SÓ
Há que se andar com cuidado.
Há que se viver devagarzinho.
Para que tanta pressa?
O perigo espreita em cada esquina.
O estresse, a úlcera, o infarto.
O álcool para desfrutar uma euforia passageira.
A solidão!
Sobreviver é o que importa.
Para que correr tanto?
O carro capota e lá se vai um filho,
A mulher ou nós mesmos,
Ou todos juntos e o que restará?
A dor, o desespero, o não querer acreditar
Daqueles que gostavam de nós.
A evidência, a certeza
Frente aos corpos estirados, mutilados.
E a descrença em qualquer coisa superior
Que permite que isto aconteça.
E a angústia e o medo
De passar pela mesma desgraça.
E o tempo apagando tudo,
É preciso continuar vivendo.
Para quê?
Quem vai ficar com a casa,
Com o carro, com os móveis?
Quem vai pagar as últimas prestações?
Quem vai tomar conta do sobrevivente?
A tia, o avô, o primo, o padrinho?
E quando ele crescer e perguntar:
-Onde estão meus pais?
Eu tenho pais, irmãos, parentes.
Eu sou alguém!
Eu sempre tive alguém para me guiar
Até saber orientar-me sozinho.
E quem não teve pais,
Como se sentirá quando adulto?
Desorientado, não é ninguém.
Não tem nenhum ponto de referência.
Está só no mundo.
Recife, 20 de setembro de 1977.
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