haveremos de provar a dura experiência de ter de pedir perdão. Não da boca para fora, mas com o coração na mão e a mente acabrunhada por profundo pesar do desgosto e do arrependimento. Se você, agora, não chegar a compreender o valor destas palavras, inspiradas por meus instrutores e fundamentadas no evangelho de Jesus, certamente advirá a época em que irá fazê-lo, após ter pago tudo que deve com muito suor, muita lágrima e muito sangue: suor do trabalho de restauração; lágrima por sentir-se culpado e por responsabilizar-se pelos malfeitos; sangue por ter de reencarnar diversas vezes para saldar todos os débitos. O melhor que você faz agora é aceitar os conselhos e partir com os guias que lhe serão indicados, os quais lhe demonstrarão que o afeto e o respeito dos semelhantes só se conquistam com muito amor e espírito de solidariedade. Vá, meu filho, e ore ao Senhor agradecendo a graça desta possibilidade de receber desde logo o perdão deste humilde servidor de Jesus. Deus o abençoe!

Salustiano disse as últimas palavras extenuado pelo longo esforço para conter as lágrimas que o sufocariam. Entendia a oportunidade que os protetores lhe haviam propiciado de encaminhar aquele distante contendor às sendas da virtude. Ele mesmo agradeceu muito todos esses favores, especialmente as luzes que lhe vieram para tão bem expressar os sentimentos de pureza que o socorrismo exige dos doutrinadores. Agradeceu mais, ou seja, a própria vida, a inteligência e a possibilidade de entendimento da lei. Enfim, prontificou-se a continuar sendo o servo fiel e vigilante do bem comum. Aprendeu, dizia, pelo amor, enquanto muitos haveriam de aprender pela dor. Transformara aquele instante de glória mediúnica em ganho solene de pontos para ascender à casa do Senhor e humildemente se recolheu ao seu lugar, assim que a sessão terminou.

Ao se acenderem as luzes, encontraram-no morto. Havia sucumbido à felicidade. Não havia mais nada que pudesse fazer por aqui. Subiu diretamente às esferas superiores e hoje assiste com denodado ardor aos sofredores do banditismo, auxiliado pelo companheiro que um dia o espoliara dos haveres. Se lhe perguntassem agora o que faria diante de alguém que o ameaçasse de morte, certamente responderia:

— Pediria ao Senhor que me desse forças para perdoá-lo e que pudesse um dia reencontrá-lo para encaminhá-lo à luz.

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