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Contos-->40. A ORIENTAÇÃO SEGUIDA -- 13/05/2002 - 07:10 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Nicanor era bom auxiliar dos trabalhos do grupo. Sabia, como ninguém, cumprir ordens e estava sempre pronto para a obediência.

— Precisamos de alguém para ajudar a descarregar...

Lá estava ele, como um bólide, executando a tarefa com o máximo prazer. Pau para toda obra, especializara-se em atender, em ser mandado, em cumprir.

Mas o tempo passa e Nicanor foi envelhecendo. Este é o destino das criaturas. As cãs indicavam aos demais que os anos tinham deixado sua marca e as rugas assinalavam sofrimentos insuspeitos. Temerosos de perturbá-lo, os mais jovens já não mandavam ou pediam, rogavam-lhe a ajuda para pequenos serviços. Era hora, portanto, de solicitar e Nicanor não se fazia de rogado:

— Posso ir apanhar a estante? Posso ir comprar as mercadorias?

E lá ia ele, satisfeito pela confiança nele depositada.

Transcorreram mais alguns anos e a pele encarquilhada e a fraqueza muscular estavam por demais aparentes para que alguém suspeitasse de que ali estivesse o mais emérito colaborador. Se ousasse solicitar a possibilidade de pequena ajuda que fosse, lá vinha a observação:

— Carlos já providenciou. Ricardo já foi buscar.

E Nicanor via-se desprestigiado pelos colegas. Entretanto, os velhos companheiros, sabedores de sua diligência e presteza, sem afadigarem-no, pediam-lhe favores possíveis: preces de abertura, de encerramento, condução de visitantes, algumas entrevistas e pouco mais que lhe fosse possível desempenhar com sucesso e sem constrangimentos. Na mesa da desobsessão, antes tão ativo, também os amigos da espiritualidade começaram a evitar enviar-lhe sofredores agressivos até o ponto em que só lhe cabiam pequenas exortações morais e alguns escritos espontâneos e de muito saber, mas resumidos e condensados.

Nicanor dava impressão de fragilidade mas seu caráter era vigoroso, sua mente, poderosa e seu coração, doce e suave. Aprendera a obedecer, obedecia e continuaria sempre a ser fiel a esse princípio. Em certa ocasião, no início da peregrinação pelos campos do espiritismo, fora-lhe determinado organizar o centro na ausência de um dos diretores. Atendeu com proficiência, pois lhe havia sido solicitado, mas, ao retorno do amigo, recolheu-se à sua humílima posição e de lá não mais saiu.

Aos oitenta e sete anos de idade, curvado e trêmulo, atacado por sério artritismo que o prendia ao leito durante a maior parte do tempo, ainda assim, toda noite em que havia sessão com espíritos, lá ia ele, na companhia do neto, que lhe empurrava a cadeira de rodas, atender ao chamado das forças da espiritualidade. Se lhe tivessem pedido para ficar em casa, atenderia, mas não compreenderia as razões de tal solicitação. Os amigos sabiam disso e nem sequer sugeriam qualquer idéia a respeito, mesmo porque era saudável ver a veneranda figura discorrer a respeito do bem, do amor e das virtudes.

Aos noventa e sete anos, completamente cego e surdo, largado no leito derradeiro, manifestava desejos de atender a alguma solicitação que lhe fosse possível ser dirigida. Contudo, as condições impediam-lhe outro recurso comunicativo que não fosse o táctil, de modo que a voz se fazia ouvir, mas ele não conseguia receber qualquer informação reconfortadora. No entanto, acreditava-se toda noite ser conduzido ao centro, de modo que era mais de dó vê-lo conversar com amigos invisíveis e doutrinar espíritos sofredores que absolutamente era impossível divisar.

Por essa ocasião, apareceu no centro certo médium vidente de grande capacidade. O homem descrevia à minúcia tudo o que ocorria no plano do etéreo durante as sessões, de modo que logo surgiu a idéia de conduzi-lo à residência do irmão Nicanor, para que se pudesse avaliar até que ponto aquelas demonstrações de insanidade poderiam estar a revelar precisos contactos com amigos da espiritualidade. Afinal de contas, o que estranhava era o fato de Nicanor estar a dialogar com entidades que não lhe respondiam audivelmente, mas que era bem possível estarem presentes, dado o encadeamento lógico do pensamento do doutrinador. No que se referia a conceitos, então, melhor se evidenciava sua clarividência, pois tudo decorria segundo os princípios da doutrina, sem falha ou omissão. Desde há muito estava impedido de escrever, pois as mãos deformaram-se com a doença, mas a insistência em conversar provocava a curiosidade de todos.

Em noite de palestras, reuniu-se o grupo de médiuns, o novel amigo entre eles, e foram todos à casa do velho para propiciar-lhe favorável energização espiritual e para consagrarem-se ao estudo daquilo que lhes parecia evidente demonstração de força moral.

Agripino postou-se no fundo da sala e, enquanto todos faziam as preces e procediam à imantação do ambiente, pôde observar intensivo bulício no plano espiritual. Eram entidades que iam e vinham, enfermeiros, médicos, operadores de ondas eletromagnéticas, estranhas criaturas portando aparelhagens desconhecidas para o recém-admitido nas lides do socorrismo. Em determinado momento em que se dava início aos trabalhos, tendo olhado para o velho deitado na cama, viu-o transformar-se por completo. As feições adquiriram brilho novo, a tez se desenrugou, vigor físico aflorava por debaixo das mirradas cobertas e o jovem despertou para a vida com inteira consciência, ofuscado pela luz reinante e em lágrimas por reconhecer a plêiade de seres que lhe eram especialíssimos. Quando Agripino ia interrogar um dos presentes, foi despertado do estado sonambúlico por exclamações de dor e de admiração. Os circunstantes haviam percebido que Nicanor deixara o mundo dos vivos e se desprendera definitivamente.

