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Artigos-->CARTA MARCADA -- 28/11/2007 - 18:37 (Carlos Rogério Lima da Mota) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A ópera do desespero, cujas notas inspiraram Edvard Munch na criação de O Grito – uma das gravuras mais aclamadas da crítica moderna, por seu expressionismo adquirir caráter simbolista, de teor quase histérico – ecoa pelo tempo, prenúncio de que o portal que separa a vida da morte, a esperança da descrença, a vitória do infortúnio, a fragrância da podridão, novamente se abrira para a passagem de uma carruagem envelhecida, conduzida por um chofer coberto por um manto negro, adornado com penas de urubu e essência de enxofre, tendo nas mãos cadavéricas o sangue dos grandes holocaustos humanos.



Os anjos choram, as trombetas tocam, o paraíso entra em crise e o inferno saboreia o momento, logo uma de suas vítimas também cozinhará no grande caldeirão da maldade, para onde se encaminham as almas perdidas. Gargalhadas de regozijo se confrontam com as lágrimas de misericórdia.



O tilintar da carruagem estremece o corpo de Gabriel, que se contorce como uma cobra acuada, desejando encontrar em sua morte o consolo tão almejado à própria vidinha Nelson Rodriguiana.



Os olhos saltitam reluzentes diante de uma face devastada pela vermelhidão. A saliva desce desatinada pelos cantos da boca, o ar já não encontra os pulmões, o coração bate descompassado, como se quisesse sair pela boca... Seu fim já é aguardado, a carruagem está aberta, com o chofer à porta, pronta para aprisionar sua alma e condená-la à dor eterna.



_Venha, senhor! Bastam alguns passos, a carruagem está pronta – persuadi o motorista, com um leve sorriso malicioso à face. Venha, sua alma nos é valiosa! Venha... Deus já lhe deixou! Você está na mureta do 13º andar deste edifício, tome coragem, apenas um passinho e todos os seus problemas terminarão.



_Eu não sei... - diz o infeliz, numa voz quase inaudível. Tenho medo!!!



_Medo de quê? O Paraíso de Verdade, não aquele prometido por um tal DEUS que você nunca viu, lhe espera – zomba o criado do mal.



O suor de Gabriel esvoaça... Prestes a cometer o suicídio diante de uma enorme multidão que se aglomera como se estivesse aguardando os restos da tragédia como hienas famintas, ele chora. As câmeras de TV registram tudo ao vivo e o evento nada aprazível vira festa e o Ibope solta rojão.

Mergulhando nos olhos do chofer, Gabriel revive os motivos que o levam a cometer tal atrocidade...



_ GABRIEL! – chama-lhe uma voz suave, porém embargada pelas lágrimas.



_MÃE??? O...O...O QUE FAZ AQUI???... EU... – vira-se para ela aquele corpinho franzino, quase sem forças, com os olhos assustados. Não faz isso, mããee...



_Vim buscá-lo, meu amor! Não sei o que está se passando em sua cabecinha, mas cometer um ato insano como esse não faz parte da imaginação de um filho meu. Sei que está devendo muito, que os cobradores lhe assombram feito fantasmas e que, honesto, você não repousa no travesseiro como também muitos outros brasileiros não o fazem. Mas tirar a vida que Deus lhe deu e que foi gerada nesse ventre – aponta seu útero – com todo o amor possível, é dizer para si mesmo que é incapaz de lutar por algo que acredita; é dizer para si mesmo que nunca viu bondade nos olhares dos homens; é dizer para si mesmo que nunca amou ou fora amado de verdade; é dizer e assumir para si mesmo que é um fracasso! Por isso estou aqui, subi tudo isso, e você sabe o quanto temo elevadores e morro de medo de alturas, só para lhe dizer que você é meu filho e que, independente do que acontecer, será sempre MEU e amado com todas as forças do meu coração! Então, levante a cabeça e vamos voltar para casa.



_EU NÃO SOU NADA MÃE! – cai, ajoelhado, aos pés da mulher.



_ VOCÊ É O MEU FILHO! ISSO BASTA! UMA MÃE É CAPAZ DE TUDO, INCLUSIVE PULAR DESSA ALTURA, SE PRECISAR, SÓ PARA MOSTRAR AO FILHO QUE O AMA MUITO E QUE SUA PERDA SERÁ UM ETERNO BURACO EM SEU CORAÇÃO... – disse, levantando-o pelos ombros.



_Deixe essa velha para trás, ela quer impedi-lo de ver a verdadeira luz, de ser aquilo que nessa vida você jamais pôde ser... Deixe-a aí e venha agora comigo!!! Vamos para um lugar muito melhor – sopra-lhe ao ouvido, o distinto chofer - invisível aos olhares da mulher.



_Mãe... Não me deixe! – implora o rapaz.



O choro penoso do filho atrai a mulher para os seus braços. E ali, carne unida à carne, espírito a espírito, termina a agonia do garoto de 22 anos, que desiste de trocar seus problemas terrenos por uma vida incerta. O chofer, com os olhos encolerizados e cuspindo fogo, fecha a carruagem e desaparece no além, berrando aos ouvidos de quem pudesse ouvi-lo: Por que esse DEUS miserável foi criar a figura de uma mãe? Quem vence o amor de uma criatura como essa?



Meses se passam...



Encontramos o jovem completamente recuperado, com a vida mansa, eleito vereador pela maioria da população que se compadeceu de seu desespero, agora com as contas em dia à custa da usurpação do dinheiro público que, no Brasil, infelizmente, não é considerado crime, porque se o fosse, quantos restariam em Brasília?



Entrando num desses carros importados, com os vidros enegrecidos, Gabriel encontra o chofer de outrora, que está no banco do passageiro, bastante sorridente, à sua espera.



_Não lhe disse que teria o paraíso e ainda seria aclamado? Quem resiste ao choro de uma mãe? Nossa encenação foi maravilhosa. Não se esqueça, isso é apenas um acordo, depois de sua morte, faremos a rescisão do respectivo pacto, que, a priori, desculpe-me, será a meu favor. Em breve será prefeito, governador, deputado e, quem sabe, Presidente da República... Porque na política desse país, poucos não são meus!- gargalhou. E os que não o são, nem a história os lembrará...



E lá se foram, felizes da vida, fumando charutos cubanos.



www.escritorcarlosmota.com
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