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Cartas-->8. GISÈLE -- 27/07/2002 - 09:05 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Não há quem não goste do nome que adotei. Todos os meus amigos e companheiras de profissão, triste profissão, sempre me indicavam como boa parceira, apenas por lhes soar bem: Gisèle. À francesa, como se fora a “branquela” mais pura e meiga do mundo. No entanto, era negra retinta, dessas que lustram e refletem a luz.

Gisèle vai lhes contar o que se passou em sua vida que a levou a contar-se entre as infelizes que abandonam todos os preceitos morais vigentes, para viverem à margem da sociedade, embora, por isso mesmo, absurdamente presas a todos os preconceitos e demais pensamentos de menosprezo e de vingança.

É bom não estranhar que esta ignorante tenha adquirido tantos conhecimentos. Se me tivessem encontrado viva, iriam desconfiar de que não teria condição alguma de progredir. Mas onde estou, trago a pele tingida de negro porque quero. O mais corre por conta das impressões que desejo transmitir ao grupo, para a influenciação positiva, no sentido de fazer com que os demais se sintam coagidos a examinarem as próprias reações, perante ser de evidente e contundente baixa extração social.

Quero, desde logo, dizer que não pretendo espantar ninguém através de minhas palavras. Se pudesse, eu o faria. Contudo, corre, entre os da “Turma dos Primeiros Socorros”, que são pouquíssimos os humanos que se deixam influenciar pelos textos mediúnicos, sempre desconfiando de tudo: plágio, impostura, inconsciência, animismo, infantilidade e até desejo de supremacia intelectual do médium, quando não consegue projeção social por meios mais adequados ao humano sucesso.

Meus pais eram negros iguaizinhos. Mas eram pessoas socialmente consideradas honestas. Trabalhavam, iam à missa, ajudavam os patrões nas horas em que deveriam estar em casa cuidando dos filhos, obedeciam a todas as determinações das autoridades. Não tinham estudo, com certeza porque não interessava aos brancos (digo-o sem ressentimentos e sem agressividade). Se fossem ricos, por exemplo, por terem ganho na loteria, não se integrariam no grupo dos patrões e fugiriam para cidade menor, onde pudessem viver sossegados, em casa afastada do bulício e dos comentários.

Mas eram paupérrimos e se submetiam às diretrizes vigentes, não aquelas escritas, mas as que valem, realmente, ou seja, os usos e costumes consuetudinários.

Ao me perverter, não o fiz por rebeldia. Era mocinha muito graciosa e requestada por todos. Meu verdadeiro nome era Rosana. Troquei-o por Gisèle, para que meus pais não desconfiassem de que se falava de mim.

A verdade é que, durante algum tempo, fui muito famosa no “bas-fonds”, no submundo do meretrício, tendo sido para lá encaminhada, pela ingenuidade dos meus treze anos, quando tive a primeira experiência sexual com gente adulta.

Devo dizer que, desde pequena, as brincadeiras sensuais me atraíram. Era uma pessoa muito “quente”, se é que me entendem. Com o corpo desenvolvido nas chamadas partes eróticas, os olhares dos machos volveram-se para mim. E as notas se acenaram em atração irresistível.

Para quem nunca tivera nada, só o fato de morar em casa de alvenaria era o suficiente para me pôr agradada.

Nunca pertenci apenas a um homem. Entretanto, houve um dia em que, praticamente, tive o “passe” vendido a casa de prostituição sofisticada, com clientela de alto luxo. Estava com dezessete anos, no esplendor das formas. Formas, aliás, que prometiam tornar-se excessivamente abundantes, se não me cuidasse.

Nessa casa, era a única negra. Por isso, especialíssima para quem gostava de fantasiar os relacionamentos sexuais. Havia duas japonesinhas, três mulatas, algumas loiras, mas as morenas claras, bem clarinhas, eram as que mais faturavam.

Mal sabia ler e escrever e isso foi fatal para meu desaparecimento precoce. Inadvertidamente, em certa época de atraso menstrual, peguei um vidro de comprimidos, que pensei fossem estabilizar as regras, e tomei alguns. Comecei a me sentir mal e até hoje não sei se morri por causa das pílulas ou por causa do líquido amarelado que tomei em seguida.

Como podem ver, nada existe de grandioso na minha história.

Chegando ao etéreo, vinha amargurando o desaparecimento precoce, tanto esperava gozar as delícias carnais. Não conheci a dor física. Só os prazeres. Não tive um único arrepio moral. Se quiserem saber, não me encontrei mais com meus pais, depois que ingressei na primeira casa suspeita.

O dinheiro que arrecadei e que deixei guardado não era tanto que me fizesse mecenas dos velhos. Perdeu-se, naturalmente, na volúpia inflacionária dos gananciosos.

Assim, sem que soubessem os velhos que eu morrera, continuaram sua vidinha normalmente, às vezes com arremessos de saudades, principalmente quando os ia visitar em espírito, alma penada nos primeiros tempos e remediada moralmente, depois.

