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Contos-->35. O DIA DE ONTEM -- 08/05/2002 - 06:29 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Com satisfação, Lázaro se dispunha ao trabalho mediúnico, no entanto, não dava inteiro crédito ao labor do dia, preferindo sempre, no momento mesmo da transmissão, a mensagem captada no dia anterior. Dizia de si para consigo mesmo:

— Por que deverei de estar de acordo com estes dizeres, se os que captei ontem foram tão belos e esclarecedores?

E toda tarde repetia a mesma frase, a menosprezar o trabalho em realização. Posteriormente, antes de arquivar as folhas, que se contavam às milhares, lia o texto para escoimá-lo de possíveis falhas ortográficas, prestando muita atenção à parte doutrinal, para verificar se de acordo estava com os ditames do evangelho e com os roteiros espiritistas. Nesse momento, compenetrava-se do valor da obra e colocava-a entre as demais que sofreram inicialmente a mais contundente advertência e, posteriormente, a exaltação à glória.

Mas sua atitude contumaz feria os brios dos mensageiros, que tudo faziam para inocular-lhe a condição da boa vontade, mediante o reconhecimento dos méritos das transmissões.

Houve um dia em que Lázaro exorbitou:

— Se a mensagem que estou escrevendo não melhorar de padrão, largo a pena.

Não cumpriu a palavra porque foi coagido a prosseguir até o fim, embora sua vontade tivesse contaminado seriamente o instrutor.

No dia seguinte, ao escrever o título, estranhou a expressão francesa: Déjà vu, e admirou-se de tê-la escrito com todos os acentos, conquanto não passasse em francês do Bonjour, monsieur! e do Comment ça va? Ao escrever a mensagem, compenetrou-se de que o teor do texto diferia em muito da surpresa de cada dia. Os termos ajustavam-se uns aos outros às maravilhas. As frases eram claras e precisas. Os pensamentos verdadeiros e o conteúdo absolutamente impregnado da verdade evangélica. Extasiou-se diante da novidade e, naquela tarde, não reclamou do trabalho. Na prece de encerramento, agradeceu finalmente ter sido atendido após dez anos de trabalhos forçados e rogou que, para o futuro, lhe fosse dado ensejo de receber semelhantes ditados de tanta luz e ensinamento.

Fez questão de assinalar com uma cruz o alto da folha para determinar o padrão que aceitava como ideal.

Na tarde seguinte, recebeu nova mensagem que incorporou à anterior, deslumbrado por estar tendo assistência desvelada. Pensou:

— Se os textos continuarem em tão alto nível, providenciarei para que sejam publicados.

De fato, durante os futuros dez anos de trabalho, toda tarde fazia questão de assinalar no alto da primeira folha a notação cabalística. Supunha, supersticiosamente, que era por influência magnética do emblema que os espíritos se deixavam conduzir em sua peregrinação intelectual e sentimental pelas regiões do conhecimento. Chegou ao ponto de, previamente, consignar a marca, de modo a induzir os mensageiros a atenderem-lhe à solicitação.

Certa tarde, contudo, por melhor tivesse assinalado a folha com a indefectível cruz — enfeitada e transformada por arabescos e adornos, que levava mais de meia hora a desenhar, havendo até a intenção de mandar confeccionar carimbo próprio ou de imprimir especialmente o símbolo em papel particular —, certa tarde, os dizeres voltaram a não se coadunar com seu pensamento, naquele instante do apanhado mediúnico. Sofreu muito, mas conduziu a pena até o final do texto, descontente e desconsolado. Nesse dia, registrou-se clara nota em que se determinava que era chegada a hora da organização das obras para possível publicação. O roteiro estendia-se por várias laudas, minucioso e preciso, aproximando as datas e relacionando-as para efeito de encaixe, segundo os temas e assuntos. Como havia mais de cinco mil folhas escritas, haveria necessidade de profunda revisão, para o que o liberavam da responsabilidade da psicografia por longos dois anos, ao cabo dos quais deveria apresentar-se de novo para as tarefas costumeiras. O guia despediu-se e fez questão de assinar como de hábito, para configurar a origem da orientação.

Lázaro ficou acabrunhado com a novidade. Primeiro, não lhe tinham atendido ao pedido de mensagem de nível superior: segundo, passaram-lhe trabalho de largo fôlego; terceiro, haviam-no dispensado por tempo que julgava incomensurável. Durante o período que intermediou aquele momento de reflexão até a habitual hora em que se punha à disposição do plano espiritual, outra coisa não fez senão lamentar-se profundamente. Raivoso, apagou a marca que fizera com tanta disposição e arremessou o texto sem releitura para o fundo do armário onde guardava os demais.

