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Artigos-->Presos -- 05/12/2007 - 22:29 (João Rios Mendes) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Presos

Certa vez fui passear em Ubatuba, uma cidade muito gostosa no litoral de São Paulo. Lá passei a freqüentar uma lanchonete que tinha um sorvete maravilhoso. Como ia sempre àquele lugar, acabei fazendo amizade com o dono do estabelecimento, um senhor grisalho, aposentado, que abriu o comércio para completar as despesas e “deixar a mente livre para novos projetos”, como ele mesmo dizia.

Numa de nossas conversas, quando falávamos dos prazeres e angústias que passamos com alguns familiares e amigos, ele me confessou que seu filho havia sido usuário de drogas e me contou todo o sofrimento de sua família para recuperar o rapaz. E conseguiram. Mas uma frase me marcou: ele disse que quando o filho era preso por conta de pequenos furtos, “toda a família se fazia prisioneira também”. O sofrimento do filho era tal qual uma praga que se alastrava por toda a casa. Quando o filho saía da cadeia, “toda a família saía também”. Ele disse que seu corpo se congelava quando ouvia a sirene da polícia nas proximidades de sua rua, mesmo que não estivesse à procura do seu filho. Não é difícil imaginar o frio visceral e o sofrimento daquela família cada vez que o rapaz era algemado para o flagelo da prisão. Talvez não fosse frio simplesmente, mas algo mais forte. Talvez fosse a esperança em brasas de recuperar o filho ou o medo de perdê-lo definitivamente para as drogas.

Para cada situação temos uma sensação de calor ou frio que se apodera de uma parte do nosso corpo. Senti uma sensação de frio enquanto visitava um amigo na penitenciária de Brasília, a Papuda. Em todas as visitas que fiz a esse amigo, alguns presos que não tinham família pediam a ele um pouco do lanche que eu levava. Sem cerimônia, ele repartia com os colegas e comíamos sentados no chão forrado com um lençol. A propósito, esses dias de visita são um dia de festa. Mesmo numa prisão é bonito ver as pessoas se reencontrando e se abraçando. Choram o filho preso, a mãe, as irmãs, as esposas, e isso emociona quem estiver por perto.

Certa vez, um daqueles presos me pediu dinheiro para comprar cigarros e refrigerante. Disse-me que era da Bahia e que não tinha família para lhe trazer comida. Contando-me seu sofrimento na prisão, ele me disse que tinha dor de dente e os policiais não o levavam ao dentista e que estava com saudades da mãe e da irmã mais nova, mas não tinha dinheiro para pagar advogado para transferi-lo para Bahia. Contou-me também que havia ficado de castigo na solitária só porque reclamou da comida. E por fim, disse-me: “Seu moço, aqui é onde o filho chora e a mãe não vê”. Dei-lhe alguns trocados e, quando ele se afastou, comentei com meu amigo que a história daquele rapaz e sua cara de choro havia me deixado “pra baixo”. Então meu amigo me perguntou se eu tinha idéia do porquê dele estar ali. Respondi que não. Ao que ele me respondeu:

_ Pois bem. Ele matou uma moça. Ela chegou em casa à noite com o namorado, mas o rapaz não desceu do carro e foi embora sem esperar que ela entrasse. Enquanto ela abria o portão, veio esse cara aí e deu várias facadas nela só para roubar a bolsa. Mas aqui na prisão ele está pagando o pato. Dois tipos de presos se dão mal aqui: o assassino frio e o estuprador. O estuprador vira a mulherzinha de todos.

Se já estava derribado por estar em uma penitenciária e passar por aquela revista constrangedora, ouvir as lamúrias do baiano e as explicações do meu amigo me deixou congelado. Naquele dia, saí fisicamente de lá, mas espiritualmente fiquei por muitos dias.

Caro leitor, peço-lhe desculpas pelo assunto pesado, mas encerrarei com uma história igualmente cruel. Sônia Rios, que está concluindo seu curso de Direito e se especializando em mentes de assassinos cruéis, numa de suas pesquisas, entrevistou um garoto de 13 anos preso no CAJE de Brasília. Apesar da pouca idade, ele já havia assassinado duas pessoas. Sônia inicia a conversa:

_ Por que você, quando mata as pessoas, esmaga a cabeça delas?

_ Tia, o cheiro do gás que sai da cabeça delas é uma coisa maravilhosa. É a melhor coisa do mundo! Me enche de tesão e não consigo parar de cheirar aquele gás. Você precisa ver como é, não tem nada igual.

Ainda sob o impacto da resposta e o suadouro nos pés, ela continua:

_ Você não se arrepende de ter matado essas pessoas? E como imagina sua vida daqui para frente, já que agora você ficará preso por muitos anos?

_ Não me arrependo, porque sei que logo voltarei pra rua. Tia, o que me prende não é esta sala. Estou preso ao cheiro daquele gás. Por ele faço qualquer coisa, qualquer coisa mesmo. *







*Sônia disse que esse garoto já está solto perambulando pelas ruas de Brasília e protegido pelo ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). Duas colegas médicas e uma enfermeira me disseram que esse gás não existe. Em caso de esfacelamento da cabeça, o único cheiro que sai é o de sangue.

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