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Artigos-->Tarcísio, desculpe-me! (Uma criança de rua) -- 22/05/2007 - 14:19 (João Rios Mendes) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Tarcísio, desculpe-me!

No dia 21 de abril de 2007, o Governo do Distrito Federal fez uma linda festa popular para comemorar os 47 anos de Brasília. Durante todo o dia, a Esplanada dos Ministérios ficou repleta de pessoas que participaram das diversas atividades esportivas e culturais, enquanto as crianças se esbaldavam nas camas elásticas e em outros brinquedos. Eu também estive lá com minhas netinhas. Embora elas não tenham percebido, vivemos duas experiências que foram marcantes para mim.

A primeira delas. À minha frente na fila para assistir ao jogo de vôlei de praia estava um rapaz de uns 20 anos, sujo e com roupas rasgadas. De longe, o identificaríamos como um morador de rua. Ele mostrava uma alegria imensa: falava alto, brincava com as pessoas ao seu redor e zombava dos seguranças do evento que estavam ali para nos proteger dele. Num certo momento, ouvi dois seguranças comentarem entre si: “se ele continuar assim, a gente mete umas algema nele e deixa ele quetinho lá atrás”. (sic)

Na arquibancada, o rapaz continuava com sua alegria e falava o que todos gostaríamos de dizer. Era o nosso porta-voz. Quando um dos jogadores não defendia uma bola, o mendigo esbravejava: “como é que um homão desse não pode com uma bolinha dessa? Desse jeito tu vai perder, hein!”. Com seu jeito brincalhão, ele até pegou uns autógrafos para umas garotas que se descabelavam pelos atletas.

Quando as jogadoras Leila e Virna entraram em quadra, novamente o rapaz transformou em palavras o pensamento de nós homens: “você é muito bonita! É a nora que minha mãe queria! Me dá seu telefone! Passa lá em casa!...”. Nas jogadas bonitas e a cada sorriso das atletas, outros homens, assim como o mendigo, tiravam a camisa e a rodavam no ar e também gritavam palavras elogiosas. Nada de exagerado ou obsceno ocorria ali. Até nos divertíamos com a euforia do mendigo. Mas a indignação foi geral quando três policiais fortemente armados se aproximaram dele e pediram que o acompanhassem. O mendigo saiu escoltado enquanto os policiais ouviam uma sonora vaia. Eu e algumas pessoas ao redor nos indignamos com a injustiça de terem levado apenas o mendigo, já que outros homens estavam igualmente eufóricos. Mas o embate na arena nos fez esquecer o nosso porta-voz.

A segunda experiência foi ao final do jogo, com a vitória da Virna. Ao sairmos da quadra, comprei um aviãozinho de isopor para as minhas netas. Tentávamos fazê-lo voar quando apareceu um garoto de uns dez anos, sujo e com roupas rasgadas. Com um aviãozinho na mão, ele me disse: “é assim que a gente faz pra ele voar, ó: O senhor roda a hélice cinqüenta vezes, assim 1, 2, 3...” e contou até 50. O que mais me chocou na aparência dele foi que ele tinha a parte superior dos dedos dos pés quase toda ralada, em carne viva mesmo.

Eu e minhas netas – pouco mais novas que o garoto – estávamos atentos à lição quando resolvi embaçar o nosso passeio suspeitando que o menino estivesse distraindo a nossa atenção para que outro roubasse as nossas mochilas que estavam no chão. Não falei nada, apenas pensei. Fiquei preocupado e desviei totalmente minha atenção para qualquer movimento à nossa volta e não aproveitei a alegria das minhas netas com aquele garoto feliz com seu aviãozinho e com a nossa companhia.

Mesmo tenso, várias vezes eu soltei o aviãozinho e eles saíam correndo atrás do brinquedo. Num certo momento o garoto disse:

- Tá vendo esse T aqui na asa do meu avião? É de Tarcísio, meu nome é Tarcísio. Eu moro na rodoviária. Saí de casa porque o meu pai chegava bêbado e me batia muito.(sic)

Ainda assim não confiei nele e continuei preocupado com o suposto assalto embora estivesse rodeado de centenas de pessoas naquele gramado. Tratei de despistá-lo e nos afastamos dele.

Poucos dias depois, eu estava em Buenos Aires, capital da Argentina. Depois do almoço, fui descansar no gramado de um parque no bairro Ricoleta. O meu descanso foi interrompido por um casal de crianças mendigas – bem vestidas em lindos trajes típicos dos pampas, loiras e limpinhas – que tocaram um tango com seus acordeons desafinados em troca de uma moeda. Embora estivesse sem ninguém por perto e em terra estrangeira, não me senti ameaçado por elas como me senti pelo Tarcísio. Deixo para o caro leitor ou leitora encontrar as explicações do meu comportamento na presença delas e do Tarcísio e o porquê de os policiais levarem o mendigo.

Por que estou contando isso? Porque ontem li o poema Confiar, de Thiago de Melo, que decreta:

Fica decretado que o homem não precisará nunca mais duvidar do homem.

Que o homem confiará no homem como a palmeira confia no vento, como o vento confia no ar, como o ar confia no campo azul do céu.

O homem confiará no homem como um menino confia em outro menino.

Por isso, Tarcísio, desculpe-me por desconfiar de você!



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