Voltou a prontificar-se para o ditado, prudentemente deixando em branco o alto da folha. Após as preces de costume, a única frase que conseguiu escrever foi:

— Não perca tempo!

Nessa vida consumiu dois meses, até que resolveu atender à orientação. Procurou no fundo do armário a última mensagem, deixou lá o texto inicial, separando as notas para organização das obras. Estranhamente, os textos sem marca organizavam-se de um lado e os com marca, de outro. Achou natural que assim fosse, pois o teor dos últimos era imensamente superior. Dedicou o primeiro ano a estes, desconfiando de que os demais iriam ter de ficar definitivamente esquecidos. Ao cabo desse tempo, defrontou-se com cinco alentados volumes a que, pelo sentido das mensagens, atribuiu cinco títulos bem sugestivos. Considerou a obra acabada e buscou editor idôneo para a publicação.

Diante da imensa quantidade de material, o amigo informou que deveria fazer passar tudo pela crítica do corpo de consultores, os quais deveriam opinar a respeito do valor das obras, para o que deveria aguardar pacientemente, pois todo o processo era moroso, havendo cada componente do grupo de ler e comentar, para depois se discutirem todos os textos. Passar-se-ia não menos que um ano para a apreciação de todo o conjunto. Se fosse uma obra só, poder-se-iam tirar cópias e o procedimento seria mais rápido.

Lázaro preferiu aguardar o tempo que fosse, pois julgava muito importante que tudo viesse a público: essa fase do trabalho havia sido realmente superior. Voltou confiante para casa e, na tarde daquele dia, apresentou-se para os ditados.

De novo, a única expressão que conseguiu foi a célebre frase:

— Não perca tempo!

Lázaro, decepcionado, não se animou a encarar de pronto o serviço. Havia cansado de trabalhar durante aquele sofrido ano e não se incentivava a recomeçar tudo com as mensagens que julgava inferiores. Deixou passar três longos meses na ociosidade, até que teve a primeira notícia da editora. O amigo chamava-o em caráter de urgência, pois tinha excelentes novas.

À vista do mérito dos textos, dar-se-ia condição de publicação a todo o material, desde que lhe fornecesse os trabalhos anteriores que deveriam constituir os fundamentos doutrinários e espirituais para o conjunto. Sem os textos primeiros, a obra não apresentava a devida seqüência.

Desbundou o nosso Lázaro. Como, então, haviam os editores percebido que havia outras mensagens anteriores?! Não acreditava em que tudo conduzia para o trabalho renegado. Omitiu a omissão, disfarçou, pigarreou e prometeu, para breve, a entrega do material.

Em casa, correu ao armário para apanhar os textos: surpresa das surpresas, todos estavam rigorosamente marcados com as cruzes. Comparou, desesperado, as datas e percebeu que, na ânsia de manter os originais intactos, havia incinerado todas as folhas sem marcas. Nada se encontrava ali a não ser o texto que depositara bem lá no fundo. Na confusão que se lhe estabeleceu no cérebro, não atinara que dez anos de produção mediúnica haviam rolado ribanceira abaixo com as esperanças da publicação.

Humildemente, pôs-se a lamentar e a pedir desculpas aos amigos da espiritualidade. Brincando com o lápis na mão, de repente, pôs-se a escrever como sempre fizera. Ao cabo de meia hora, lá estava à sua frente bela mensagem de incentivo ao trabalho. Não se desesperasse, que a turma havia guardado os originais no plano da espiritualidade e nos próximos anos todas as mensagens poderiam ser retransmitidas; bastasse haver solidariedade e boa vontade do escrevente. Em nota ao pé da página, pedia-se para que lesse a mensagem esquecida.

Sôfrego, apanhou as folhas amarelecidas e, surpresa, havia ali solene admoestação em forma de conto a certo médium que reclamava do teor de seus textos. A marca apagada estava agora bem clara e, à medida que ia lendo, ia ficando cada vez mais nítida e firme.

Nem é preciso dizer que Lázaro se desmanchou diante de si mesmo. Largou o hábito de se lamuriar diante dos textos que ia apanhando e exigiu de si para consigo mesmo levar em consideração todas as mensagens, mesmo as que, aparentemente, tratassem de tema cediço e inumeráveis vezes batido. Foi assim que se consagrou definitivamente ao mediunato, ampliando o tempo destinado aos amigos mensageiros, terminando em três intensos anos o que havia levado dez.

Hoje, se lhe perguntássemos que título daria a cada nova mensagem, ele nos diria:

— Déjà vu.

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