Acredito que não é apenas na Itália que se ignora e passa adiante o mérito das pessoas na hora de se prover a ocupação de uma função ou de um cargo e se dá preferência a uma indicação política. Acontece, normalmente, em muitas administrações públicas de grande parte dos países do mundo que as conveniências e conchavos de grupos, o poder político, o poder pessoal de relacionamento e outros fatores se sobrepõem aos fatores básicos de preparação, mérito profissional e técnico. Esses fatores terminam por prevalecer na hora de provisão de um cargo, de uma função pública ou até de uma função técnica.
No Brasil temos como forte propulsor de provisão e ocupação de cargos o chamado fator QI (o fator “Quem indica”). Em virtude disso, os concursos tornam-se muitas vezes mais uma maneira formal de iludir a vigilância pública da ética governamental no que toca aos cargos públicos, do que um real respeito ao mérito. Desta forma, entre nós, muitas vezes, ainda prevalece a vontade dos poderosos quando se decide sobre quem vai ocupar uma vaga. Em rigor, todo o concurso tem um número de vagas a preencher, assim como uma validade de pelo menos dois anos. O lógico seria que durante a vigência da validade do concurso, os candidatos aprovados que sobraram além do número exato das vagas iniciais, fossem chamados posteriormente para preenchimento de outras vagas ocorrentes durante operíodo mencionado – o que nem sempre se verifica.
Não sabemos como o assunto é tratado nos Estados Unidos, na China, no Japão, na Índia, na Alemanha ou na Inglaterra. Mas sabemos como é no Brasil. E sabemos agora como é na Itália, também.
Acaba de aparecer um livro específico sobre este assunto, no mês de novembro de 2007,
analisando o que se passa na Península itálica. O livro tem o título de “ Mal di merito – l’epidemia di raccomandazione che paralizza l’Italia”. Traduzindo em português: “O mal do mérito – a epidemia da recomendação que paraliza a Itália”! Seu autor é Giovanni Floris e o livro é editado pela Libreria Rizzoli.
O comentário que se faz a propósito do aparecimento e da sensação deste livro na Itália é o de que na realidade o pedaço de papel mais útil ou mais preponderante não é um título ou um diploma de um curso ou de uma carreira mas uma “carta de recomendação”. Prevalece o empurrãozinho, no fim de contas. E quando se fala nisso interpreta-se que não é um dado folclórico nem um simples mau hábito. É algo profundo que sufoca e mata a meritocracia e realimenta o fogo e a guerra que há entre gerações. O livro é, a um tempo só, uma pesquisa, uma denúncia e um relatório. Estes três aspectos praticamente definem o fundo desta obra de Giovanni Floris. Não se poupam ataques polêmicos à geração de 68, notáveis revolucionários que ocupam posições de poder. Investe-se também contra o mito da eficiência do setor privado, que na opinião do autor, continua estagnante igual ao setor público, e ainda contra a esquerda que é julgada como incapaz de compreender que o retorno da meritocracia deveria ser a chave da sua ação política, inclusive para impedir que quem nasce rico continue a enriquecer cada vez mais enquanto os pobres continuam morrendo pobres.
Teses e pontos de vista a conhecer e a debater neste livro que a imprensa italiana está apresentando como novidade interessante!