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Contos-->45. JACÓ, O PROFETA -- 18/05/2002 - 06:25 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Padrão de procedimento, Jacó foi guindado a chefe máximo de comunidade espírita de sua cidade.

Malgrado o nome bíblico, era brasileiro de quatro costados e recebera o apelido do pai, que tinha a intuição de que, por influência do nome, o filho ganharia muito dinheiro. Não foi bem assim que ocorreu; no entanto, Jacó ficou estigmatizado pela tendência profética do progenitor, tanto que, desde os cinco anos, intentava adivinhar o que se escondia por detrás do espesso véu do futuro.

De cara, definiu com precisão o resultado de certa partida futebolística, contrariando as expectativas gerais, de sorte que tal sucesso lhe guindou certa respeitabilidade divinatória. Palpiteiro profissional desde cedo, era consultado para as mais diversas coisas. Acertou resultados de corridas de cavalos. Prognosticou corretamente o vencedor de determinada eleição, aproximando-se surpreendentemente dos números finais de cada candidato. Soube de antemão o resultado de várias loterias, inclusive a que se submete a rigoroso processo aleatório. Enfim, Jacó profetizava com muita propriedade.

Certa feita, contudo, errou redondamente quanto à previsão de certas posições de papéis na bolsa de valores, perdendo, ele e os amigos, considerável quantia. Inconformado com o insucesso, pensou ter desmerecido da boa fortuna a consideração que sempre obtivera e passou a buscar entre os fatos da vida aquele que poderia ter determinado o fracasso. Por essa época, sentia certo temor respeitoso por causa de seus dons e não interrogava a sorte para não perdê-la. Era a sua superstição.

Quando se lembrou que deixara de dar certo óbolo na esquina, reconheceu que poderia estar ali a mola que desencadeara o processo de reversão de seu poder de profecia.

Antes, portanto, de intentar qualquer nova previsão, procurou o mendigo desprezado e pôs-lhe na mão considerável soma em dinheiro, recomendando-lhe expressamente que orasse pelo benfeitor. Ele mesmo pouco rezava, nem por si, nem por ninguém, mas achou que, se somasse à quantia o poder dos fluidos espirituais, bem poderia ocorrer de tudo voltar ao normal.

Assim que se viu livre da obrigação cármica, conforme ele mesmo dizia, sem qualquer convicção de caráter espiritualista, proclamou para os amigos quais seriam os vencedores das partidas ao final de semana que constavam na lista dos treze jogos da loteria. Acertou doze resultados e fez de um amigo a pessoa mais feliz do mundo, pois, para garantia, havia fechado vários cartões de aposta com um resultado triplo, de modo que com um deles logrou arrebatar o prêmio máximo. Os que lhe desprezaram os palpites morderam os lábios de despeito e voltaram a confiar na profética personagem.

Por esse tempo, Jacó conheceu meiga criatura que lhe cativou o coração a ponto de fazê-lo bambear as pernas à sua presença. Rute, por coincidência bíblica, que nada tinha em relação à crença e ao povo israelita, inspirou-lhe versos maviosos e obrigou-o a promessas de amor que jamais se suporia capaz de realizar. Levou-a ao altar em solenidade religiosa em que não faltaram as brincadeiras e jogos de adivinhação, pois os colegas e amigos, ao desejar os tradicionais votos de felicidade, impostavam a voz e, tomando ares sibilinos, prognosticavam vida futura longa e plena de filhos.

Jacó, ele mesmo aturdido com a condição de fiel e submisso servo de tão meiga criatura, divisou no futuro a eterna felicidade, ao lado daquele anjo de candura. Vislumbrou nas palavras ranços de lugares-comuns, mas aplainou tudo pela felicidade maior, que cotejou aos célebres amantes da história da humanidade. Disse quem nem Otelo amara Desdêmona mais vorazmente, nem Romeu quisera Julieta com maior ternura. O mais foram beijos e abraços até se sufocarem os ardores da paixão.

Por essa época, soube-se que Rute engravidara e todos se julgaram no direito de conhecer previamente o sexo da criança. Dividiram-se as opiniões, de modo que fatalmente muitos poderiam dizer que acertaram. Jacó calou seu vaticínio mas, no íntimo, desejava um belo casal, que possibilitaria operação para impedimento de novas gestações.

