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Artigos-->HEIDEGGER VISTO DE SEU ARQUIVO EM MESSKIRCH -- 28/01/2008 - 16:37 (João Ferreira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
HEIDEGGER VISTO DE SEU ARQUIVO EM MESSKIRCH

João Ferreira

1960-1976-2008





Quando em 1960 nos encontrávamos na Alemanha como bolsista da Fundação Calouste Gulbenkian de Lisboa, tentamos contatar o filósofo alemão Martin Heidegger (1889-1976) que era então catedrático da Universidade de Freiburg im Brisgau, - cidade alemã conhecida pelo nome de Friburgo, na Floresta Negra(Schwarzwald). Era uma oportunidade única que se nos oferecia. Na época em que Husserl foi chamado a ensinar em Freiburg, Heidegger o acompanhou como assistente, passando a suceder-lhe em 1929 na cátedra de filosofia. Heidegger havia publicado em 1927 seu mais famoso livro sobre o Ser e o Tempo (Sein und Zeit), dedicado a Husserl e exposto de acordo com o método fenomenológico.

Não tendo encontrado Heidegger na visita que fizemos à Universidade de Freiburg, restou-nos seguir o conselho do nipo-brasileiro Adai Harada que se encontrava na Alemanha elaborando já adiantada tese de doutoramento sobre o pensamento filosófico de Heidegger. Ele nos aconselhou a que procurássemos o filósofo franciscano Timotheus Barth, que morava na cidadezinha de Sigmaringen e era grande amigo de Heidegger. Segundo Harada, ele nos daria seguramente notícias seguras e nos facilitaria o acesso a familiares que nos indicariam onde encontrá-lo. Assim foi. Barth nos entusiasmou a tentar em Messkirch o encontro com o mestre, pois, segundo ele, era ali que Heidegger gostava de escrever e colocar em ordem a escrita de seus livros e especialmente de suas lições universitárias ou preleções (Vorlesungen), aproveitando horas vagas. Além do ambiente bucólico e pacato da pequena cidade de Messkirch, no sul da Baviera, o filósofo contava com a ajuda eficiente de seu irmão Fritz, que copiava à máquina e organizava seus originais para publicação.

De Sigmaringen, junto ao Danúbio, até Messkirch eram 17 quilômetros, fáceis de cobrir por trem. Resolvemos por isso aproveitar o meio mais cômodo de transporte. Chegamos rápido. Quando apeamos, ao perguntarmos na rua pela casa de Martin Heidegger, os populares nos indicaram a casa do irmão Fritz. Ao tocarmos a campainha, quem veio abrir a porta foi Frau Elizabeth, esposa de Fritz, cunhada, portanto, de Martin Heidegger. Apareceu em seguida, profundamente acolhedor, o dono da casa, senhor Fritz Heidegger. Ao lhe falarmos da indicação e recomendação de Timotheus Barth, colocou-nos inteiramente à vontade. Em seguida, levou-nos diretamente para o escritório do irmão, numa prova de extrema confiança. Entusiasmou-se ainda mais quando lhe dissemos que estávamos ali para visitar e entrevistar seu irmão, depois de o ter procurado em vão na Universidade de Freiburg.Conversamos sobre o irmão. Percebeu rapidamente que conhecíamos grande parte da obra de Martin, desde o Sein und Zeit até ao Was ist das – die Philosophie e ao Einfuerung in die Metaphysik. Dentro de notória simplicidade, pediu licença para ir barbear-se e deixou-nos no escritório de Martin, colocando-nos em mãos, em volume datilografado, as então inéditas Vorlesungen sobre Nietzsche que eram preleções feitas por Heidegger em Friburgo sobre o autor do So sprach Zaratustra. Voltou alguns minutos depois transformando-se num informador de primeira mão, mostrando uma cordialidade que parecia amizade de muitos anos. Passou a nos mostrar a biblioteca, volume por volume. Sua e do irmão. Fez questão de evidenciar a quantidade de volumes inéditos, já digitados, quase todos resultantes de preleções e conferências do irmão filósofo e pensador. Além dos quatro volumes datilografados sobre Nietzsche, que surgiram de preleções universitárias do ano 1937, Fritz apontou para um volume igualmente datilografado, encadernado e inédito intitulado “Theologie und Phaenomenologie”. Fritz disse que esse livro era uma resposta indireta, e até certo ponto direta, a Jean-Paul Sartre que no opúsculo L’Existentialisme est un Humanisme(1946) colocou Martin Heidegger entre os pensadores existencialistas e ateus. Fritz confidenciou que seu irmão não era nem nunca foi ateu e dizia que nesse livro o catedrático de Friburgo tirava todas as dúvidas a seus leitores sobre seu suposto ateísmo. Aliás sabemos que na casa paterna sempre reinou uma atmosfera religiosa.

