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Contos-->Bartolina Pachancha -- 26/06/2002 - 13:26 (João Ferreira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
BARTOLINA PACHANCHA
Conto

João Ferreira
26 de junho de 2002


Bartolina vivia solitária na beirada da lagoa.
Cultivava um pedaço de chácara,onde plantava alguns pés de tomate, alface e quiabo.
Num barracão ao lado da casa mantinha uma dúzia de galinhas caipiras para ter ovos e carne para consumo.
Tinha em casa uma cachorrinha de nome Pachancha que curtia com paixão. Pachancha tinha uma casota de madeira e era de sua obrigação zelar a casa.
Pachancha guardava a casa à beira da lagoa e alertava a patroa diante de qualquer anormalidade.
Bartolina deixava acesa todos os anos uma velinha a S. Sebastião, padroeiro da Chapada, para proteger a Pachancha.A cachorrinha tornou-se superprotegida. Seu prestígio chegara ao altar dos santos. Sua graciosidade era muito conhecida na região. Ela representava a ligação de Bartolina com o mundo. Pachancha ganhava bons pedaços de carne, e havia entre ela e a dona uma simpatia mútua. Comia na cozinha e para dormir enrodilhava-se aos pés de Bartolina quando esta cochilava na cadeira da sala. As duas se entendiam.A dizer a verdade, o pequeno mundo de Bartolina era, de um lado, a Pachancha e, de outro, sua amiga Gertrudes, em toda a região da Chapada.
Apesar de tudo, na cabeça de Bartolina havia um medo secreto. Tinha medo do silêncio da lagoa. Pensava nas onças pintadas que dormiam na mata ciliar, nos urutus e nas cascaveis que passeavam escondidas, segundo relatos de caçadores. Embora a mata tivesse também macacos e veados que desciam até às pradarias e tucanos, loros e periquitos, havia as histórias macabras que o povo contava. A última que ouvira contar era de uma alma que aparecia à meia noite na nascente da mina do pequizeiro. Era uma porca dançante cercada de seis bacorinhos. O povo contava e Bartolina se imoprssionava.
Outra coisa que impressionava Bartolina eram as histórias de ladroagem ali, na região. O que Bartolina não podia deixar era de viver. E lá seguia em frente com sua Pachancha, a cachorrinha.
Bartolina ficara viuva do Zé Viegas mas jurara a São Sebastião da chapada do Rififi que não voltaria a casar. Esta promessa era um segredo contado a S.Sebastião.
Sua maneira de vestir era à antiga. Sempre de preto. Triste e carregada. Só Pachancha junto dela.
Seu casebre ficava distante da praça. Tinha perdido a vontade de sair de casa. Uma vez por semana ia à ermida de São Sebastião fazer as rezas . E só.
Num dia aziago, aconteceu o que ela temia. Sua Pachanchinha, misteriosamente apareceu morta. Bartolina ficou muito desolada. Meio perturbada. O que lhe restou foi chorar Pachancha. Fez um choro ritual diante do cadáver de sua amiguinha:
- Ai, Pachancha, Pachanchita...gritava!
Chorava, berrava, lacrimejava, bradava.
Mas onde estavam os vizinhos? Ninguém aparecia, ninguém se comovia com sua dor.
Era já no terceiro dia.
E só agora a comadre Gertrudes, deu uma passadinha pelo casebre da lagoa para visitar Bartolina.
Ao dobrar a soleira, Gertrudes percebeu a prostração de Bartolina.
- E então comadre?.
- Por S. Sebastião, Gertrudes! Olha só a desgraça que me aconteceu.
- Me conte, minha comadre.
-Ai a minha Pachancha, gritou Bartolina em soluços profundos..
- Mas o que foi que aconteceu , mulher de Deus.?
Bartolina abraçou-se a Gertrudes e levou-a pela mão de até ao quarto.
- Olha ali, disse Barto.
Gertrudes viu um embrulho. Era a Pachancha, enrodilhada em papéis de jornal , dentro de uma cesta de junco.
- Mas ó mulher, disse Gertrudes. Está um fedor aqui e ninguém agüenta isto
Você não pode deixar ficar esta porcaria dentro de casa. Se descobrirem irão levar-te até à delegacia e orbigar-te a pagar uma pesada multa por atentado contra a saúde pública.
- Olha, pega a Pachancha, embrulha-a bem embrulhadinha e vai enterrá-la por aí, lá longe na Chapada. Será melhor para ti , para resolveres logo esta complicação. Foi tudo o que Gertrudes recomendou a Bartolina. E saiu.