No hospital, o médico, ao cumprimentar o esperançoso pai, comunicou-lhe o nascimento de duas belas criaturas, uma de cada sexo, de modo que efetuada foi a sutura das trompas, conforme o previamente acordado.

Houve frustração geral, pois todos os que se manifestaram para este ou aquele sexo se viram compelidos a afirmar que não haviam acertado o prognóstico. Contudo, a felicidade do casal superava qualquer muxoxo de desapontamento. As crianças eram lindas e, na pia batismal, receberam os nomes de Ana e Isaque, para se manter a tradição dos nomes bíblicos.

A vida corria nesse diapasão de felicidade e Jacó fazia de tudo para atender os reclamos e necessidades de todos. Sendo seu emprego modesto e não tendo capacidade para intentar mais alto, utilizava o magnetismo divinatório para acertar nas apostas e demais jogos em que se envolvia. Não podemos dizer que errasse sempre; aliás, o número de acertos era bem superior às falhas, mas o que ocorria era que mais despendia que recebia, já que acertava quando o prêmio era menor e errava quando arriscava somas maiores. De jogo em jogo, de risco em risco, de palpite em palpite, sua condição econômica foi aviltando-se, chegando ao ponto de ficar devendo para todos os fornecedores. Alguns lhe perdoavam a dívida, à vista de sugestões bem sucedidas nos jogos, a maioria, entretanto, partia para a agressividade verbal, de sorte que, em breve, Jacó era o devedor mais malvisto no bairro.

Sua primeira reação foi certa tentativa de fuga do lugar em que morava, mesmo porque o locador o vinha perseguindo com extensa conta de atrasados. Combinou com a mulher e partiram tarde da noite, inesperadamente. Não contava, contudo, com os demais fornecedores atentos, de modo que, não demorou, foi descoberto e perseguido. Por essa época, a esposa arrumou emprego, tendo os filhos crescido o suficiente para permanecerem em casa, de sorte que, no novo local, pelo menos a conta da farmácia e da mercearia estavam garantidas.

Jacó, durante dois bons anos, absteve-se de contribuir para os fundos de benemerência das instituições oficiais, que captam o dinheiro dos trouxas que sonham com a fortuna sem o competente trabalho, o que lhe deu a garantia de ir saldando os débitos com os ganhos exclusivos do suor do rosto.

Readquiriu a confiança dos vizinhos e tornou-se sóbrio pai de família. Ao cabo dos dois anos, resolveu voltar a arriscar a sorte, mas foi impedido pela mulher. A criatura tão débil e suave, no sofrimento da luta pela sobrevivência, ganhara contextura de bravo guerreiro, de modo a impor-se moralmente ao marido. Não voltaria a passar as mesmas necessidades, mesmo porque não mais aceitava o risco como meio de garantir futura segurança. Intentasse deixar o salário nos bolsos dos bicheiros e ver-se-ia sozinho, pois iria deixá-lo definitivamente. Enxugaram-se mutuamente as lágrimas, selaram com longo beijo a antiga paixão e, daí por diante, a febre do jogo foi esquecida completamente.

Passou Jacó, então, a fazer previsões em outros campos: voltou ao futebol, investiu em outras formas desportivas, esqueceu-se dos cavalos mas levantou a possibilidade de ganhar dinheiro com a leitura das cartas e das mãos. Jogaria, se preciso, os búzios. Acabou em cana, acusado de charlatanismo ao recomendar certas ervas e remédios, iludido por falsos pressentimentos.

Rute descontrolou-se e buscou refúgio na casa dos pais, levando consigo as crianças. Jacó, réu primário, foi solto, mas sua ficha lá ficou guardada nos computadores da instituição policial, a lhe pesar sobremodo na consciência.