No decorrer desta instrutiva e agradável conversa, Fritz confessou-se secretário de seu irmão na organização e preparação dos originais para a imprensa. Passou depois a mostrar-nos alguns de seus livros preferidos, como as obras de Rudolf Bultmann (1884-1976) e Karl Barth (1886-1968), cuidadosamente sublinhadas, o que revelava leitura atenta e interessada desses autores. Na mesa onde Martin Heidegger trabalhava chamou-nos muito a atenção quando vimos aberta a Metaphysica de Aristóteles, em texto exclusivamente grego, edição de David Ross, publicada na Inglaterra, anotada e sublinhada a vermelho, o que demonstrava o conhecimento direto que Heidegger tinha da língua grega, assim como o processo de estudo que privilegiava as fontes originais.

Na continuação da conversa sobre livros, textos inéditos, e hábitos intelectuais do irmão, Fritz mostrou-nos então uma folha que considerava preciosa relíquia de família. Era um pequeno texto datilografado que transcrevia pequeno discurso que Heidegger pronunciara no dia da missa nova de Heinrich, sobrinho padre, filho de Fritz, na cidadezinha de Messkirch. Fritz leu-nos o texto chamando a atenção que o discurso se desenvolvia estruturalmente em torno de três palavras: alegria(Freude), graça(Gnade) e desejo(Wünsch). Tanto valor o dono da casa dava a esse texto como vivência de pai e como memória familiar que em seguida no-lo mostrou gravado.

Já no final de nossa visita, Fritz foi pegar algumas obras importantes de seu irmão para nos oferecer autografadas. Essas obras que ainda conservamos hoje em nossa Biblioteca(2008) foram: Was ist das – die Philosophie? Zur Seinsfrage e Unterwegs zur Sprache, livro especialmente dedicado ao problema da Linguagem, à essência da linguagem, aos caminhos da Linguagem e à palavra. Reúne textos produzidos em tempos diferentes.Fritz quis mostrar-nos a igreja de Messkirch, em barroco bonito mas não puro da Baviera. Nosso cicerone nos explicou que ele e o irmão foram batizados noutra igreja mais pequena pelo fato de a paroquial estar nesse tempo ocupada pelos católicos liberais da facção de Josef Ignaz von Döllinger(1799-1890), dissidente de Roma. Indicou-nos onde ele e o irmão nasceram: foi na casa nº 3 que pertencia ao sacristão da igreja (Messner). Seu pai exercia a função de sacristão na igreja de São Martinho. Sua mãe, Joana, era da família Kempfe católica, também.

Foi esta uma visita importante em minha vida de andanças pelo mundo e em minha experiência de conhecimento e de estudo. Enquanto Martin se encontrava de férias no Bodensee ou em Baden, longe da possibilidade de ser entrevistado, a sorte nos colocou no caminho de Fritz Heidegger, que nos deu muitas e interessantes informações. Ao passarmos pela livraria local de Messkirch, já na despedida, Fritz completou a supergentileza de ainda comprar mais um livro do irmão para nos oferecer. Desta vez era Differenz und Identität. Tübingen: Günther Neske Pfullingen, 1957- um livrinho onde se destaca o discurso filosófico sobre a identidade.



João Ferreira

1960-1976-2008

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