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Contos-->50. A SAGA DE SAMUEL — I — LUCRO INDEVIDO -- 23/05/2002 - 07:53 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

HISTÓRIA EM ALGUNS CAPÍTULOS DE UMA FAMÍLIA BRASILEIRA


Samuel era comerciante de calçados. Tudo fazia para que a clientela voltasse a adquirir em sua loja e, por isso, até descontos descabidos era capaz de oferecer para atrair e fixar a confiança dos fregueses.

Como tudo na vida, também Samuel encontrou o seu fim na Terra e transmigrou com todo o lucro para o etéreo. Levava também certas perdas e danos, mas, na contabilidade do destino, parecia-lhe estar em vantagem.

Tal não foi, contudo, o entendimento dos maiores. Bem sopesados os haveres na balança do bem e do mal, os pratos se desequilibraram, elevando para o alto o volume dos lucros. Havia mais perdas e danos. Samuel, que muito bem sabia fazer as contas na Terra, estranhou o resultado da pesagem e buscou saber o que realmente havia feito com que a encarnação acrescentasse débitos ao passivo e não haveres ao ativo.

Recapitulou, passo a passo, a vida e verificou que, no aspecto familiar, estava muito bem em sua avaliação. Era o que fazia com que os lucros descessem o prato da balança um pouco. Como filho, fora exemplar. Como marido e pai, dos melhores.

Com os amigos, a conversa, todavia, era outra. Quanto à ajuda espiritual, tudo bem. Lá estavam algumas bonificações sob a forma de sacrifícios feitos e de tempo despendido. Mas no setor material, afora alguns fiados mais prolongados, o mais que se via era o perfeito sopesar da possibilidade das aquisições, com o valor afetivo a eles emprestado. Em outras palavras, não tinha senão amigos dentre os que poderiam comprar em seu estabelecimento; e pagar à vista. Bem pesadas as coisas, a balança, nesse aspecto, poderia equilibrar-se.

Examinou a consciência relativamente aos fornecedores. Nada de um lado; nada do outro. Se não deixara de pagar, também não apoiara de modo expressivo quem precisasse safar-se de alguma situação de bancarrota. Não lhe fora proporcionada nenhuma ocasião de ajuda, nem ele procurara encontrar nada do gênero.

Restava a clientela. Aí as coisas se complicavam deveras. Tendo sob seu poderio econômico a faculdade de propiciar preços módicos, diminuindo o lucro, mas favorecendo a aquisição de calçados a maior número de criaturas, não arredou, contudo, um passo do critério inicialmente estabelecido dos trinta e cinco por cento de lucro líqüido. Ao chegarem as partidas de mercadorias, categorizava-as segundo rigorosa repartição pela qualidade e anotava os preços de modo extremamente rigoroso. Acrescentava o tanto relativo ao percentual a ser dado ao vendedor. Punha de acréscimo reserva de quinze por cento que poderia descontar para contentar aos mais insistentes e para agradar aos que pela vez primeira se aproximavam do estabelecimento e estava feito o preço final.

A bem da verdade, aquela última faixa que ficava a seu critério repassar para o comprador surgiu da idéia generosa de que tudo que se conseguisse angariar seria destinado para obras de benemerência, como já fazia o velho pai, que lhe recomendara seguir o sistema como reserva de beatitude. De início, nos primeiros dois anos, Samuel, religiosamente, separou o lucro adventício e destinou-o às obras de caridade da sinagoga. Isso ocorreu enquanto o pai vivia. Após a morte do velho, porém, ao refazer as contas para estabelecimento das margens de lucros, Samuel atentou melhor para os preços da concorrência e verificou que praticava valores abaixo aos do mercado. Não alterou, contudo, a fórmula do cálculo, mas resolveu que a vantagem extraordinária seria destinada para a educação dos filhos em nível superior.

De fato, durante os anos seguintes, a conta só era tocada para essa finalidade, até que as previsões com os gastos passaram a indicar que o dinheiro guardado daria para a educação inclusive dos netos.

Tendo tido necessidade de internação hospitalar, não mexeu nas economias oficiais da família e apelou para o pecúlio especial. Esse primeiro real desvio da finalidade abriu brecha para outros tipos de gastos excepcionais: presentes aos filhos, festas de aniversários, formaturas e até certas contas que não poderiam figurar na escrituração contábil da dona da casa.

Nesta altura do relato, Samuel tossiu desesperadamente, simulando ataque de algum vírus fluídico extremamente incômodo. Pacientemente, os protetores esperaram o desafogo e prosseguiram serenos na contabilização dos débitos.

A lista não se prolongou muito além, mas faltava tópico de especial relevância: o momento em que chamou a descendência para as instruções a respeito de como efetuar o comércio que lhes passava como herança. A explicação fora minuciosa e, quando chegou ao ponto importante do lucro extra, omitiu a recomendação do pai e instituiu como roteiro para esse dinheiro a aplicação que ele mesmo realizara, insistindo para que não se tocasse nesse fundo particular, a não ser para necessidades de caráter emergencial.

Para que o leitor fique serenado, devemos dizer que os filhos eliminaram esse ganho exagerado e malicioso e preferiram praticar o comércio sob bases mais realistas, consultando melhor os interesses do povo. Nem por isso, porém, a atitude deixou de se constituir em sério peso a arrastar para baixo o prato das perdas e danos.

Inteiramente cônscio das razões da contabilidade não ter sido considerada aproveitável para novo exercício na carne nas mesmas condições, uma vez que desfigurara o projeto explicitado pelo pai e que constava de sua programação de vida, Samuel foi designado para servir de orientador particular de um dos netos, que demonstrava pendores artísticos muito pronunciados. Deveria conduzi-lo pela vida, atentando especificamente para o fato de que o ganho maior a ser conseguido por aquela alma em débito era compor extensa família, dando a todos os filhos condições de enfrentar a vida de modo corajoso e proveitoso.

Samuel foi visitar o “berçário” em que se preparavam os encarnes e, lendo as fichas de cada pessoa, pôde constatar, a contragosto, que estavam inscritos ali vários espíritos impenitentes e rebeldes, viciados de outras encarnações, almas difíceis de conduzir na esfera corpórea. Sopesou sua capacidade de atuação e concluiu que, se chegasse a bom termo na tarefa de proteção, por certo conseguiria saldar a dívida para com os maiores.

Animou-se com o trabalho, mas considerou a tarefa excessivamente sobrecarregada. Antes, todavia, de tomar qualquer deliberação a respeito do roteiro a ser seguido para dar cumprimento às atribuições, resolveu consultar seu guia sobre a possibilidade de receber amparo quando do aparecimento das dificuldades maiores. Como resposta, obteve extensa declaração a respeito da misericórdia divina especialmente voltada para quem manifesta boa vontade e interesse em acertar.

Começou, assim, a aventura de Samuel para resgatar os débitos.

Seguiu para a Terra em companhia de outros espíritos com encargos similares e foi em busca do neto, ainda infante, aluno de primeiras letras, mas habilíssimo no desenho, na pintura e na música. Estabelecido o espectro da personalidade, notou-se séria tendência à feminilidade do caráter, primeiro imenso empecilho para a formação de família nos moldes tradicionais. Se o querido Davi, que chegara a carregar no colo, fosse incapaz de contrair matrimônio por injunções temperamentais, como resolver o problema da responsabilidade em relação àqueles que se preparavam para constituir-se em sua família?

Eis que Samuel teve uma idéia. Iria...

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