A liberdade em relação à família, ao contrário do que se pudesse esperar de tão apaixonado cultor do relacionamento matrimonial, aliviou-o da sobrecarga da responsabilidade, de modo que, afora alguns pifões regulamentares e algumas lágrimas sentidas, o mais que conseguiu foi total desafogo psicológico. Sentiu-se livre como os pássaros, enalteceu a natureza e compôs hino à viuvez sem morte, como terminava a longa ode dedicada à solidão. O poeta reaparecia e, com ele, a vontade imensa de participar das antigas rodas de amigos, onde sua palavra era sempre ouvida e interesseiramente louvada.

O período de êxtase foi curto e o término doloroso. Não mais se encontraram aqueles amigos de antanho. Alguns ainda se reuniam mas tratavam de temas absolutamente estranhos, mesmo porque seus fracassos na vida só os predispunham para o sofrimento e a alienação, que afogavam em copos de cerveja e em taças de cachaça.

Procurou novos parceiros no modesto emprego que conseguiu junto ao antigo ganhador da bolada na loteria, o qual mais se condoeu da situação do infeliz do que realmente desejou tê-lo por perto. Parecia que a má sorte atual de sua existência punha nos outros pavores de contaminação. Em todo caso, parceira de escritório, Judite — outra feliz coincidência escritural — o pôs a par das noções espíritas a respeito da sorte, do acaso, das previsões e o nosso Nostradamus se viu às voltas com espíritos, médiuns e doutrinas que lhe eram totalmente desconhecidas.

Curioso pelo interesse da companheira de serviço, esquecido dos antigos amores, feliz por ter sido convidado a acompanhar a moça na romagem assistencial noturna, Jacó apostou na sorte, apoiado em sua estrutura intuitiva, e lá foi, cachorrinho lépido a abanar o rabo, atrás da nova musa de seus sonhos.

Judite, no entanto, não estava disposta a partilhar afetivamente da vida do amigo. Espírita estudiosa, viu nele mais alguém a quem oferecer a tábua da salvação no naufrágio da vida. Reconheceu desde logo que Jacó estava desarvorado e sem destino, sem firmeza religiosa e sem ponto de apoio moral, sentiu-lhe o pulso da vontade e, verificando-o fraco e enfermiço, vaticinou para ele a necessidade de perlustrar os caminhos de Jesus. Sabendo-o católico não praticante, dispôs-se até a acompanhá-lo de volta à igreja, para que retornasse às preces de agradecimento dos sofrimentos, para superar aqueles instantes de incertezas e indecisões.

Neste ponto, Jacó não permitiu a defecção da crença da amiga e, imaginado-se desprendido e compreensivo, disse-lhe que tanto sacrifício não valeria a pena. Iria adotar, definitivamente, a crença espírita como norma de vida. Por certo, pensava que iria cativar a amiga com a promessa, no entanto, fez somente com que se acendesse a vela da desconfiança a iluminar o quarto da razão. Judite, assim que viu o companheiro de trabalho devidamente instalado e comprometido com as tarefas do centro, desligou-se do infeliz com a desculpa de ter de participar de trabalhos mais adiantados. Encontrar-se-iam e conversariam no serviço.

Ali, pediu ao patrão para ser transferida para outra seção, sem que Jacó ficasse sabendo, e rompeu o último laço que os unia.

A história de Jacó no espiritismo foi breve. Perdidas as esperanças de conquistar o coração de Judite, estando os primeiros cabelos brancos a despontar-lhe, lembrou-se da esposa e lá foi ele, humilde, pedir-lhe perdão, por todos os malfeitos.

A separação havia sido dolorosa demais para a amiga, mesmo porque os pais se cansavam das crianças. Desconfiada de que Jacó poderia ter tido recaídas, fez várias sondagens a respeito da vida do ex-companheiro e pôde avaliar que suas incursões no campo dos vaticínios tinham diminuído enormemente. Quando soube que freqüentava o centro espírita, impôs-lhe, rigorosa, como condição para o reatamento dos laços matrimoniais, que se confessasse ao padre e prometesse solenemente, diante do altar, que abandonaria o culto esotérico.

Era o que Jacó mais desejava, pois as responsabilidades morais a que tinha de sujeitar-se diante dos obreiros da seara espírita não se amoldavam ao seu modo de encarar os fatos da vida. Lera algumas obras, participara de vários trabalhos, mas nada se lhe arraigara profundamente ao espírito. Talvez, mais tarde...

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