Muitos lamentaram profundamente não terem tido a confirmação dos fatos que almejavam investigar. Uns poucos derramaram algumas lágrimas e todos efetuaram sentida prece de despedida. Achavam-se apaniguados pela espiritualidade por terem estado presentes no momento do trespasse. Sentiam-se como membros da equipe de desenlace e orgulhavam-se intimamente por terem contribuído com as vibrações para o feito. Afinal de contas, o amigo que se despedia era tão idoso que todos concordavam tacitamente que era bem hora de partir.

O local não era conveniente para se interrogar Agripino a respeito do que vira, de modo que a turma se despediu da família e todos voltaram para o centro, para dar continuidade ao programa da noite, que estipulava para aquele momento debate a respeito das observações do vidente. Por certo, se todos tivessem tido a oportunidade de sentir o que de fato ocorrera, iriam ter frissons emotivos de mais largo espectro. Do jeito que procediam, mais espicaçada lhes estava a curiosidade do que a real necessidade íntima de progredir. Transformavam aquele momento de sublimidade existencial em mero ponto de estudo.

Agripino, entretanto, não tendo certeza de que estaria autorizado a relatar o que viu, prudentemente, narrou, de modo sucinto e claro, que a sala estava cheia de entidades e que Nicanor lhe parecera ter-se desligado da densidade corpórea com facilidade. Não quis estender-se mais para não incorrer em falta diante do plano espiritual, mesmo porque a grandiosidade daquele momento não estava sendo compreendida pelos parceiros. Resguardou-se para não mentir e, alegando que deveria acordar cedo, retirou-se.

Em casa, intentou entrar em contacto com o guia e foi imediatamente atendido. Solicitou certos esclarecimentos e pediu permissão para relatar aos companheiros tudo o que havia visto. O amigo ponderou que a descrição da aparelhagem utilizada no campo da espiritualidade poderia causar celeuma e desprestígio para seus atributos e pediu-lhe se resguardasse como sabiamente já o fizera. Se quisesse, poderia referir-se ao desprendimento maravilhoso do amigo Nicanor, o que possibilitaria aos demais a análise de sua vida, em função das prendas de virtude que adquirira. Ficasse tranqüilo que, em breves dias, o amigo poderia manifestar-se no centro, de modo claro e insofismável, a confirmar todas as informações. Ficasse na paz de Deus!



Nicanor, por seu turno, aprestava-se para o trabalho. Desacostumado por causa da longa permanência na Terra, aos poucos foi reavendo os hábitos da volitação e da transubstanciação, ao tempo que o poder de comunicação pensamento a pensamento se intensificava. Recuperou os dons morais que possuía, verificou que adquirira outros por acréscimo de misericórdia, à vista da nunca negada virtude da obediência, e assumiu o cargo que lhe estava reservado de dirigente supremo de vasta instituição educacional no plano etéreo, mercê da vacância que se verificou pelo afastamento do titular guindado a tarefas mais importantes. Nicanor preparara-se para comandar, passando por todas as fases do atendimento e da subserviência mais digna.

Assim que se viu de posse de todos os seus recursos energéticos, providenciou aparecimento no centro, dirigindo todo o pessoal de modo organizado e lesto, de forma a produzir manifestação de efeito moral contundente. Estudou os planos da organização no campo material e verificou que poderia contar com Agripino para tarefas de fôlego e responsabilidade. Quanto aos demais, serviriam para dar sustentação e apoio.

Ao comunicar aos encarnados de viva voz, por meio de eficiente médium psicofônico, quais os projetos da instituição para com aquele grupo de abnegados servidores, deixou-os todos boquiabertos: não havia dúvida quanto à identidade do espírito comunicante, mas que diferença de postura diante dos demais! O homem vinha determinado e exprimia as ordens com categórica segurança, distribuindo as tarefas e funções com o máximo de precisão. Agripino, que tudo observava com atenção, reconheceu o jovem senhor ali presente e, em prece íntima, agradeceu-lhe a confiança nele depositada, imaginando-se a cumprir todas as determinações. Quanto aos demais, após o encerramento da sessão, viram-se na contingência de elaborar novo plano de ação para a entidade assistencial, para dar curso ao programa estabelecido. Nada tinham visto, mas a descrição do vidente se fez inquestionavelmente verdadeira.

A partir de então, o centro decidiu-se por atender aos pedidos especialíssimos do amigo, que por tantas décadas convivera com eles e hoje tem já publicadas várias obras de orientação e amor.

Nicanor, de quando em quando, vem em pessoa trazer o testemunho de seu afeto por todos, exortando ao trabalho, estimulando e agradecendo.

Certa feita, dignou-se comentar os pensamentos dos irmãos espiritistas e estendeu-se longamente a respeito da necessidade de se estreitarem mais os vínculos entre os planos, para não se dar que o trabalho adquira mão única. É sempre possível congraçarem-se todos em torno do ideal comum do socorrismo, de forma que proceder possam em amor e espírito de solidariedade. Que não esperassem os encarnados encontrar as mesmas facilidades daquele grupo, mas que criassem condições próprias de desenvolvimento, elegendo o trabalho em favor do próximo, como a meta primeira, e o amor a Deus, como a finalidade última da existência. Ficassem todos com Deus e, em nome de Jesus, se despediu em lágrimas pelo muito amor que por todos manifestava.

Agripino quase não pôde perceber o que se passou ao final da fala, pois as lágrimas impediam-no de visualizar a cena, contudo, pôde apanhar no ar algumas pétalas translúcidas e coloridas que embelezavam o ambiente.

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