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Contos-->50. A SAGA DE SAMUEL — VI — SAMUEL SE ENTENDE COM MARCOS -- 28/05/2002 - 05:33 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Desde que assumiu a gerência dos negócios paternos, Marcos começou a se desviar gradativamente das responsabilidades familiais. Casado desde os vinte e nove anos, aos trinta e dois percorria os prostíbulos como jovenzinho à cata das sensações primeiras da libido.

Samuel via o desregramento em que o protegido se metia e, por mais que tentasse fazer o afilhado voltar ao caminho de casa, o máximo que conseguia eram alguns momentos de reflexão. Pensou em fazê-lo quedar por uns tempos em leito hospitalar, vítima de alguma infecção venérea, mas não lhe estava no projeto maior da vida qualquer deslize no setor da saúde naquela década. Parecia que o Alto lhe manietava as mãos.

Procedendo com extrema cautela, Samuel sondou o coração à jovem esposa mas verificou que cenas de ciúme só desencadeariam separação dolorosa, à vista da apaixonada dedicação ao marido. Perdoar, no entanto, não estava nos planos da libertária mocinha, que bebia das águas do amor livre e da responsabilidade consciencial. De resto, não acreditava em que o marido pudesse traí-la, leal que era, ela mesma, ao trato moral que haviam feito. Se houvesse intenção de se buscar amor em outra parte, antes do feito, que o cônjuge fosse informado. Selado o acordo com muitas juras e promessas, não lhe era crível que algo pudesse fazer o marido fugir ao compromisso. Assim, a notícia das fugas ao teto conjugal seria catastrófica para o relacionamento.

Samuel imaginou estratagema que viria a surtir efeito: tendo avaliado as amizades que o “nouveau riche” cultivava, verificou que certo distinto senhor, freguês da galeria, estava condenado irremediavelmente por mui séria anomalia provocada por abuso de caráter sexual. Os tratamentos não surtiriam efeito à vista de complicações coronárias, o que estava impresso no livro biológico de seu organismo. Tal criatura, muito séria no trato dos negócios, adquiriu a prestações certa obra caríssima, disputada, aliás, por vários freqüentadores da casa. Por injunções de caráter bancário, pôde Samuel efetuar provisório desvio de três prestações consecutivas e, pelo interfone auricular, conseguiu fazer com que a verdadeira condição de saúde do devedor chegasse ao conhecimento do marchand de obras artísticas.

Marcos, à vista do débito restante e diante das falhas das entradas das quantias correspondentes, deslocou-se pessoalmente para a cobrança. Desculpa tinha das melhores, pois iria visitar o enfermo. Era o que almejara o arguto Samuel.

Diante da lastimável condição física do doente, Marcos sentiu forte estremecimento na espinha. Estando a sós com o amigo, pediu informações a respeito de como obtivera tal moléstia. Ao ver citada uma das casas que freqüentava, apavorou-se. Amava a vida tão profundamente que a só idéia de ter de partir logo lhe esfriou os entusiasmos eróticos. Ficou tão impressionado com a situação em que se encontrava o velho senhor que, imediatamente, procedeu a todos os exames clínicos que experiente médico consultado aconselhou. Nada foi encontrado de positivo mas, ainda assim, chamou a cara esposa e, com a desculpa de que precisaria preparar-se para futura gravidez, obrigou-a a realizar o mesmo espectro de exames, para assegurar-se de que tudo corria sob a mais rigorosa higidez. De fato, o casal passara incólume pelos desatinos do filho mais novo do prezado Davi.

Por falar no pai, por essa ocasião, tendo percebido o estranho procedimento do filho em relação às atividades da organização que dirigia, uma vez que desleixara, à vista das angústias da incerteza dos resultados ainda não revelados, aproximou-se dele para restabelecer o projeto original da galeria, que estava afastada das exposições de incentivo aos artistas novos. Preparava o terreno para a apresentação ao público do “afilhado” querido, o ente mais caro ao coração.

À vista da aflição por que passava, Marcos não notou o extremado interesse com que o pai procedia em relação a investimentos que, sabia-o bem, poderiam não significar retorno algum e até mesmo certo prejuízo.

A doença, no entanto, não se revelou, a condição mental se restabeleceu e, ao voltar plenamente a atenção aos negócios, finalmente a curiosidade de Marcos a respeito das atitudes insólitas do pai ficou aguçada. Não tendo feito objeções à época mais apropriada, reservou os comentários para momento oportuno, quando tivesse argumentos sérios a apresentar. Por isso, foi em busca do novel expositor, que bem conhecia como filho de amiga muito querida da família, mas de cujo trabalho estava totalmente alheio.

