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Contos-->46. PASSO A PASSO -- 19/05/2002 - 07:15 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Caminhando seguro pela estrada da vida, Vivaldo poderia dizer-se apaniguado pelo Alto. No entanto, tudo quanto fazia, por melhor que fosse, despertava em alguém alguma áspera repreensão por ter sido deixado inobservado algum aspecto que, ao ver do reclamante, era de fundamental importância. Se os casos que repetidamente lhe aconteciam não lhe perturbassem a maneira de ser, a nossa tarefa de narradores terminaria por aqui, no entanto, a mínima palavra de advertência, de reparo, de desagrado, colocava-o em polvorosa mental, aumentando cada vez mais o sofrimento íntimo. Exteriorizar não exteriorizava, mas parece que, por algum meio, transmitia aos circunstantes o estremecimento consciencial, de sorte a proporcionar-lhes oportunidades de azucrinar-lhe ainda mais a paciência. Vivaldo, porém, era seguro de si e prosseguia dedicando-se a fundo para melhorar o desempenho em tudo o que fazia.

Certa vez, ao amealhar pequena economia para adquirir bem de caráter pessoal, uma gravata, pelo que consta nos arquivos, Vivaldo se viu a ponto de explodir, porque ninguém foi capaz de aplaudir a aquisição. Em casa, no escritório, com os amigos do centro, todos lhe ridicularizaram a peça, fazendo-o crer em que talvez fosse melhor andar sem o inútil enfeite. Dessa vez, no entanto, firmou opinião e não se deixou magoar. Iria usar o escarnecido adorno, doesse a quem doesse.

Essa transformação íntima tivera causa em recente leitura de obra kardecista, segundo a qual o homem é responsável pelo seu progresso e não deve deixar-se envolver pela injusta apreciação de ninguém, nem no que respeita à razão, caso em que Vivaldo se considerava imune, nem no que respeita aos sentimentos, que eram o ponto fraco do coitado.

Não se comportou com rispidez nem respondeu mais aos ataques e observações de quem desejasse diminuir o seu atrevimento. Dignava-se a concordar educada e socialmente, mas prosseguia incólume, passo a passo, a caminhada.

Nesse estado de ânimo, foi visitado em casa por certa entidade espiritual que desejou manifestar-se por meio de psicografia. Fora de seus habituais padrões, julgou oportuno apanhar o inusitado ditado, prevenindo-se convenientemente quanto ao fato de ter de tratar dos aspectos malévolos que, certamente, acreditava, iriam imiscuir-se em tal manifestação. Para surpresa sua, a entidade chegou mansa e coordenada. Estendeu-se largamente a respeito do direito à vida privada, colocando no devido lugar a necessidade de participação social. Parecia que convivera longamente com sua personalidade e que conhecia o ponto de fraqueza que acabava de ser superado. Deu os parabéns ao mediador e prometeu voltar dentro de dois dias, à mesma hora. Que se preparasse para trabalho de largo fôlego.

Vivaldo analisou detidamente o escrito e avaliou-o como da melhor espécie que já tivera oportunidade não só de escrever como ainda de ler. Hesitou longamente, contrariando os seus hábitos, em mostrar a mensagem aos amigos espíritas, pois estavam impressos ali vários importantes itens de sua personalidade.

— Afinal, pensou, quem sou eu para acreditar-me tão superior que venha a cair de pedestal diante dos amigos?! Já estou acostumado com as críticas descabidas, já deliberei não dar ouvidos às palavras loucas, por que terei receio de expor-me moral e intelectualmente?! É preciso que tudo o que esteja fazendo seja do conhecimento da comunidade espírita, para que, se for o caso, se dê a divulgação dos trabalhos para honra e glória do mediunismo e para esclarecimento de certos pontos da doutrina que sempre ficam na obscuridade das mentes.

Assim, antes do momento aprazado para o segundo encontro, levou o ditado para dar conhecimento dele a toda a turma do centro. Como era de esperar-se, os elogios foram escassos mas as críticas avultaram, principalmente relativas ao fato de estar a trabalhar insulado, possibilitando que entidades malignas pudessem assenhorear-se-lhe da mente, induzindo-o ao erro e à deserção da doutrina. Tomasse cuidado! Ler o texto, leram, mas, não tendo o que criticar, disseram que estava bom, conquanto fosse bem melhor se levasse a entidade a manifestar-se na hora do encontro semanal no centro.

Vivaldo ficou acabrunhado mas, lembrando-se de que se determinara a não dar confiança para as palavras da crítica ferina dos parceiros, embora tenha duplicado os cuidados, ofereceu-se ao trabalho na data marcada. Novamente, a mensagem fazia referência à sua pessoa, ao comportamento dos amigos e indicavam-se, além disso, as medidas mais plausíveis para se evitarem as fraudes e os engodos.

