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Artigos-->A aliança entre o político e o eleitor* -- 30/06/2007 - 23:12 (João Rios Mendes) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Se colocarmos um político e seu eleitor de frente para o Congresso Nacional e perguntarmos o que aquele prédio representa para suas vidas, ouviremos duas versões diferentes. É quase certo que o eleitor dirá que a eleição daquele parlamentar é a chance de ele (eleitor) ver realizar-se o desejo de melhoria de vida para ele e seus familiares. Ainda dirá que se ele fosse o parlamentar lutaria com todas as forças para aprovar leis que criassem mais empregos, que contratassem mais professores, médicos e policiais. Ainda diria que aquele prédio é a estrutura que o seu político usará para trabalhar sem medir esforços para atender todas as suas (do eleitor) expectativas.

Se perguntarmos para o político o que o mesmo prédio representa para si, ele até concordará com o eleitor em relação a “lutar com todas as forças”, mas, no seu íntimo, ultrapassar a porta do parlamento significa a chance imediata de um emprego bem remunerado, de prestígio perante a sociedade e de usufruto das regalias que o cargo oferece. Uma vez eleito, a ascensão na escala social é imediata e começa logo após o resultado da eleição. O eleitor, ao contrário, esperará anos a fio para ascender-se socialmente e ver seus sonhos se realizarem. Em muitos casos, nem se realizam, principalmente se o político em quem ele votou muda de partido ou de opinião sobre o que discursava antes de chegar ao poder. Esse viés político-sociológico, escondido no interior do político, é o que alimenta a esperança de um eleitor sempre ávido por mudanças. O político sabe que a ponte para ele melhorar de vida é o eleitor, e o eleitor também sabe que para melhorar de vida depende das ações do político. No entanto, é comum o político se descuidar e as palavras não acompanharem as suas ações. Realizar os desejos do eleitor não é coisa imediata, e isto o eleitor desavisado não entende. Quando ele vota em alguém, ele deseja e precisa que as soluções dos seus problemas venham junto com a posse do político, porém o político não explica que para aprovar uma lei os outros políticos têm que concordar com a idéia. Tem que negociar. Uma vez decepcionado – e como a eleição só acontece de quatro em quatro anos – o eleitor esperará todo esse tempo para ter novas esperanças no que outro político lhe prometerá.

O governante estuda o comportamento exterior do eleitor para chegar ao interior deste indivíduo. As ações visíveis, externadas a todo o momento pelo político, são mutáveis e podem ser substituídas por outras ações mais adequadas e consistentes a sua sobrevivência política. O que está no interior além da pele – que eu chamo de alma – age invisivelmente e tem ações duradouras, quase imutáveis, é isto o que molda e dirige o indivíduo ao longo de sua vida. Conhecer a interioridade do indivíduo é acessar-lhe a alma, é deixá-lo desprovido de reação, é torná-lo imóvel frente às ações do seu próximo. Quando o político conhece a alma do eleitor, ele tem garantia do voto na próxima eleição e em todas as outras.

Outro viés a ser considerado nesta relação político-eleitor é o lingüístico. Assim como cada indivíduo é constituído pelas vozes de suas experiências vividas ou pelos seus sonhos, o eleitor também é forjado nas suas necessidades e nos discursos de cada político que cruzou seu caminho. Muitos outros cruzarão e cada um deixará uma marca indelével no eleitor, até que este indivíduo se ache completo e escolha seu político sem se impressionar com as palavras, mas com as ações.

Assim como o professor não existe sem o aprendiz, o político também não existe sem o eleitor. Considerando-se um regime democrático, é quase certo que haverá mais de um político disputando o voto do mesmo eleitor. No momento da negociação do voto, político e eleitor existem um para o outro na mesma intensidade e com a mesma relação de forças. É neste momento que o político-candidato – noviço ou veterano – desce da sua autoridade e nivela-se ao eleitor. Com igual intensidade, o eleitor sobe uns degraus e nivela-se à autoridade do político. Essa tensão de o político conquistar o voto e de o eleitor decidir em quem votar é o que levará ambos a se verem um no outro. Enquanto estiverem olho no olho, estar formando-se um elo de cumplicidades. Se nesta tensão o eleitor identificar a alma do político e se agradar do que viu, pronto, está formada uma aliança inquebrantável.

O político também é influenciado pelo eleitor e não age sem ouvir as vozes interiores que este lhe impregna – eis a aliança ajustando-se. É por causa desta tensão interna do político que ele trabalha sem medir esforços para realizar as promessas de campanha. No momento de o político votar num projeto, o eleitor é quem o manipula, e ambos colocam o voto na urna. Lá no parlamento o eleitor está presente participando de todas as decisões, é o voto invisível e mais importante da Casa.

Mesmo vivendo num mundo com maior renda e mais glamour que o dos eleitores, os políticos também esperam que seus desejos sejam realizados. A angústia e a expectativa dos políticos com relação as suas necessidades não são tão diferentes das dos eleitores. O que difere é o tempo e a forma de satisfazê-las. Por mais que façam discursos acalorados e por melhores que sejam as intenções de melhorar a vida da população, somente quando os políticos internalizam as expectativas e necessidades dos eleitores é que eles (políticos) completam-se como estadistas e garantem a reeleição – é a conformação da aliança.

A angústia maior dos políticos é que eles vivem à espera da opinião positiva dos eleitores. Os políticos não existem sozinhos, não se bastam a si mesmos. Os eleitores, ao contrário, são donos das suas expectativas porque podem substituir o político que não lhes agradar. Os políticos, ao contrário, não podem substituir os eleitores. Se todos os políticos forem embora de uma cidade logo aparecerão outros líderes para substituí-los. Mas se todos os eleitores forem embora de uma mesma cidade, os políticos prometerão o quê? E discursarão para quem?

Os políticos avaliam seu trabalho e seu desempenho pelos olhos do eleitor. Eles são incapazes de enxergar a si mesmos senão pelas críticas do eleitor. São por eles que os políticos determinam o ritmo do seu trabalho e as causas a defender. Tanto é verdade que os políticos não existem sem os eleitores, que, no dia da eleição, os candidatos votam em si mesmo. São eleitores egoístas e sem candidatos. Os eleitores, ao contrário, têm a grandiosidade de não votarem em si e o orgulho de escolherem em quem votar.

A fidelidade e dedicação do eleitor para com um político é algo instável e se move de acordo com o humor e as ações do parlamentar. O político voltado para si mesmo, que não interage com o meio que o elegeu, que não ouve o que o cidadão quer dizer e que não fala o que o cidadão quer ouvir, caminhará sozinho rumo ao esquecimento. Já os eleitores não marcham para o esquecimento, não temem substituí-lo, embora nem sempre o faça com alegria.









*Baseado na Estética da Criação Verbal, de Mikhail Bakhtin.



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