Muito se admirou ao ver o traço firme, as cores harmoniosas, os temas modernos e a crítica social bem formulada. Sentiu nas linhas, nas tonalidades e nos matizes, principalmente no jogo de luzes, a mão firme do pai, mas atribuiu o fato à insistência do velho em tomar o rapazelho como discípulo e pela facilidade e traquejo com que imprimia rapidamente ritmo próprio a qualquer tela que tivesse oportunidade de borrar. Imaginou a crítica mais perspicaz a escorraçar o pequeno por falta de originalidade e foi com tal argumento que se apresentou ao progenitor para esfriar-lhe o entusiasmo em relação à exposição em vias de preparar-se. Temia pelo bom nome da família.

Ester estava presente à reunião íntima em que se trataria do negócio, de modo que a mãe poderia oferecer a segurança de seu aviso e de sua ponderação como suporte para convencimento do pai para aguardar que o jovem artista amadurecesse.

Surpreendentemente, sem saber por que razões desconhecidas, Ester conjugou aos esforços do marido o mais veemente empenho, de sorte que o pobre Marcos saiu do encontro totalmente aturdido. O jovem João teria a galeria e a mostra garantidas.

De início, Marcos só via na criança genial, protegido apaniguado por inteligência e talento. A reação dos pais, contudo, fê-lo advertir para o traço semelhante, não das telas, que confundira com plágio ou com ajuda indevida, mas dos rostos. Observando atentamente o rapazelho, verificou estarem ali impressas na fisionomia as características inconfundíveis de sua família. Desconfiou de que se tratava de um irmão e, juntando os fatos, a evidência pareceu-lhe flagrante. Adquiriu certeza, finalmente, quando, ao pesquisar junto ao corpo médico que atendia a família de Sara, encontrou cópia de resultado de exame do espectro espermático do marido, que denunciava impossibilidade de procriação. Estranhamente, observou que a data do laudo médico coincidia com a da morte do paciente. Que desconfiança havia surgido na mente de quem, para se determinar o procedimento clínico? Eis o mistério que se formou para a mente esperta do atilado comerciante.

Dono do segredo, a primeira atitude seria chamar o pai às falas, para derrotá-lo de vez na questão da “vernissage”. Contudo, não queria conturbá-lo a ponto de ver prejudicada sua condição de gerente do estabelecimento, com direito a herança. Agiria prudentemente.

Mas Samuel estava atento para o desenvolvimento das investigações. Prevendo o próximo funesto lance nesse tabuleiro complexo da vida e temendo ver irremediavelmente perdido o trabalho de aproximação do filho ao pai, ao mesmo tempo em que afastava o inteligente rapaz da rota do vício, temeroso de receber outro NÃO peremptório à intenção de reunir de novo as entidades durante o sono, correu a consultar os superiores, para ouvir deles a anuência à sua pretensão ou o conselho que lhe possibilitasse cuidar proficientemente da situação.

Permissão para encontro das personagens encarnadas não obteve, mas foi instruído a que se aproximasse do bisneto durante a vigília, para sugerir-lhe que fizesse prévia da mostra, levando alguns críticos e conhecedores de arte a visitarem com primazia as obras que seriam expostas. Certamente, a distinção do convite particular e a oportunidade de avaliação antecipada do evento lhe poderiam estabelecer padrão de comportamento diante do drama maior: a eventualidade de fracasso financeiro e de “débacle” moral.

Acalentada a intuição como idéia própria, Marcos viu na saída encontrada a tábua de salvação. Deixaria o tema familiar para decidir depois. Consultados os críticos, ouvidos os amigos mais chegados e estabelecido o contacto com os compradores mais fiéis, Marcos foi obrigado a reconhecer que o irmão iria decalcar a sua na carreira do pai, inequivocamente. O fato de se reservarem todos os quadros da exposição previamente e a crítica ter sido absolutamente favorável, fê-lo adiar definitivamente a intenção de bloquear o desejo do pai de realizar aquela ou outras mostras de artistas novos. Marcos poderia até entender de negócios, obtendo preços incríveis para obras medíocres, mas de arte, verdadeiramente, Davi era o mestre.