De posse da nova mensagem, eis Vivaldo diante dos colegas, a rogar-lhes as considerações. Desta feita, não mais deram atenção ao teor do texto e investiram contra Vivaldo, que não os havia atendido. Se não quisesse ser enganado, que não se apresentasse. Que os deixasse em paz com as tarefas no centro.

A rispidez das expressões não perturbaram o seguro mediador dos planos, que, de novo, se ofereceu ao trabalho em casa. Nesse meio tempo, lembrou-se de abandonar os trabalhos que realizava junto aos assistidos pelo grupo de socorristas e manifestou a vontade de inaugurar casa própria, sob os auspícios da entidade ou entidades — não estava certo — que vieram para assisti-lo.

Pôs-se diante da folha de papel, pela terceira vez, e o texto versou a respeito dos amigos, suas atitudes, a reação do médium, suas idéias, terminando por longa exposição de motivos a respeito da necessidade de prosseguir auxiliando as obras assistenciais da instituição e, principalmente, do cuidado que deveria ter ao revelar o trabalho de psicografia aos amigos, uma vez que não estavam dando valor ao conteúdo da obra, mas à maneira pela qual estava sendo transmitida. Terminavam aconselhando-o a tomar o ditado no centro, durante a próxima sessão.

Assim se disse e assim se fez. Vivaldo, na noite da reunião, expôs aos amigos a explanação do mentor particular e lhes fez questão de enfatizar a recomendação a respeito de se colocar à disposição no ambiente do próprio centro.

Desta vez a reação foi positiva pois, espicaçada a curiosidade, todos queriam ver como é que o espírito se sairia sob o teto guardado pelas entidades guardiãs do agrupamento assistencial.

Na hora dos trabalhos mediúnicos, Vivaldo escreveu longo texto de orientação, em que o mentor fez questão de ressaltar a sábia determinação dos parceiros ao estimularem-no para o apanhado do ditado naquele ambiente santo. Falou da receptividade que tivera, esclarecendo que as comunicações com os protetores da casa vinham de certa época, nunca havendo qualquer oposição ou resistência à presença desse orientador particular para a realização de trabalhos de psicografia. Aludiu-se à curiosidade dos dirigentes e companheiros e preveniu-se quanto à possibilidade de se levantarem suspeitas quanto a animismo. Terminava exortando a todos que seguissem o evangelho do Cristo, prometendo-se continuar o trabalho em tal dia e hora, diferentes do horário do centro. Desse modo, a tarefa prosseguiria em casa, mas não mais isoladamente, uma vez que o protetor recomendava que mais alguém da mesa poderia estar presente, porque trabalho não haveria de faltar.

Ao ler a longa dissertação em que se tomavam excessivos cuidados com as admoestações dos parceiros, estes, por zelo, resolveram não dar inteiro crédito às palavras registradas à sua frente e, sem a presença de Vivaldo, decidiram reunir-se em outro horário para a devida consulta aos dirigentes espirituais da casa.

Assim, na noite seguinte, eis que o grupo se põe em trabalho de mediunidade, em local diferente, para não chamar a atenção dos demais que ignoravam o que se passava e poderiam revelar o encontro, inadvertidamente, a Vivaldo. Se houvesse recomendação dos instrutores, iriam até a casa do amigo para a realização da psicografia.

Surpresa das surpresas, os guias compareceram e recomendaram explicitamente que se desse apoio ao companheiro e que o auxiliassem na manutenção do tônus energético, pois os trabalhos em perspectiva eram sérios e demandariam vários anos para concluírem-se.

De início, os componentes do grupo se mostraram desconfiados de embuste espiritual. Analisaram bem as palavras dos guias e foram obrigados a reconhecer que, pela coincidência das expressões e pelo vigor do discurso, só poderiam ser os seus amigos que tinham comparecido. Arrependidos por terem tomado aquela decisão, por sugestão de um dos do grupo, oraram sentidamente, desculpando-se pela atitude irreverente em relação à obra que se prenunciava.

No dia da psicografia, sete parceiros compareceram à casa de Vivaldo e ali foram tomados oito longos ditados, cansativos e complexos. Durante quatro horas seguidas, os lápis precisaram ser apontados várias vezes. Desacostumados com tarefa tão grandiosa, ao se encerrarem as atividades, todos estavam extenuados mas maravilhados com a facilidade de imantação e com o rigor das manifestações. Nunca haviam sentido nada semelhante.

Devido ao adiantado da hora, deixaram para o dia seguinte a leitura e comentário dos textos, uma vez que os afazeres particulares os chamavam para dar assistência a outros setores das atividades. No entanto, deveriam voltar no dia seguinte, às mesmas horas, por recomendação expressa recebida por todos.