Quando José me foi buscar no Umbral, falei-lhe que não mereceria sua atenção. Ele não me disse nada. Apenas me levou até o prostíbulo mais perto e me mostrou antigas cortesãs, espíritos aferrados ao sexo, sugando as energias dos que malbaratavam as suas.

Olhei com evidente incompreensão para o querido mestre, que me explicou:

— Gisèle ou Rosana?

— Gisèle. Rosana é criatura que mora na mente dos familiares.

— Gisèle, você curtiu as sensações da pele, sem pejo e sem malícia. Não tinha nítida na cabeça a diferença entre procedimento natural e evangelizado.

Olhei para ele bestificada. Eram conceitos que não podia absorver.

— Desculpe-me, querida. O que pretendo demonstrar-lhe é que não houve maldade em seu comportamento. O que a fez peregrinar estes últimos nove anos sem destino, foi o fato de ter repudiado a possibilidade da gravidez, ou melhor, da condução à Terra de mais um ser necessitado da vida para progredir. Nem por isso, no entanto, é merecedora de grandes represálias, tanto que sua consciência acabou assimilando a noção do estacionamento, quando percebeu que o fim da vida se deveu a essa precipitação.

Hoje sou capaz de reproduzir as palavras e de entendê-las e até muito mais. Na ocasião, perdi quase tudo. O que me ficou realmente gravado é o que já suspeitava e começava a proclamar em baixa voz: era uma boa pessoa, mal influenciada e gananciosa. Dava a desculpa da idade e recebia da consciência o revide da desobediência aos conselhos e recomendações de mamãe, que jamais suspeitara das supra-referidas brincadeiras com a molecada da vizinhança.

Durante mais de treze anos fiquei internada na instituição, interessada em aprender as sutilezas mentais da culpa e da desculpa. Nesse meio tempo, fui levada a conhecer a anterior encarnação. Vivera na África, em condições tribais muito infelizes. Negra e pobre. Viúva desde cedo. Sem filhos. Atormentando a vida das mulheres casadas.

Essa fase, porém, não me afeta mais. Conto-a, para que tirem as conclusões relativas à lei de causas e conseqüências.

Após a aprendizagem das primeiras letras, pus-me em contacto com meus pais na qualidade de protetora, tendo em vista estarem velhos e necessitarem de apoio espiritual, para compreenderem que o pós-túmulo é bem diferente do que prega a crença católica.

Logrei êxito com a ajuda de diversos companheiros, mesmo porque, quem tem origem africana, não se deixa iludir pelas balelas dos padres interessados nos rendimentos e não nas almas.

Para efeito de demonstrar que não estou levantando acusações descabidas ou rancorosas, posso dizer que me foi possível saber que muitos sacerdotes estão encarnados com a missão de superar as dificuldades sociais dos terrestres, tendo eles mesmos sido vítimas, em encarnações anteriores, da lei da força dos poderosos, havendo muitos que tinham pele negra. Encarnados, esquecem-se das promessas aos benignos protetores. Deus os ajude!

Como minha área de interesse se situa no campo dos “coloreds”, tenho tido oportunidade de entrar em contacto com muita gente iludida pela condição atual, no sentido de se sentirem inferiores ou superiores. Posso dizer que os piores são os que desejam, sendo negros, postar-se de maneira a suplantar a todos. Fazem-no por birra centenária, incrustada na personalidade.

Não tenho condições de medir os tópicos, segundo os critérios específicos para as mensagens habituais da turma. Por isso, pedi a José que me avise quando estiver na hora de parar. E ele está me afiançando que, se continuar, irei ultrapassar os limites da capacidade de reflexão.

Em todo caso, agradeço, comovida, esta oportunidade e peço um milhão de desculpas se ofendi a susceptibilidade de pessoas moralmente sãs mas desacostumadas com linguagem demasiado crua ou rústica. Aproveito, então, para dizer que, no etéreo, todas as sutilezas da humana malícia de caráter social caem por terra, perante a necessidade de crescimento no campo das virtudes evangélicas. É bom, assim, começarem, desde já, a se preocupar com os argumentos que utilizam para desprestigiar o que lhes possa parecer perigoso para o crescimento moral, para a evolução.

Mais tarde, quando nos encontrarmos por aqui, poderemos bater uma caixa legal sobre os que lhes possa não ter ficado claro. Para mim, esta dissertação era tudo o que eu mais precisava, pois vejo que poderei atingir diretamente o público encarnado, através do conhecimento e da revelação de que tudo o que ocorre no plano material tem seu reflexo na conduta espiritual posterior.

Muito obrigada!

Aceitem o abraço carinhoso da Rosana e da Gisèle, personalidades que ainda lutam para integrarem-se numa só bondosa e adiantada criatura.

Fiquem com Deus!

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