Entretanto, restava resolver o problema familiar. Se o pai prosseguisse dando atenção cada vez mais pronunciada ao pequeno artista, iria desestabilizar de vez o lar que precariamente ainda exigia dele certas determinações, principalmente em função da mãe e da irmã. Assim pensava sem muita convicção, tendo em vista Isabel ter passado dos trinta e cinco anos e a mãe estar acomodada nos cento e trinta quilos. Algo, no entanto, lhe pesava na consciência como que resquício de honestidade ou de amor-próprio, ou certa vontade oculta de desforra por algo que o pai parecia ter-lhe feito com a descoberta daquele irmão comborço. Era preciso que obtivesse, de qualquer modo, certa ascensão sobre o pai, para fazer valer a sua presença. Por último, lembrou-se de que, com João, deixava de ser o caçula e essa foi a pequenina gota d água que o fez decidir-se pela afronta.

O que menos Samuel desejava nesta altura dos acontecimentos era ver a família surpreendida por qualquer escândalo que pudesse maculá-la social e moralmente. Consultados os maiores, finalmente obteve deles permissão para o ansiado encontro com o afilhado no plano espiritual.

Samuel avaliou todos os pontos da delicada questão e se decidiu por abrir o jogo totalmente. Certamente, o bisneto agia sob impulsos conscienciais de caráter desconhecido para a atual condição de encarnado. Era preciso despertá-lo para as verdadeiras razões de seus atos, mesmo que fugidiamente, no âmbito da espiritualidade, com pouca chance de repercussões na análise da vida que, como encarnado, Marcos seria levado a realizar, tendo em vista as impressões que lhe sobrariam no inconsciente. Se Deus estivesse com ele, quem poderia estar contra? Samuel, antes, portanto, de estabelecer o contacto, resolveu orar com muita fé, solicitando ajuda dos guias e protetores, para que sua missão pudesse significar algo para a evolução daquelas almas que estavam sob sua responsabilidade.

Na noite do encontro, foi preciso que Samuel procedesse à implantação de suave dor de estômago no afilhado, para impedi-lo de consumir bebida alcoólica, cujos eflúvios perturbariam extraordinariamente a fixação dos conceitos na intimidade da consciência. A leve doença teria outro objetivo, qual seja o de tornar a mente do assistido mais impressionável e, portanto, mais favorável ao acesso das idéias que iria implantar.

Com muito tato, Samuel abordou o espírito de Marcos no etéreo, apresentando-se como seu anjo protetor. Para o efeito, obteve de diversos amigos certa luminosidade áurica, de modo que Marcos se sentiu seguro da importância da figura que com ele contatava.

Em longa exposição, Samuel foi revelando todos os passos dados pelo protegido, demonstrando muita afabilidade e respeito, para adquirir a confiança necessária aos seus propósitos. Quando foi preciso ser duro e enérgico, foi, na medida da compreensão daquele espírito que, no etéreo, demonstrava nuanças de cores que iam do vermelho esmaecido e opaco ao marrom tendente ao negro. Revelou a boa fortuna de ter encarnado naquela família e alguns atos pregressos que lhe eram possíveis recordar por influxo energético especial propiciado por invisíveis entidades. Finalmente, deu-lhe a conhecer o fato de terem sido adversários políticos, pai e filho, em anterior encarnação, durante a qual Davi espoliou Marcos de todos os haveres, obtendo como troco severa perseguição no plano espiritual. Que Marcos pudesse recordar-se de que o presente encarne visava à união de ambos, de forma a se verem apagados da memória os antigos débitos. Avaliasse a atitude de proteção de Davi e levasse na devida conta todas as dores de cabeça que tivera por causa das estripulias do filho na primeira juventude. Por último, recomendou-lhe que se dirigisse ao templo para ouvir as pregações dos rabinos, com o que há muito estava em falta.

Ao acordar na manhã seguinte, Marcos lembrava-se de ter sonhado com sinagogas, mesquitas e catedrais. Parecia-lhe que padres, rabinos, pastores e oficiantes lhe verberavam o procedimento que mantivera algum tempo atrás. Assustou-se pela possibilidade de ter falado durante o sono e determinou-se a oferecer preces de agradecimento pela melhora física na primeira oportunidade.

De fato, no sábado seguinte, inusitadamente, o pai veio buscá-lo para certas cerimônias na sinagoga, que havia esquecido totalmente de assinalar. Era o “Bar Mitzvah” de João.

Durante todo o evento, mais social que religioso, Marcos ficou observando a ternura do olhar do pai em relação ao jovenzinho que se destacava entre os demais pela beleza e delicadeza dos traços. Lembrou-se do sonho e das aventuras extraconjugais e ali, diante do altar, do candelabro e da Torá, e perante Deus, prometeu, no fundo da alma, que sepultaria a pérfida intenção de acusar o pai. Vinha-lhe ao encontro a primeira criatura fruto dos amores domésticos.

Samuel, na primeira linha de cadeiras, orava e chorava lágrimas da mais pura emoção.

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