De fato, na noite seguinte, lá estavam todos a postos para ver se tudo decorreria como na véspera. Após quatro horas de alucinada escrituração, depuseram os lápis e partiram, crentes de que tudo em suas vidas começava a girar em torno da mediunidade psicográfica. Estavam achando-se dominados pelos espíritos mas, como cada qual conhecia o teor maravilhoso dos textos que lhe eram passados, confiaram em que a importância da tarefa recompensaria qualquer sacrifício.

Nessa vida ficaram durante dez noites, não interrompidas nem nos dias em que o trabalho se realizava na sala de reuniões do centro.

Após esse período, receberam a incumbência de procederem à conjugação dos textos e que publicassem a obra resultante. Para deslumbramento geral, tudo se encaixava em maravilhosa narrativa de fatos que envolviam certa família espírita durante alguns anos da vida, quando o labor espiritual fora prejudicado por ambições e perversidades de entidade que se imiscuiu no seio familiar, com o intuito de desbaratar toda a estrutura moral de sustentação. Com a ajuda das forças do etéreo, cada caráter era analisado e posto a prova, de modo que, para cada vício, se opunha a virtude correspondente e os meios de superação de cada aspecto específico. Era obra de ficção mas fortemente impregnada de aspectos possíveis de terem ocorrido com pessoas comuns em situações corriqueiras da vida. Toda filosofia da doutrina espírita ali se expunha com clareza e elevação. Era obra de mérito.

Vivaldo muito se reconfortou ao conhecer no trabalho o dedo de espíritos superiores. Aliás, a alegria fez vibrar o coração de cada um dos colegas e a publicação do trabalho foi comemorada com lauto almoço de confraternização. Divulgado o espesso romance, alcançou extraordinário sucesso de público, havendo necessidade de diversas reimpressões logo no primeiro ano. Os médiuns ficaram famosos e eram convidados para palestras, onde o assunto principal era a maneira pela qual haviam conseguido a psicografia. Embora aplaudidos e largamente enaltecidos, não se esqueciam dos habituais compromissos evangélicos, de sorte que, aos poucos, a vida foi voltando ao ritmo anterior. Após a euforia inicial do povo espírita, a novidade perdeu o brilho e aí se lembraram de se oferecer de novo às entidades ou entidade — não sabiam bem — que lhes haviam transmitido a sublime mensagem anterior.

Vivaldo, em casa, toda tarde se punha à disposição dos orientadores, mas a única resposta que obtinha era a batida frase: “A estrada só se percorre passo a passo...”; ou “O caminho só se deixa vencer pedacinho a pedacinho. Resigne-se a esperar. Enquanto isso, continue trabalhando.”

Sempre que voltava a encontrar os amigos, levava consigo as folhas manuscritas. Desse modo, o tempo foi esvaindo-se para cada um deles e, aos poucos, foram retirando-se para a pátria espiritual, sem terem tido de novo a ventura de nova glória. É verdade que trechos esparsos e narrativas cada um, escondido em casa, foi apanhando. Mas nunca sob o influxo poderoso daquelas inolvidáveis noitadas. A cada partida, os familiares reuniam os manuscritos e enviavam ao centro, de modo que o volume foi aumentando consideravelmente. Ao partir o último amigo, Vivaldo viu-se diante de calhamaço impressionante. Chamou o filho, moço expedito e inteligente, e rogou-lhe que examinasse os papéis para ver se alguma utilidade poderiam oferecer. Sua intuição lhe prenunciava algo de muito bom escondido ali.

Copiadas em moderna máquina computadorizada, as mensagens dos amigos foram sendo dispostas por antigüidade, de sorte que, de repente, ao ser transcrito o último lance de papel e tendo sido mesclados os entrechos, se revelou que o conjunto formava dez esplêndidos romances de caráter moral, rigorosamente dispostos por temas específicos do procedimento humano, à luz das bases filosóficas da doutrina espírita, verdadeira comédia humana à moda de Balzac.

Vivaldo não sobreviveu à publicação das obras. No entanto, fizeram sucesso estrondoso, muito além do que a anterior, especialmente porque se fizeram acompanhar desse halo de mistério do trabalho secreto de cada mediador.

No plano espiritual, os amigos se viram reunidos em torno de extensa mesa disposta diante de imenso auditório vazio. Confraternizavam-se na espiritualidade do mesmo modo que o fizeram na carne e interrogavam-se se não iriam conhecer os autores dos escritos. Diante deles, sobre a mesa, papel e lápis para escrita foram depositados por mãos invisíveis. Escrevessem, foi a ordem mansa que sentiram no coração. Passo a passo...

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