A solução era essa mesma. Boa para a Pachancha e boa para a Bartolina.
Bartolina cumpriu o conselho de Gertrudes e ao outro dia, de manhã, lá estava na parada do ônibus, com uma sacola de junco pousada no chão.
O ônibus de carreira parou. E Bartolina entrou sem problemas. Foi sentar-se no meio do ônibus, à janela. Acomodou seu embrulho debaixo do assento do vizinho da frente e o ônibus retomou a marcha pelas estradas poeirentas da chapa de S. Sebastião. Muito triste, Bartolina olhava a paisagem que se desenhava. Fazendas, pastos, boiadas,
plantações de soja, algum casario rústico e aqui e além, árvores do cerrado com frutos: pequizeiros, jatobás e cajus silvestres. Estrada poeirenta, pontes sobre ribeirões, tufos de mato , era tudo o que seus olhos registravam.
O ônibus avançava pelo cerrado e com muita surpresa aconteceu que o cobrador, um inveterado caçador da chapada, que tratava com zelo perdigueiros de raça, sentiu pouco a pouco suas narinas acossadas por fedor estranho. Não teria como dizer de onde vinha, mas habituado às lides da camionagem, ergueu-se meio desconfiado, pronto a iniciar a verificação das passagens. Levantou-se e não tinha mais dúvidas. Havia um fedor estranho.
Sua cabeça estava voltada para uma encomenda de manga-rosa que sua mulher lhe pedira para levar da Chapada. Mas agora havia outra preocupação. Habituado a viajar pelo interior, sabia que não é fácil controlar mercadorias de passageiros. Sabia porém que às vezes havia gente sem vergonha que quer carregar Deus e o Diabo, ao msmo tempo,sem respeito pelos outros. O homem começa a sentir a cabeça à roda. O fedor é intenso e sente que pode cair redondo no chão. Veio para a viagem pouco alimentado e agora tinha dúvida se estava enjoando por não ter comido, pelos balanços da viagem ou pelo fedor estranho. E assim pensando, foi andando e revisando os bilhetes. Resolveu que hoje não teria muita chance de levar as manga-rosa para a mulher. E ao pensar isto, chega junto de Bartolina e nota que o cheiro forte está por ali.
Empertiga-se um pouco, e pergunta a Bartolina:
-Oh minha senhora. Não há um cheirinho esquisito por aqui?
Ao que Bartolina respondeu:
- É a minha Pachancha.
E apontando para o embrulho, o cobrador recebeu outra resposta semelhante:
- É a cesta da minha Pachancha.
O cobrador ia ficando com a cabeça ainda mais à roda.
E não teve como aprofundar o caso pedindo explicações.
A verdade é que o fedor era insuportável . E não se sabia como sair da enrascada.
Percebeu que a esta altura já várias pessoas notavam a degradação do ambiente. E matutando nas palavras de Bartolina, achou que ele era o capitão que em alto mar tem de salvar o barco, custe o que custar.
E acossado por uma grande confusão mental e impotência, sentenciou meio tímido:
-Senhores e senhoras. Um fedor estranho incomoda este ônibus. Qualquer um de nós está sujeito a pegar uma doença deconhecida. Talvez um vírus.
Uma passageira nossa diz que há gente aqui com pachancha cheirando mal. Em visto disso, solicito a todas as pessoas que porventura tenham a pachancha cheirando mal, abandonem, este ônibus na próxima parada.
Com espanto geral, o aviso do cobrador produziu efeitos surpreendentes:
- Exatamente foi verificado que quatorze mulheres deixaram o ônibus sob a alegação de que tinham a pachancha cheirando mal. Entre elas, Bartolina, que tinha em mãos o verdadeiro mistério da Pachancha.
Bartolina, ainda triste, arrastava a sacola até à encosta dos Esporões da Princesa. Num lugar deserto, parou, colocou a cesta no chão e depois de olhar em volta, abriu uma cova debaixo de um pequizeiro, bebeu um trago de cana que levava e borrifou a campa da Pachancha com alguns pingos de cachaça.
Mais triste do que antes, regressou ao casebre da lagoa, sem a sua Pachancha, desta vez meio bronqueada com S.Sebastião da Chapada, que deixou de velar a vida da sua cachorra.

João Ferreira
26 de junho de 2002

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